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Isabela Durão

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Reportagem

A importância da inteligência emocional no trabalho

Conhecer e saber lidar com as emoções são habilidades fundamentais para o desenvolvimento da carreira e também para a criação de um ambiente profissional mais empático, produtivo, diverso e saudável

Ana Elisa Faria 10 de Dezembro de 2023

A importância da inteligência emocional no trabalho

Ana Elisa Faria 10 de Dezembro de 2023
Isabela Durão

Conhecer e saber lidar com as emoções são habilidades fundamentais para o desenvolvimento da carreira e também para a criação de um ambiente profissional mais empático, produtivo, diverso e saudável

Ter consciência das emoções, saber gerenciar momentos de raiva, medo, tristeza, ansiedade, frustração e até de alegria e conseguir se colocar no lugar do outro são algumas das características de uma pessoa inteligente emocionalmente, habilidade importante para a vida privada, mas que, cada vez mais, está em alta no mercado de trabalho. Isso porque profissionais com essa competência parecem se mostrar mais produtivos, resilientes, maleáveis para lidar com as adversidades do dia a dia, comunicam-se de forma eficaz, criam relações interpessoais bem-sucedidas, seja com clientes ou colegas, além de serem bons ouvintes.

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Colaboradores com essas capacidades, que podem ser desenvolvidas no decorrer da vida, ajudam a tornar o cotidiano no ambiente organizacional mais salutar. Ambiente esse que muitas vezes tem se mostrado tóxico para os trabalhadores, com casos crescentes de afastamentos por burnout, depressão e ansiedade — o Brasil, por exemplo, tem a população mais ansiosa do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A própria OMS, assim como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos todos os anos por consequência desses transtornos, custando à economia global quase um trilhão de dólares.

Em 2022, as duas instituições publicaram diretrizes sobre saúde mental laboral, recomendando ações para o enfrentamento do problema, como a redução de jornadas de trabalho pesadas, comportamentos negativos e demais fatores que causam angústia no trabalhador. Outra instrução é o treinamento de líderes capazes de evitar locais de trabalho estressantes.

A inteligência emocional, ou a falta dela, se encaixa em tudo isso — e não é de hoje. O termo foi usado pela primeira vez em 1990 em um artigo de autoria dos psicólogos norte-americanos Peter Salovey e John D. Mayer e, cinco anos mais tarde, foi popularizado pelo jornalista científico e psicólogo estadunidense Daniel Goleman, que “traduziu” o estudo seminal no best-seller “Inteligência Emocional” (Objetiva, 1996).

O livro transformou práticas psicológicas e educacionais e, ainda, mudou o universo corporativo. Na publicação, o especialista explica que a consciência das emoções é um fator muito mais relevante para o êxito nos relacionamentos e no âmbito profissional, e até no bem-estar físico, do que o exercício da razão nua e crua. Para ele, temos “duas mentes”, a racional e a emocional, que, juntas, moldam o nosso destino.

Para entender melhor esse conceito e conhecer os cinco pilares da inteligência emocional, de acordo com Goleman, Gama ouviu quatro especialistas.

O que é inteligência emocional?

A inteligência emocional, conforme Daniel Goleman descreve, é a capacidade de reconhecer, compreender, avaliar e gerenciar as emoções — as nossas e as dos outros — de maneira eficaz. Não se trata apenas de controlar possíveis reações impulsivas, mas também de cultivar a empatia e estabelecer relações interpessoais saudáveis.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o autor explicou e exemplificou essa ferramenta: “A inteligência emocional tem a ver com o modo que lidamos com nós mesmos e com nossas relações. É ela que faz a diferença entre um líder realmente eficiente e um líder mediano. A inteligência acadêmica se refere ao quão capaz você é em matemática, por exemplo. Porém, quando você é líder, tem como missão levar os outros a fazerem o trabalho por você. Deve motivar, comunicar. Essas são habilidades que dependem da sua inteligência emocional.”

Saulo Velasco, psicólogo e diretor de aprendizagem da The School of Life Brasil, resume dizendo que ser inteligente emocionalmente significa reunir habilidades socioemocionais, sobretudo as que envolvem os relacionamentos: “Relacionar-se melhor consigo mesmo, se relacionar melhor com as outras pessoas, se relacionar melhor com o trabalho e com o mundo de uma forma geral”.

É preciso conhecer as emoções, entender o papel que elas exercem no nosso funcionamento, especialmente as perturbadoras que obscurecem a nossa capacidade de resolver problemas

Esse conjunto de habilidades, elucida Velasco, pode ser agrupado em algumas competências, como o autoconhecimento e a autorregulação emocional. “Ou seja, é preciso conhecer as próprias emoções, entender o papel que elas exercem no nosso funcionamento, especialmente as perturbadoras que obscurecem a nossa capacidade de raciocinar, tomar decisões, resolver problemas e nos levam a agir de maneira impulsiva”, fala.

Assim, conhecendo as emoções, criando um entendimento sobre elas, nomeando-as, diferenciando uma emoção da outra e também identificando os contextos sociais que evocam certos padrões emocionais, conseguimos nos regular emocionalmente para não tomarmos atitudes agressivas, intempestivas e passíveis de arrependimento. “Identificando esses gatilhos, é necessário buscar formas alternativas para responder a situações conflituosas. Às vezes, pode ser um pedido de tempo, alguns minutos para sair de uma reunião difícil para respirar, se acalmar e, no retorno, tentar padrões diferentes”, desenvolve Velasco.

Depois de olhar para dentro e se conhecer a fundo, que é o primeiro passo rumo à inteligência emocional, vem o desenvolvimento das relações com os outros. É aí que entra a empatia. “É quando você se coloca dentro da perspectiva do outro para tentar entender, por exemplo, por que aquela pessoa está agindo de um jeito tão desagradável com você. Isso porque essa atitude pode não ter diretamente nada a ver com você. A pessoa pode estar tendo um dia ruim, pode estar passando por certas dificuldades. Então, é tentar ler o mundo a partir dos olhos da outra pessoa, e não com base nos nossos próprios vieses e suposições.”

Como comenta Velasco, essa empatia, necessariamente, envolve habilidades de escuta, “uma escuta atenta ao outro, uma escuta ativa”, diz a Gama. “Uma escuta em que a gente não interrompe a pessoa, presta atenção no que ela tem a dizer até o final, faz perguntas para entender melhor como a pessoa está entendendo determinada situação ou está lendo um problema. É imprescindível demonstrar curiosidade sobre o que o outro está falando, pedindo para aquela pessoa descrever melhor o seu ponto de vista; valorizar esse ponto de vista é importante. Essa escuta também envolve identificar as necessidades emocionais que aquela pessoa pode estar tendo numa determinada situação”, pontua.

Por fim, entram em cena as habilidades comunicacionais. Como comunicar as nossas necessidades e os nossos pedidos de uma maneira clara, respeitosa e enfática, dizendo o que precisa ser dito, defendendo os nossos pontos de vista, ao mesmo tempo em que consideramos as opiniões do outro?

“O que distingue uma comunicação agressiva de uma comunicação assertiva é exatamente o grau de valorização do ponto de vista de uma pessoa com a qual eu discordo. Sei que o que ela está dizendo é legítimo, mesmo que não veja nenhuma razão para concordar. Eu apenas respeito e considero aquela posição. É também uma oportunidade de praticar a comunicação não-violenta”, reflete Velasco.

Como desenvolver a inteligência emocional

Os especialistas consultados pela Gama enfatizaram que a inteligência emocional não é um dom ou uma característica pessoal inata, ela pode ser desenvolvida dia após dia. Aline Castro, consultora empresarial especialista em saúde mental, compartilha que mesmo estudando a respeito há muitos anos não está imune às emoções, mas sabe como lidar com elas.

Paula Esteves, Co-CEO da Cia de Talentos, conta que não é comum, embora seja importante e deveria ser um foco de empresas e escolas, o letramento emocional desde cedo. “Quando a gente entra na escola, aprendemos a escrever, ao ingressarmos no mercado de trabalho, aprendemos a trabalhar. Não há um momento específico da vida em que aprendemos sobre as emoções. Na verdade, agora que as escolas estão oferecendo atividades que ensinam as crianças a gerenciarem melhor as emoções, com momentos para que possam escrever sobre o que estão sentindo.”

Ao ingressarmos no mercado de trabalho, aprendemos a trabalhar. Não há um momento específico da vida em que aprendemos sobre as emoções

Mesmo assim, tardiamente, sempre é tempo para o autoconhecimento emocional, que pode ser desenvolvido de inúmeras formas, como indica Paula. “O aprimoramento da habilidade pode ocorrer por meio de livros, cursos e workshops, meditação, terapia, análise, com uma conversa [com profissionais] sobre carreira, uma mentoria e sessões de coaching.”

Professora da pós-graduação da FECAP, da disciplina de liderança e gestão de pessoas, e doutoranda em psicologia, Daniela Medeiros destaca sobre a relevância do desenvolvimento da competência por parte do mercado e das organizações. “É fundamental que, primeiro, as empresas trabalhem com os líderes. A consciência tem que partir da liderança. Com a liderança consciente, sabendo lidar com as emoções, aí, sim, a implementação de programas que desenvolvam a inteligência emocional dos demais funcionários pode começar.”

Para ela, é essencial que todos os trabalhadores tenham esses conhecimentos — que podem ser aprendidos via treinamentos ou por meio de programas dentro do plano de saúde empresarial que dão direito a psicólogos e psiquiatras — até para perceberem, por exemplo, que estão com sintomas de burnout.

“As pessoas têm o direito desse despertar emocional, no entanto, às vezes, as empresas criam certa resistência para não afastar nenhum funcionário, mas o pensamento tem que ser o contrário: se a pessoa se tratar desde o início, não deixar chegar num ponto de explosão, ela não precisará ser afastada. É imprescindível olhar para essas questões, não adianta fugir porque os prejuízos causados por questões relacionadas à saúde mental só aumentam”, conclui Daniela.

Os pilares propostos por Daniel Goleman

Em seu famoso livro, Daniel Goleman lista os cinco pilares da inteligência emocional que impactam diretamente — e positivamente — na carreira, por desenvolverem a produtividade, o ânimo e o engajamento.

São eles: autoconsciência, autorregulação, automotivação, empatia e habilidades sociais. Aline Castro detalha cada um.

  • A autoconsciência se dá por meio do conhecimento das nossas características pessoais, das nossas emoções, dos nossos gatilhos. “Como eu venho da psicanálise, acho importante entender cada indivíduo como um universo porque não tem uma receita de bolo”, diz. Então, para nos conhecermos, é necessário olhar para a nossa própria história e lembrar quais foram os eventos traumáticos da vida, quais são os nossos medos, o que gostamos ou não gostamos, o que nos traz bem-estar, o que nos conforta.
  • A autorregulação, também conhecida como gerenciamento emocional, autocontrole e autodomínio, vem a partir do momento que conhecemos as nossas emoções. Aline faz uma ressalva sobre o nome do pilar: “Não significa que a gente controle as emoções, mas controlamos as reações que temos diante dos nossos estados emocionais”, observa. “Por exemplo, se eu percebo que algo me deixou com raiva, o que posso fazer em termos de gerenciamento é não responder a determinado e-mail nesse estado. Vale esperar, levantar, tomar uma água, dar uma voltinha e voltar para o assunto mais tarde. Porque se eu responder no momento de pico de raiva, a chance de eu me arrepender será grande. O conselho também vale para emoções como a alegria pois, às vezes, tomamos decisões na euforia e depois nos arrependemos.”
  • A automotivação: com o autoconhecimento trabalhado, sabemos o que pode estimular nossos sonhos, desejos e propósitos.
  • A empatia. Se os três primeiros aspectos teorizados por Goleman têm a ver só com a gente, o quarto transcende para os outros. “Quanto mais eu me conheço e compreendo as minhas emoções, mais habilidade eu tenho para lidar com as outras pessoas. Tendo empatia, entendo o erro como algo humano. A gente erra o tempo todo. Por que não somos tolerantes com o erro do outro? Eu sinto que essa habilidade vai ser a habilidade do líder do futuro.
  • As habilidades sociais. O último pilar tem até um livro que Goleman dedicou ao tema, “Inteligência Social: A Ciência Revolucionária das Relações Humanas” (Objetiva, 2019). Segundo Aline Castro, as habilidades sociais tratam do desenvolvimento da compaixão, da vontade de fazer o bem para o outro e para o mundo. “O Goleman fala que é para nos reconectarmos socialmente. Aquela coisa de andar na rua e não achar normal ver uma pessoa caída na calçada passando por dificuldades. É voltar a ter essa conexão social, e não ficar só na nossa bolha, desconectados de tudo o que está acontecendo ao redor.”