CV: Mari Pavan

À frente do Agiliza Lab, a empreendedora quer empoderar mulheres ao mostrar que furadeira e martelo também são coisas de mulher

Ana Elisa Faria 11 de Junho de 2025

Foi numa noite de insônia em meados de 2016, em meio a uma crise ocupacional, que Mari Pavan decidiu dar uma guinada na carreira. Formada em engenharia florestal, com atuação na área de mudanças climáticas e políticas públicas por mais de uma década, ela buscava uma nova direção profissional: algo que unisse propósito e efeitos breves e palpáveis. “Quando trabalhamos com política, ou com temas mais sistêmicos, o prazo para vermos um resultado concreto é muito extenso. E isso sempre me deixou angustiada”, conta.

Pensando no que gostava de fazer e no que acreditava, ela se lembrou que adorava fazer consertos e reparos em casa, além de colocar a mão na massa — e na chave de fenda, no alicate, na furadeira. “Tenho um prazer quase físico quando faço faxina, quando conserto alguma coisa, quando organizo um armário”, diz Pavan. Assim, em junho de 2017, nasceu o Agiliza Lab.

A proposta de Pavan é ensinar a manusear um martelo, entender a lógica da hidráulica e trocar um interruptor. Mas vai além. O que o Agiliza oferece também é empoderamento, do tipo que começa com um preguinho colocado na parede e vai parar no amor-próprio e na autoconfiança. “Quando estamos com a autonomia, a autoestima e o senso de capacidade fortalecidos, nos submetemos a muito menos coisas.”

A escola atende mulheres de várias idades e diferentes perfis, que moram sozinhas, que são casadas ou ficaram viúvas, que querem evitar golpes de prestadores de serviços ou simplesmente que desejam resolver perrengues domésticos sem depender de ninguém. Com cursos presenciais e online e workshops corporativos, a empresa já teve mais de 2,5 mil alunas que aprendem como fazer a manutenção de suas casas. “As ferramentas têm um poder de reforçar o nosso senso interno de potência, nosso senso de capacidade”, comenta.

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Mas, a ideia de que ferramenta é coisa de homem, ainda aparece, especialmente nas redes sociais, onde Pavan lida com comentários ofensivos e machistas. “Tem dia que é um show de horrores. Mesmo não tendo uma linguagem combativa, fico impressionada de receber retornos muito agressivos, que hoje consigo compreender que são simplesmente pelo fato de eu ser uma mulher que está falando de um assunto que os homens ainda veem como sendo de domínio exclusivo deles”, afirma.

Ainda assim, ela segue firme na proposta. “Com um pouquinho de conhecimento, tem um mundo de coisa que a gente é capaz de fazer em casa.”

Nesta entrevista à Gama, Mari Pavan fala sobre as mudanças de rumo profissional, os desafios de empreender em um setor masculinizado e do objetivo de proporcionar liberdade às mulheres para fazerem elas mesmas o que quiserem.

Minha missão é mostrar que esse mundo também é nosso e que ferramenta também é coisa de mulher

  • G |Como você chegou até aqui?

    Mari Pavan |

    Eu sou formada em engenharia florestal. Trabalhava na Amazônia com mudanças climáticas, redução do desmatamento e políticas públicas. Eu sempre gostei do meu trabalho, fui feliz, mas quando trabalhamos com política, ou com temas mais sistêmicos, o prazo para vermos um resultado concreto é muito extenso. E isso sempre me deixou angustiada. Morei seis anos em Manaus e passava o dia inteiro na frente do computador. Vim a São Paulo para trabalhar com inovação social, facilitação de diálogos em empresas, mas, da mesma forma, os processos são lentos. Em 2016, bem mais infeliz, comecei a investigar as coisas que eu gostava, acreditava e poderiam ser feitas profissionalmente.  Numa crise de insônia, lembrei que gostava de consertar as coisas. O meu pai sempre fez isso em casa e eu observava, ia fuçando. Tenho um prazer quase físico quando faço faxina, quando conserto alguma coisa, quando organizo um armário. A partir daí, fui investigando e percebendo que as mulheres ao meu redor não tinham intimidade com as ferramentas e que era sempre alguém que fazia para elas esses trabalhos de manutenção e conserto. Assim, pensei que seria legal ter algo parecido com uma escola de escoteiros para adultos aprenderem a fazer essas atividades.

  • G |Quando e como essa ideia virou curso?

    MP |

    Procurei referências de negócios do tipo, achei algumas fora do Brasil, mas não encontrei nenhum aqui. Pensei: “Se não tem, vou inventar”. Eu sabia muitas dessas coisas empiricamente, mas para ensinar eu precisaria de um conhecimento bastante aprofundado, mais profissional. Fiz um monte de cursos e fui desenhando o modelo do meu, com a ajuda de um amigo, que auxiliou na lapidação do conteúdo.
    A primeira turma, que aconteceu em junho de 2017, foi experimental, só com amigas. Chamei perfis diferentes de mulheres, desde as que gostavam de colocar a mão na massa às que odiavam o tema, mas que toparam fazer no intuito de ajudar a lapidar o curso. Essa primeira turma gerou várias modificações, ajustes que melhoraram a oficina, e no mês seguinte, fiz a primeira turma aberta. Desde então, as turmas acontecem regularmente, com exceção daquele intervalo da pandemia, em 2020 e 2021.

  • G |De que forma o Agiliza Lab funciona hoje?

    MP |

    Trabalho com as turmas presenciais, que é o carro-chefe de atuação do Agiliza Lab. Tenho também o curso online e produzo conteúdo para a internet, como YouTube e Instagram, com tutoriais mais rápidos. Há ainda uma parte do negócio voltada para empresas, com workshops customizados. Eu brinco que o Agiliza nasceu de um grande prazer, que é consertar as coisas e ver as coisas prontas horas depois.

  • G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?

    MP |

    Bati muita cabeça no início tentando explicar do que se tratava o curso. Até na questão da linguagem foi difícil . Eu falo hoje que o Agiliza Lab é uma oficina de manutenção residencial para mulheres. Só essa frase foi um tanto de vai e volta. Porque era uma oficina de consertos para casa, mas a pessoa falava: “Mas é para consertar o quê?”. Eu dizia que era uma oficina de reparos domésticos, mas “reparo doméstico” dava a entender que se tratava de outra coisa. Foi uma lapidação até chegar em uma comunicação mais clara. Hoje digo: “É uma oficina para pessoas leigas, a gente vai aprender isso, isso e isso. É para te aproximar das ferramentas e te dar mais autonomia para fazer os consertos em casa”. Eu agora penso: “Nossa, gente, por que fiquei tanto tempo nessa?”. Mas foi um desafio lapidar a comunicação. Eu tinha um olhar muito preciosista, achava que tudo era importante, que tudo tinha de estar contemplado numa frase. Ou até mesmo o meu primeiro curso, que durou 12 horas. Se eu tivesse mantido esse tempo, nem as minhas amigas iriam fazer. Foi um tanto de desafios e aprendizados para chegar até aqui. O conteúdo do curso já passou por muitos ajustes, justamente para tentar entender como fazer a mulher compreender a lógica de tudo. Porque se eu ensino só algo relacionado a uma torneira específica, e você chega na sua casa e sua torneira é diferente, você fala; “Ah, muito legal, minha torneira é diferente, o curso que fiz não serve para nada”. Acho que o desafio é lapidar esse conhecimento e tentar deixá-lo o mais aplicável para dar à mulher o máximo de ferramentas possíveis.

O desafio é lapidar esse conhecimento e tentar deixá-lo o mais aplicável possível para dar à mulher o máximo de ferramentas possíveis

  • G |Há machismo nesse meio?

    MP |

    No curso, não, porque a enorme maioria das aulas que dou é restrita às mulheres. Faço bem poucas turmas mistas, mas os homens que vêm já sabem quem eu sou. Eles já vêm sabendo o que esperar. Mas nas redes sociais, tem dia que é um show de horrores. Mesmo não tendo uma linguagem combativa, de falar “A gente não deve precisar de macho”, fico impressionada de receber, às vezes, retornos muito agressivos, que hoje consigo compreender que são simplesmente pelo fato de eu ser uma mulher que está falando de um assunto que os homens ainda veem como sendo de domínio exclusivo deles. Há, por exemplo, vídeos em que eu explico, sem dar opinião ou atacar alguém, como consertar determinado objeto. E chegam comentários do tipo: “Vai lavar uma louça”, “Você não sabe do que está falando”, “Vai estudar antes de falar bobagem”, “Cala a boca”. Também recebo muito retorno legal, mas há dias em que chegam coisas ruins. É difícil.

  • G |Você responde esses comentários machistas?

    MP |

    Eu respondia. Antes, os comentários me afetavam mais, eu respondia. Até que cheguei à conclusão de que não valia a pena gastar esses recursos com caras que não queriam criar um diálogo. Tem muitos homens que estão ali para trocar ideias, mas o cara que me manda lavar uma louça não quer dialogar e nem abrir espaço para um aprendizado — nem meu, nem dele. Então, às vezes eu deixo o comentário lá. Quando é muito agressivo, ou ofensivo diretamente comigo, ou ainda quando ofende as mulheres de forma geral, eu bloqueio a pessoa. É até um favor retirar um conteúdo que esse cara acha tão ruim da frente dele. Às vezes eu faço um story usando o tema como um gancho para falar de machismo. No entanto, tenho investido cada vez menos tempo em responder porque sinto que é isso o que a pessoa quer: criar um embate, um vaivém, que não vai dar em nada de produtivo. Evito apagar conteúdos que são apenas discordantes da substância do vídeo porque a ideia é criar também um ambiente em que a gente possa conversar.

  • G |Você teve um mentor ou uma mentora?

    MP |

    Tenho o Adriano, um grande amigo. Antes do Agiliza, a gente trocava muita informação. Ele é marceneiro e, quando ia instalar algo na minha casa, a gente ficava trocando ideia enquanto ele trabalhava. Eu sempre perguntava como fazer determinadas coisas. Criamos uma amizade muito voltada para esses temas [de consertos e afins] também. Quando nasceu a primeira versão do meu curso, em 2017, eu ainda não conhecia nenhuma mulher profissional que prestava serviços na área e, por mais que eu tivesse estudado, feito formações profissionalizantes, sempre ia ter algum macete do dia a dia que eu não conhecia ou que podia melhorar. Assim, chamei o Adriano para bater todo o conteúdo das aulas e fomos aprofundando o curso a partir dessa primeira versão. A gente segue amigo, mas agora ele não tem mais uma participação direta. Para além do Adriano, tive apoios de amigos que acreditaram na ideia e que ajudaram a refinar o conteúdo, que participaram da comunicação. Eu sou a cara principal do Agiliza porque, afinal, é o meu negócio, eu que dou as aulas, faço tudo, mas teve muita gente que me apoiou nesse processo de maneiras diferentes, e acho que até as próprias alunas me ajudam, me fazem crescer com insights interessantes, com as histórias de cada uma.

  • G |E qual que é a sua missão, hoje, com o Agiliza?

    MP |

    É aproximar as mulheres do mundo das ferramentas e dos consertos de casa. Socialmente, somos muito pouco estimuladas, e até desestimuladas, na verdade, a entrar nesse universo. Eu acho que as ferramentas têm um poder de reforçar o nosso senso interno de potência, de capacidade. Nos cursos, eu pergunto quem ali já montou um móvel e, para quem levanta a mão, peço para contar qual foi a sensação de terminar aquela atividade. É sempre automático a mulher abrir um sorriso e falar: “Foi maravilhoso, me senti uma MacGyver, me senti a Beyoncé”. As respostas são muito divertidas. Olhar para um desafio muito concreto, visível e prático como consertar um objeto e vê-lo funcionando reforça o nosso senso de autonomia. E, reforçando isso dentro da gente, transborda para muitas outras áreas da vida. Quando estamos com a autonomia, a autoestima e o senso de capacidade fortalecidos, nos submetemos a muito menos coisas. Entrar nesse mundo tem um poder bastante transformador, seja pela capacidade de fazer um reparo, pela economia ou para questionar um prestador que, às vezes, passa um orçamento abusivo. Também é divertido falar: “Cara, aluguei uma casa e consegui pintar a parede e instalar uma prateleira e um lustre”. Eu sinto que, de forma prática, a minha missão é mostrar que esse mundo também é nosso e que ferramenta também é coisa de mulher. Com um pouquinho de conhecimento, tem um mundo de coisa que a gente é capaz de fazer em casa.

É sempre automático a mulher abrir um sorriso e falar: ‘Foi maravilhoso, me senti uma MacGyver, me senti a Beyoncé’

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