Curriculum Vitae - Mariana Becker — Gama Revista
Divulgação / Vira Comunicação

CV: Mariana Becker

Pioneira na Fórmula 1, jornalista acredita que sua missão é humanizar pilotos e abrir caminhos:  “Quero que seja mais fácil para novas mulheres”

Daniel Vila Nova 11 de Novembro de 2021

Após três voltas e muita chuva, o Grande Prêmio da Bélgica de Fórmula 1 foi encerrado de maneira anticlimática. Os fãs que desejavam ver a corrida esperaram por longas três horas para a retomada da prova, mas o volume da chuva era tamanho que acabou impedindo as outras 41 voltas. Se a disputa entre os pilotos Max Verstappen e Lewis Hamilton foi frustrada na pista, quem acompanhava a transmissão brasileira do GP teve uma grata surpresa. Nos boxes, a repórter Mariana Becker ocupou as mais de três horas de transmissão da Band com bastidores exclusivos do esporte.

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Com direito a um chazinho no box da equipe Mercedes, a atuação da jornalista lhe rendeu elogios e se tornou assunto nas redes sociais. “Quando a prova foi paralisada e meu editor falou para eu mostrar os bastidores da corrida, fiquei muito animada. Sempre vivi isso, mas nunca pude mostrar”, contou a repórter de 49 anos, que há 13 ocupa um lugar raro para mulheres: o de repórter setorista de um esporte dominado por homens.

De 2007 a 2020, Mariana cobriu todas as temporadas pela Globo, uma das mais importantes e concorridas transmissões esportivas da casa. Com a desistência da renovação dos direitos de transmissão este ano, se viu em uma situação delicada. “Foi um período tenso. E se outra TV comprasse os direitos de exibição? Se eu já estivesse envolvida em outro projeto, ficaria de fora da F1”, lembra. A oportunidade de continuar reportando a modalidade, no entanto, não demorou a surgir, com a aquisição dos direitos pela Band.

Apesar de já ter feito coberturas exaustivas ao longo de sua carreira, como o acidente de Felipe Massa, Mariana diz que a atual temporada tem sido especialmente desafiadora. Além de ser a mais longa da história da F1, com 23 provas, o campeonato adotou jornadas triplas de GPs, com três provas em finais de semana seguidos em países diferentes. “Às vezes abro o olho no hotel e não sei em que cidade estou”, conta. “Os funcionários da imigração sempre me olham estranho pois eu tenho que parar e pensar para responder de onde estou chegando e para onde vou.”

Há sempre uma história por trás daqueles pilotos arriscando suas vidas na pista

Para a jornalista, a boa repercussão da cobertura da Band também se deve ao tempo dedicado à transmissão, que define como “livre e aberta”. Mariana entende que há uma grande diferença para o público entre ligar a televisão e já ver todos os carros enfileirados ou acompanhar os pilotos tensos, conversando com seus respectivos engenheiros e equipes sobre as estratégias da corrida. “Há sempre uma história por trás daqueles pilotos arriscando suas vidas na pista.”

Na conversa com Gama, a jornalista contou sobre as escolhas difíceis que teve que fazer para encarar os circuitos viajando o mundo inteiro, suas relações profissionais com pilotos e engenheiros e a missão pessoal de tornar o caminho mais fácil para outras mulheres do que foi para ela.

  • G |Como é a sua rotina de trabalho?

    Mariana Becker |

    Quando chego em casa de uma viagem, a primeira coisa que faço é fechar a porta e abrir a mala. Tiro todas as roupas sujas, coloco elas na máquina de lavar e aí começo a pensar na vida. No dia seguinte, volto a trabalhar. Começo a preparar as próximas reportagens e tudo o que já pode ser adiantado. E aí, quando chega o final de semana, vou para o autódromo e sigo a agenda diária. Faço passo por passo: as entradas ao vivo, as entrevistas com pilotos e engenheiros, tudo cronometrado, quinta, sexta, sábado e domingo. E aí, na segunda-feira ou no próprio domingo, pego o avião de volta — e suas infinitas conexões — e começo tudo de novo.

  • G |Quais os seus maiores aprendizados nesses anos como repórter de F1?

    M.B. |

    O lado pessoal de quem está fazendo aquele esporte tem de ser considerado. Quem é aquele piloto? Por que ele age assim? O que ele está sentindo? O que está em jogo para ele? Quando eu comecei a fazer jornalismo esportivo, me exigiam muitos números, dados e estatísticas. Eu estudo isso, mas nunca fui muito boa. Esse lado também é importante, mas precisamos falar sobre o lado humano do esporte. Os números contam tanto quanto a pessoa.

  • G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido?

    M.B. |

    É necessário manter a objetividade. O emocional é importante, mas você não pode deixar esse lado ser decisivo nas suas escolhas e nas entrevistas. Você pode achar um piloto um babaca, mas tem de entrevistá-lo igualmente e perguntar tudo o que deve ser perguntado. Pode ser básico, mas são pequenos ensinamentos que não devem te abandonar nunca.

Quando comecei a fazer jornalismo esportivo, me exigiam muitos dados e estatísticas. Isso também é importante, mas precisamos falar sobre o lado humano do esporte

  • G |Que conselho você daria para os profissionais que estão começando agora e que pretendem seguir carreira na sua área?

    M.B. |

    É importante saber conversar, ser um interlocutor não só no mundo virtual. Sinto que as gerações mais novas têm uma enorme capacidade de pesquisa e de interação virtual, mas pouca capacidade interpessoal. Se você não exercitar essa coragem de chegar e conversar com uma pessoa, de pedir uma entrevista, de se manter calma enquanto fala com alguém, sua função como repórter vai ficar muito difícil. Pesquisas virtuais podem ser incríveis, mas não são o suficiente. Relações interpessoais são uma fonte fundamental no trabalho jornalístico.

  • G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?

    M.B. |

    Estou em um momento em que estou cansada de pegar voo toda semana, ir para os autódromos e estar calma e descansada para fazer boas perguntas. É um grande desafio. Posso até estar bem no começo, mas no fim do dia meu cérebro não está funcionando direito. É um desafio ser exigente com a qualidade do meu trabalho e ficar atenta até o final.

  • G |Para atuar na sua área, o que um bom profissional precisa saber?

    M.B. |

    É preciso estabelecer uma proximidade com as fontes, mas você não pode achar que elas são suas amigas. É uma relação afável e profissional, uma parceria, mas nada além disso. Quando alguém te responde de forma ríspida é chato, mas não leve para o coração, aquela pessoa não está ali para ser sua amiga. Ela está ali como uma profissional e, naquele momento, o trabalho dela é te conceder uma entrevista. Imagina você trabalhar por um único objetivo durante o ano todo e aí, por um erro monstruoso seu ou da sua equipe, você perde o que mais deseja. Não só isso, mas aquele erro está público para o mundo todo ver. É muito difícil, nessa situação, você dar uma entrevista de forma tranquila. Óbvio que eu não gosto quando alguém me responde de maneira torta, mas a depender da situação é exigir demais das pessoas. Na Fórmula 1, toda prova vale o mundo. Não há amistosos. É importante considerar isso.

A mulher até está sendo aceita no mercado de trabalho, mas as com poder de decisão sempre sofrem mais questionamentos e julgamentos

  • G |Como você enfrenta o machismo na profissão?

    M.B. |

    A mulher até está sendo aceita no mercado de trabalho, mas as com poder de decisão sempre sofrem mais questionamentos e julgamentos. As pessoas chamam de louca, de histérica. Por que não falamos isso do cara que é neurótico e não cala a boca? Hoje eu não tenho tantos problemas, afinal de contas estou lá há muito tempo. Mas tive de insistir muito e esse é o meu conselho para as mulheres que tem esse sonho: sempre se lembre dos motivos pelos quais você está fazendo algo. Se você ama algo, não vai ser um cara que vai te parar. Insiste, insiste e insiste. Quanto mais mulheres com esse pensamento, mais a gente pode se ajudar.

  • G |Você teve que abrir mão de algo para chegar onde chegou?

    M.B. |

    Sempre. Vou repetir aquele chavão, a vida é feita de escolhas. Eu abri mão da convivência da minha família para trabalhar viajando o mundo. O meu pai está com Alzheimer e para mim tem sido muito doloroso, cada vez que eu volto tenho menos dele. Isso faz eu me questionar muito em relação a isso. Essa foi a minha principal perda.

  • G |Qual a sua missão na sua profissão?

    M.B. |

    Pessoalmente, é abrir caminhos. Quero que seja mais fácil para novas mulheres do que foi para mim. Profissionalmente, minha missão é mostrar o ser humano dentro daquele “herói”. No momento em que se mostra que o piloto incrível é humano com falhas e inseguranças, as pessoas se sentem mais próximas desses grandes conquistadores. E quando alguém se aproxima de um super herói, também se acha capaz. Talvez você não se torne um campeão mundial, mas você sabe que o campeão mundial é como você.

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