Trecho de Livro - Limite de Caracteres: Como Elon Musk destruiu o Twitter — Gama Revista

Trecho de livro

Limite de Caracteres

Investigação de jornalistas do New York Times traz à tona detalhes da negociação e da conturbada gestão de Elon Musk à frente do Twitter/X

Leonardo Neiva 27 de Setembro de 2024

Para uma rede social que não existe mais no Brasil — ao menos por enquanto —, o Twitter/X tem alcançado o feito impressionante de não sair da boca do povo, mesmo que nem sempre de forma positiva. Recentemente o bilionário dono da plataforma, Elon Musk, recuou do embate contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, o que pode prenunciar a volta da rede para breve. Enquanto isso não acontece, o livro “Limite de Caracteres” (Todavia, 2024), que sai oficialmente dia 7 de outubro aqui no Brasil, é uma oportunidade para mergulhar a fundo nestes dois anos da conturbada gestão de Musk à frente da empresa.

A investigação rigorosa dos repórteres Kate Conger e Ryan Mac, do New York Times, recria, a partir de documentos e depoimentos de fontes internas e externas, passo a passo do polêmico processo de aquisição do Twitter pelo empresário criador da Tesla e da SpaceX. Numa negociação sem precedentes, o homem mais rico do mundo surge aqui num retrato no mínimo controverso, com uma personalidade inconstante e que não mede esforços para satisfazer suas vontades. A tradução da obra ficou por conta de Bruno Mattos, Christian Schwartz, Marcela Lanius e Mariana Delfini.

Promovendo logo de cara demissões em massa que acabaram prejudicando até o funcionamento da plataforma, o empresário liderou iniciativas como uma redução drástica da moderação de comentários preconceituosos ou de desinformação — alguns deles publicados pelo próprio Musk. Também procurou lidar com a crise financeira que se instalou na empresa com iniciativas polêmicas como a venda de perfis verificados.

O trecho selecionado por Gama aborda intervenções da rede na política brasileira a partir das eleições de 2022 e como o STF virou uma pedra no sapato do bilionário desde o início da sua gestão no comando da empresa.


A pílula vermelha

As demissões continuaram durante todo o mês de janeiro. Nos Estados Unidos, rodadas intermináveis de cortes foram desmantelando as equipes de engenharia que trabalhavam na parte de produto e anúncios, bem como na área de confiança e segurança. Na Austrália, os poucos funcionários que ainda restavam foram mandados embora. No meio disso tudo, havia gente que não sabia se tinha sido demitida ou não.

No início de janeiro, um designer que vivia na Europa e pedira demissão havia dois meses tentou descobrir de uma vez por todas o que é que estava acontecendo. Ele continuava com acesso ao e-mail corporativo e aos canais do Slack mesmo depois de ter saído da empresa. Além disso, ainda estava recebendo o salário. O ex-funcionário tentara entrar em contato com o pessoal do RH, mas não sabia se tinha alguém recebendo suas mensagens, já que várias pessoas do departamento também haviam sido mandadas embora durante as rodadas de demissão em massa.

Sem ter mais para onde correr, o designer enviou uma mensagem de Slack para algumas pessoas que poderiam ser as responsáveis pela gestão dos funcionários: “Eu sou tipo o cara do grampeador que aparece no Como enlouquecer seu chefe“, declarou. Era uma referência ao filme de 1999, em que um dos personagens acaba transferido para um escritório no meio do porão e o resto da empresa se esquece dele. Em determinado momento, alguém do Twitter finalmente tomou as rédeas da situação e concluiu o desligamento do designer.

Steve Davis, por sua vez, continuava a eliminar os benefícios corporativos, incluindo o auxílio para planejamento familiar e o suporte financeiro para fertilização in vitro. As funcionárias do Twitter que haviam congelado seus óvulos ficaram atônitas, sem saber como arcar com um custo que até pouco tempo atrás era responsabilidade da empresa. Fora que tudo isso parecia cruel demais e até mesmo traiçoeiro: afinal, não era Elon Musk que dizia que as pessoas deveriam repovoar o planeta?

O chefe do Twitter cravou as garras no que ainda restava da equipe de moderação de conteúdo, invalidando toda e qualquer decisão de remover tuítes que questionavam a derrota de Jair Bolsonaro

O bilionário havia se recuperado do “imprevisto” no final de dezembro, mas seus tuítes continuavam no mesmo tom desvairado de sempre. Neles, era possível entrever uma mente fervilhando dentro de um filtro-bolha muito particular. Ainda que Musk sempre tivesse se posicionado como um libertário mais ao centro, isso não o impediu de tuitar que “Kevin McCarthy deveria ser o presidente da Câmara” na madrugada do dia 5 de janeiro. McCarthy era um deputado republicano da Califórnia e tinha apoiado as alegações de Trump sobre fraude eleitoral em 2020.

O início do novo ano trouxe também mudanças políticas no Brasil, que acabara de eleger seu novo presidente — o chefe do Twitter cravou as garras no que ainda restava da equipe de moderação de conteúdo, invalidando toda e qualquer decisão de remover tuítes que questionavam a derrota de Jair Bolsonaro. Logo depois da vitória de Lula, bolsonaristas começaram a alegar que a eleição tinha sido roubada, tal qual os apoiadores de Trump fizeram em 2020. Os moderadores de conteúdo do Twitter sabiam que precisavam agir rápido para evitar uma situação parecida com a invasão ao Capitólio, e começaram a tirar do ar os tuítes que violavam as regras da plataforma.

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Assim que descobriu o que estava acontecendo, Musk decidiu impedir os próprios empregados, alegando que apenas tuítes que incitassem abertamente atos violentos ou então esbarrassem em decretos governamentais poderiam ser removidos. Ele estava fulo da vida com um juiz brasileiro, que mandava várias solicitações para a empresa pedindo a remoção dos tuítes. No dia 8 de janeiro, bolsonaristas invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal numa tentativa de golpe de Estado para manter o ex-presidente no poder.

Musk, por sua vez, não fazia mais questão de esconder que se tornara conservador. Ele agora respondia a tuítes de perfis da direita americana e até se oferecia para investigar as reclamações que gente como @Catturd2 e Jack Posobiec faziam à plataforma. O primeiro era o alter ego de um homem da Flórida que se declarava apoiador de Donald Trump, e o segundo, um ativista que tinha alardeado a conspiração do Pizzagate. Além disso, o bilionário também convidou Dave Rubin, que comandava um podcast reacionário, a conhecer a sede do Twitter — e permitiu que Rubin passasse dois dias lá para questionar os funcionários sobre o motivo pelo qual a conta dele agora tinha um alcance limitado.

Ele estava fulo da vida com um juiz brasileiro, que mandava várias solicitações para a empresa pedindo a remoção dos tuítes

A atividade política de Musk no Twitter começou a gerar alguns questionamentos. Em uma reunião de resultados da Tesla que aconteceu no dia 25 de janeiro, alguém perguntou se a politização do chefe não acabaria prejudicando a montadora de carros e assustando possíveis clientes. Só que Musk não enxergava a situação da mesma forma. Afinal, a marca de 127 milhões de seguidores comprovava que ele era “mais ou menos popular”.

Aos analistas e investidores, Musk também declarou que “na verdade, o Twitter é uma ótima ferramenta pra gerar demanda”.

No dia seguinte, ele foi até Washington para se reunir com Kevin McCarthy. Era aniversário do novo presidente da Câmara e os dois conversaram sobre as políticas do Twitter. Musk também encontrou um tempinho na agenda para falar com Jim Jordan, deputado de Ohio que servia como cão de guarda de Trump, e James Comer, um deputado do Kentucky que agora era responsável pelo Comitê de Supervisão e Responsabilidade e já anunciara suas intenções de investigar o presidente Joe Biden. Musk tinha um interesse especial no tópico, uma vez que várias de suas empresas estavam sofrendo com algum nível de investigação governamental. Ele queria saber se Biden teria os recursos necessários para usar as agências federais em iniciativas contra o Twitter.

Com a investigação da FTC correndo havia alguns bons meses, o bilionário acreditava que ele próprio era um alvo da Casa Branca e, por isso mesmo, estava determinado a se aproximar de pessoas que pareciam bem equipadas para proteger seus interesses. Ele também queria achar um jeito de evitar briga com a agência reguladora, pois havia recebido uma intimação para depor em fevereiro. A equipe de Musk chegara a propor uma conversa despretensiosa a Lina Khan, presidente da FTC. Ela rejeitou a ideia e, em uma carta, disse que seria melhor se o dono do Twitter respondesse às perguntas que os investigadores haviam mandado meses antes.

Musk, por sua vez, não fazia mais questão de esconder que se tornara conservador

“Sugiro que o Twitter tente priorizar suas obrigações jurídicas e forneça as informações que foram solicitadas pela FTC”, ela escreveu. “Assim que a empresa tiver feito isso, estarei à disposição para agendar uma conversa com o sr. Musk.”

Um mês mais tarde, James Comer chefiou uma audiência na Câmara dos Representantes para investigar os possíveis vínculos entre as grandes empresas de tecnologia e o governo. Yoel Roth, Vijaya Gadde e outros compareceram para prestar esclarecimentos sobre aquilo que, na opinião de políticos conservadores, era uma suposta ditadura contra a direita; enquanto isso, os republicanos não se cansavam de elogiar a postura de Musk. Marjorie Taylor Greene, deputada da Geórgia que simpatizava com o QAnon e tivera sua conta no Twitter suspensa em 2022 depois de divulgar informações falsas sobre a vacina contra a covid, resumiu bem o sentimento do seu lado do espectro político.

“Graças a Deus que o Elon Musk comprou o Twitter.”

Produto

  • Limite de Caracteres
  • Kate Conger e Ryan Mac (trad. Bruno Mattos, Christian Schwartz, Marcela Lanius e Mariana Delfini)
  • Todavia
  • 488 páginas

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