Trecho de Livro: Você Lembrará Seus Nomes — Gama Revista

Trecho de livro

Você Lembrará Seus Nomes

Com Maya Angelou e bell hooks, antologia organizada por Lubi Prates reúne autoras negras dos EUA cuja poesia marcou o século 2o

Leonardo Neiva 09 de Fevereiro de 2024

Ao longo do século 20, a poesia feita por autoras negras ganhou destaque no mundo, com muitas de suas escritoras espalhadas pelo globo refletindo uma literatura afrodiaspórica cada vez mais no centro das atenções. Se no Brasil temos de Maria Firmina dos Reis (1822-1917) a Conceição Evaristo, nos EUA a poesia negra passa necessariamente por nomes como Maya Angelou (1928-2014), Audre Lorde (1934-1992), bell hooks (1952-2021) e Alice Walker, entre muitas outras escritoras mais ou menos conhecidas por aqui.

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Para mergulhar mais a fundo nessa tradição poética, a antologia “Você Lembrará Seus Nomes” (Bazar do Tempo, 2024) apresenta uma seleção de escritos de 19 poetas negras estadunidenses que deixaram sua marca na literatura do século 20. Além de autras como as já citadas, a coletânea inclui versos das pioneiras Angelina Weld Grimké (1880-1958) e Gwendolyn Bennett (1902-1981) e de representantes da poesia falada e engajada, como Jayne Cortez (1934-2012) e Amina Baraka, cuja escrita despontou nas décadas de 1960 e 1970.

Períodos efervescentes da cultura negra nos EUA, a exemplo das décadas do Black Arts Movement e do Black Power, estão representados aqui nas primeiras publicações de poetas como Lucille Clifton (1936-2010), Nikki Giovanni e Pat Parker (1944-1989), surgindo também nas obras de boa parte das autoras presentes na obra. Com organização da editora, tradutora e poeta Lubi Prates, a reconstrução desses versos para o português conta ainda com um excelente time de tradutoras brasileiras negras, muitas delas também poetas: Ana Meira, Bruna Barros, Desirée dos Santos, Fernanda Bastos, floresta, Jade Medeiros, Jess Oliveira, Luana Moreira, Mariana Correia Santos, Nina Rizzi, Sara Ramos e tatiana nascimento, além da própria Lubi Prates.

Descrita na apresentação da organizadora como um “livro de formação de muitas mulheres negras que, como eu, foram forjadas por essas poetas”, a obra nasceu da curiosidade de Prates por conhecer mais sobre o que escreviam as poetas negras de outros países. “Com isso, percebi que haviam muitas conexões entre o que as poetas negras produziam aqui, no Brasil, e lá, nos Estados Unidos.”


Ainda assim me levanto (Maya Angelou, com tradução de Lubi Prates)

Você pode me marcar na história
Com as suas mentiras amargas e torcidas
Você pode me esmagar na própria terra
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.

Meu atrevimento te perturba?
O que é que te entristece?
É que eu ando como se tivesse poços de petróleo
Bombeando na minha sala de estar.

Assim como as luas e como os sóis,
Com a certeza das marés,
Assim como a esperança brotando,
Ainda assim, eu vou me levantar.

Você queria me ver destroçada?
Com a cabeça curvada e os olhos baixos?
Ombros caindo como lágrimas,
Enfraquecidos pelos meus gritos de comoção?

Minha altivez te ofende?
Não leve tão a sério
Só porque eu rio como se tivesse minas de ouro
Cavadas no meu quintal.

Você pode me cortar com os seus olhos,/
Você pode me matar com o seu ódio,/
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar

Você pode me fuzilar com as suas palavras,
Você pode me cortar com os seus olhos,
Você pode me matar com o seu ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.

Minha sensualidade te perturba?
Te surpreende
Que eu dance como se tivesse diamantes
Entre as minhas coxas?

Saindo das cabanas da vergonha da história
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, vasto e pulsante,
Crescendo e jorrando eu carrego a maré.

Abandonando as noites de terror e medo
Eu me levanto
Para um amanhecer maravilhosamente claro
Eu me levanto
Trazendo as dádivas que os meus ancestrais me deram,
Eu sou o sonho e a esperança dos escravizados.
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.

1978

Eu me levanto/
Trazendo as dádivas que os meus ancestrais me deram,/
Eu sou o sonho e a esperança dos escravizados./
Eu me levanto


Pra cada uma de vocês (Audre Lorde, com tradução de Bruna Barros, Jess Oliveira e tatiana nascimento)

Sejam quem são e serão
aprendam a celebrar
aquele Anjo Negro ruidoso que lhes guia
pelos altos e baixos dos dias
protegendo o lugar donde seu poder emerge
correndo feito sangue quente
da mesma fonte
que sua dor.

Quando sentirem fome
aprendam a comer
o que quer que dê sustância
até a manhã
mas não se deixem perder em detalhes
simplesmente porque vocês os vivem.

Não deixem sua mente negar
suas mãos
memória alguma do que passa por elas
nem seus olhos
nem seu coração
tudo pode ser usado
menos o que é inútil
(vocês precisarão
se lembrar disso quando forem acusadas de destruição.)
Mesmo quando forem perigosas examinem o coração das máquinas que vocês odeiam
antes de descartá-las
e nunca lamentem sua falta de poder
pra que não condenem vocês
a revivê-las.
Se vocês não aprenderem a odiar
nunca ficarão sós
o bastante
para amar facilmente
tampouco serão sempre corajosas
embora isso tampouco brote fácil

Se vocês não aprenderem a odiar/
nunca ficarão sós/
o bastante/
para amar facilmente

Não finjam crenças convenientes
mesmo quando são justificadas
vocês nunca conseguirão defender sua cidade
enquanto gritam.

Lembrem-se que nosso sol
não é nem a estrela mais digna de menção
nem a mais próxima.

Respeitem qualquer dor que venha
dos seus sonhos
mas não procurem deuses novos
no mar
nem em qualquer parte de um arco-íris
Cada vez que amarem
amem tão fundo
como se fosse
para sempre
só que nada é
eterno.

Falem com suas crias orgulhosamente
onde quer que as encontrem
digam a elas
vocês descendem de escravizades
e sua mãe foi
uma princesa
na escuridão.

1973

Vocês descendem de escravizades/
e sua mãe foi/
uma princesa/
na escuridão

Produto

  • Você Lembrará Seus Nomes
  • org. Lubi Prates
  • Bazar do Tempo
  • 264 páginas

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