Especialistas dão conselhos para identificar o momento de mudar, de trocar de cargo, de área ou de empresa
Não é nada fácil encerrar um projeto profissional nem chegar à conclusão de que o ciclo naquele dito “trabalho dos sonhos” que você lutou tanto para alcançar está próximo de se fechar.
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Há quem pense que largar o osso de um plano profissional é sinal de fracasso, mas concluir etapas no mundo dos negócios, seja no auge da carreira ou não, precisa ser naturalizado. Desistir pode levar trabalhadores a novas áreas, outras empresas e a projetos mais satisfatórios.
Pensando nessas questões, Gama ouviu especialistas que deram dicas para que profissionais saibam identificar com mais clareza o momento certo para finalizar um negócio, trocar de cargo ou de parceria e mudar o foco para outro lugar.
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Naturalize o fim de um ciclo, ainda que o projeto esteja no auge –
Sabe quando um projeto está na crista da onda? Ele dá orgulho, um bom retorno financeiro e todos ao redor elogiam, mas, no fundo, você não enxerga mais um propósito pessoal naquilo que preenche parte dos seus dias. Foi o que aconteceu com o Instamission, perfil do Instagram idealizado pelas sócias Dani Arrais e Luiza Voll, da Contente, que convidava usuários da rede a fotografar e postar imagens relacionadas a um tema semanal proposto pela dupla. As missões, como eram chamados os posts temáticos, foram se tornando um sucesso, até atrair a atenção de empresas, que passaram a patrocinar as atividades. Mas em 2020, após dez anos no ar, Dani e Luiza decidiram encerrar a conta. “Quando criamos algo na internet, parece que ‘tem que ser para sempre’. Ainda mais quando há uma história de sucesso. Será? Também podemos observar o que aprendemos, olhar para dentro e nos perguntar: continua fazendo sentido ou tem outra fagulha acesa por aqui? Nos últimos meses, percebemos que nosso entusiasmo tinha migrado de lugar”, diz a postagem de despedida. É no que também acredita Luanda Vieira, jornalista e apresentadora do podcast “O Corre Delas”. Na última semana, ela escreveu na newsletter “Vamos Falar de Amor?” sobre o tema: “Aprendi que a gente precisa normalizar finais que estão no auge. Para acabar não precisa estar ruim (mas lembre que se estiver, talvez seja urgente acabar)”. “Essa frase que destaquei no texto diz muito sobre a minha trajetória profissional e a minha saída do meio editorial. Considero que, em 2021, eu estava num momento muito bom como editora de beleza e bem-estar da Vogue, mas o meu corpo pediu para parar. Meu corpo não aguentava mais”, relata a Gama. Luanda fala que sempre foi apaixonada pelo que faz. Porém, essa paixão dificultou olhar para outros sentimentos e para a própria saúde. “Depois de um tempo, vi o quanto estava desanimada para fazer uma coisa que, antes, eu amava”, afirma. Até que a jornalista foi diagnosticada com burnout. “Pedi demissão porque precisava equilibrar vida profissional e vida pessoal. Parece clichê falar, mas realmente eu não fazia uma divisão das duas coisas, justamente por ser apaixonada pela profissão. Essa paixão é perigosa porque eu não sabia a hora de parar. Hoje eu sei.” Não é fácil se retirar de cena em momentos de glórias e partir para a próxima, mas, em muitos casos, pode ser a melhor decisão para a sua carreira. -
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Observe os sinais do corpo e da mente –
Às vezes, demoramos para perceber o que o nosso corpo e a nossa mente nos dizem — como ocorreu com a jornalista Luanda Vieira. No entanto, dia a dia, ambos emitem sinais de socorro. Ficamos exauridos, tensos, ansiosos, apáticos, preocupados, desanimados, cheios de dores musculares e com a imunidade baixa quando um trabalho não nos faz bem. O burnout é o ápice disso tudo. Para Carol Gazzi, diretora de relacionamentos e talentos da 99jobs, existem sintomas físicos, mentais e de contexto que avisam quando algo na vida profissional não vai bem, mas é necessária uma auto-observação para percebê-los. Ela cita alguns indícios: quando há um excesso de fadiga, quando a pessoa começa a ter dificuldade para sair da cama e iniciar o dia, quando o indivíduo não quer mais se conectar com os colegas do trabalho ou quando há um declínio na simbiose de aprendizado. Em um post sobre o assunto, Rafa Cappai, artista, criadora de conteúdo e mentora de projetos criativos que ajuda pessoas a ponderarem tanto o nascimento quanto a finalização de projetos, reflete que, se o profissional vive estressado e cansado, a saúde dele está sofrendo em função do seu projeto atual. “É evidente que, em momentos específicos, alguns projetos podem demandar um pouco mais da gente. Mas, se isso acontece repetidamente, especialmente por longos períodos de tempo, e você começa a reconhecer esses padrões, aí, de fato, é uma questão para se ponderar”, conta. “Hoje em dia, não dá para falar sobre trajetória profissional sem falar sobre saúde e saúde mental”, diz Luanda. “O meu burnout, por exemplo, não aconteceu por uma situação específica. Foram algumas situações que ocorreram ao longo da minha trajetória de 15 anos, de todos os sapos que eu tive que engolir, do tanto que eu tive que batalhar para conseguir alguma coisa. Enfim, é uma junção de todos esses pontinhos, está tudo muito relacionado. Por isso, não dá mais para a gente olhar para a profissão sem pensar na nossa saúde de fato”, conclui. -
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Nós mudamos, assim como os projetos e as empresas mudam –
Os objetivos de um projeto ou os valores de uma empresa podem mudar conforme o tempo passa. Essas transformações, entretanto, também podem causar um afastamento — e, consequentemente, um rompimento — de colaboradores e funcionários. Luanda Vieira considera que um dos primeiros sinais que a fez entender que estava na hora de finalizar o ciclo no antigo trabalho foram as mudanças de objetivo da chefia e os valores desalinhados. “Percebi que a hora de dar tchau estava chegando quando entendi que os meus valores não estavam mais tão de acordo com os da direção. Fui compreendendo isso quando passou a ficar muito cansativo eu expressar quais eram os meus ideais, meus objetivos, e ter sempre uma negativa. Então, comecei a entender que talvez aquele lugar não fazia mais parte de mim, porque, assim como a gente muda, os ambientes em que a gente trabalha também vão mudando. Os interesses das empresas mudam. E nem sempre eles estão alinhados com o que a gente espera da vida”, compartilha. -
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Se suas habilidades não estão sendo desenvolvidas, pode ser hora de dar tchau –
O psicólogo húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, um dos principais pesquisadores da psicologia positiva, cunhou o termo conhecido como estado de flow, ou estado de fluxo, no fim da década de 1960. Uma pessoa atinge esse estado mental, segundo Csikszentmihalyi, quando realiza uma tarefa e se sente totalmente absorvida por uma energia que flui pelo corpo, causando uma sensação de prazer, bem-estar e foco total naquilo que se está fazendo. É um mergulho profundo numa atividade — tão fundo que o indivíduo perde a noção de espaço e tempo. Carol Gazzi, da 99jobs, explica que, quando o profissional perde o estado de flow, talvez seja o momento de partir para outra. Ela cita uma ferramenta chamada gráfico de flow, em que desafios e habilidades são colocados em eixos opostos. “Normalmente, quando estamos em equilíbrio, os nossos desafios e as nossas habilidades caminham num gráfico saudável. Entramos nas nossas atividades e nem percebemos o que estamos fazendo. Parece que o tempo para. E aí, quando você sente que é hora de mudar, de sair daquele projeto, deixa de ver as suas habilidades sendo desenvolvidas, ou os desafios ficam pequenos”, elucida. “Não vou romantizar o trabalho, mas sabemos que existe essa coisa do ‘trabalho dos sonhos’. Porém, a gente trabalha primordialmente por subsistência, por dinheiro. Só que, no fim das contas, não pode ser só isso. E aqui eu falo dentro de um recorte de privilégio, óbvio. Mas se esse estado de flow deixa de estar presente, é um sinal para fechar o ciclo”, finaliza. -
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Aceite que encerrar um projeto não é sinal de fracasso –
Muitos profissionais chegam a perceber todos os sinais listados e, mesmo assim, não conseguem finalizar um ciclo corporativo ou encerrar um projeto, com medo de serem taxados como fracassados. A desistência tem má fama na sociedade, ainda mais no Brasil, famoso por campanhas como “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o psicanalista inglês Adam Phillips, editor das traduções inglesas da obra de Sigmund Freud pela Penguin Books e autor de “On Giving Up” (“Sobre Desistir”, em tradução livre), que deve ser lançado no país pela editora Ubu em julho, diz: “Muito trabalho cultural entra na valorização da persistência, nessa ideia de não desistir. As pessoas que não desistem são vistas como o melhor tipo de gente. É claro que é uma boa ideia persistir na cura para o câncer, ou na luta contra o bullying. Mas nunca desistir pode significar se torturar. Adictos nunca desistem. É algo que depende muito do contexto.” De acordo com a mentora de projetos criativos Rafa Cappai, atualmente há uma forte tendência à meritocracia e, por isso, se o indivíduo não produz nada, parece que ele não vale nada. Ela exemplifica com um relacionamento amoroso longevo. “Quando um casal se separa depois de 20 anos, alguém sempre fala: ‘Nossa, o casamento não deu certo’. Caramba, deu certo por 20 anos, mas em determinado momento os dois decidiram encerrar o ciclo e tudo bem. Com o encerramento de projetos profissionais, há uma propensão das pessoas pensarem que elas desistiram de uma identidade”, comenta. Assim, segundo Rafa, essa situação cria um vazio e incertezas. “O pensamento é: se eu não prosseguir com esse projeto, quem eu serei? O que farei? Há uma sensação de perda de identidade.” Resumindo: não tenha medo de desistir, de parar no meio de algo que não faz mais sentido. A desistência de um projeto ou de um emprego não faz de você um profissional fracassado.
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