Foto de Thiago Rosarii

CV: Rita Batista

Jornalista e apresentadora do “É de Casa” destaca importância de combater fake news e reforça o lugar central do descanso para as mulheres

Leonardo Neiva 09 de Abril de 2025

Em um mundo marcado por fake news, no qual, para muita gente, a verdade é definida por recortes postados na internet, e opiniões estão no mesmo patamar de acontecimentos reais, o desafio do jornalista é continuar sempre apontando fatos e separando-os dos achismos. Para a jornalista Rita Batista, 46, há três anos no time de apresentadores do “É de Casa” (2015-), da TV Globo, esse é um dos maiores desafios de trabalhar na área nessa complexa realidade em que vivemos. Foi também um dos principais aprendizados que a baiana acumulou ao longo de 22 anos de carreira na TV e no rádio.

Ela sentiu na pele os efeitos das fake news, com o surgimento frequente de recortes distorcidos de suas participações em programas como o próprio “É de Casa” e o “Saia Justa” (2002-), do GNT — em que formou na última temporada um quarteto com Eliana, Tati Machado e Bela Gil. “Vamos chamar essas pessoas às suas responsabilidades judiciais e ponto”, afirma Batista no papo com Gama. “O que eu percebo é que tem uma galera ganhando dinheiro em cima da gente, a cada clique, cada comentário.”

Formada em publicidade e propaganda, Batista iniciou sua carreira no jornalismo em 2003 na Rádio Metrópole, de Salvador, e também na TV Aratu, período em que atuou como repórter, produtora, apresentadora e editora. Mais tarde, passou pela Band e afiliadas, onde chegou a integrar o elenco fixo do programa “A Liga” (2010-2016). Mas foi em 2020, enquanto trabalhava como apresentadora na Rádio Globo da Bahia, que recebeu o convite para atuar como repórter em quadros da Supermanhã da TV Globo, que inclui os programas “Mais Você” (1999-), “É de Casa” e “Encontro” (2012-).

Além de assumir a apresentação do “É de Casa” pouco mais de um ano depois, ela vem realizando desde 2023 a cobertura de Carnaval da emissora, no “Glô na Rua” (2023-). Em 2024, o flerte com o programa “Saia Justa”, onde já tinha sido repórter, também lhe rendeu um lugar como apresentadora ao longo da última temporada do programa.

“Já tinha completado 40 anos, quando as pessoas acham que é um caminho para a aposentadoria, para diminuir a demanda de trabalho. E comigo foi justamente o contrário. Foi uma renovação, mais trabalho, mais responsabilidade”, conta Batista.

Na entrevista a seguir, a jornalista e apresentadora fala também sobre o impacto do racismo na sua atuação profissional e defende a importância do lazer e do descanso, especialmente numa realidade em que essas coisas ainda são vetadas a muitas mulheres.

A gente lida com o fato, e com esse Brasil dividido, é o tempo inteiro a gente provando o que realmente aconteceu

  • G |Você começou no rádio e está há cerca de duas décadas atuando na TV e no jornalismo. O que te moveu a trilhar esse caminho?

    Rita Batista |

    Eu sempre quis ser jornalista, nunca tive dúvida quanto a isso. Sou formada em publicidade e propaganda. Um dia estava ouvindo rádio e falei: quero trabalhar aí. Mandei um e-mail dizendo que a rádio era ótima, mas que ia ficar melhor comigo, e me contrataram. Então, lá em 2003, comecei na Rádio Metrópole, de Salvador. Fiquei até 2009. São 22 anos de carreira entre rádio e televisão, porque em 2003 comecei também na TV Aratu, que é o SBT daqui [de Salvador]. Sempre entendi que era uma comunicadora de massa, uma comunicadora para o jornalismo, e tinha essa vontade e esse interesse pelas coisas sociais e comunitárias. Não era vaidade, mas sim para que a minha voz fosse uma caixa de ressonância para as pessoas.

  • G |Você está há quase três anos à frente do “É de Casa” e ficou por um ano no “Saia Justa”, também participa anualmente da cobertura do Carnaval na Globo. Quais os seus maiores aprendizados nesse período?

    RB |

    Ir para a TV Globo foi uma consequência desse tempo de trabalho. Eu entrei na Globo em 2020, em franca pandemia. Foi um convite dos mais inusitados. Recebi uma ligação me chamando para fazer uma experiência de três meses na Supermanhã, que engloba o “É de Casa”, o “Mais Você” e o “Encontro”. O convite era para ser repórter. E estou lá há quatro anos. Migrei um ano e meio depois para apresentação do “É de Casa”, e faço outros projetos, como o “Glô na Rua”. Então acho que foi a coisa de continuar fazendo, continue trabalhando que você vai chegar aonde quer chegar. Já tinha completado 40 anos, quando as pessoas acham que é um caminho para a aposentadoria, para diminuir a demanda de trabalho. E comigo foi justamente o contrário. Foi uma renovação, mais trabalho, mais responsabilidade. A cada sábado, são 20 milhões de pessoas assistindo o “É de Casa”. Aí depois o “Saia Justa”, que era uma coisa que eu já tinha expectativa de acontecer, porque fui repórter de lá quando estava na Aratu. Calhou de eu já estar na casa, então juntamos o útil ao agradável.

  • G |Quais são os maiores desafios do jornalismo e como lida com eles?

    RB |

    Nesses novos tempos de pós-verdade, em que as pessoas têm muitas opiniões balizadas nas suas vontades, nos seus achismos, e distantes do que é o real, o desafio de todo mundo que lida com notícia é ser ombudsman do que está acontecendo. A gente lida com o fato, e com esse Brasil dividido, é o tempo inteiro a gente provando o que realmente aconteceu. Tem um recorte meu do “Saia”, que teve uma manipulação para parecer que eu tinha sido indelicada com Tati Machado, que é minha colega e amiga pessoal. É de um episódio com [a atriz] Clara Moneke, em que a gente fala sobre elogios à mulher negra, e que algumas pessoas acham que elogiar uma mulher negra é chamá-la de morena. Aí eu e Clara dizemos que não tem problema nenhum chamar uma mulher negra de negra, porque de fato somos. Pois fizeram uma edição desse trecho. Vamos chamar essas pessoas às suas responsabilidades judiciais e ponto. O que eu percebo é que tem uma galera ganhando dinheiro em cima da gente, a cada clique, cada comentário. No fim das contas, você está sendo execrada por uma coisa que não fez e ainda dá dinheiro para essas pessoas. Então é processo mesmo. Inclusive, esse já está distribuído.

  • G |Você ainda enfrenta ou já enfrentou racismo e machismo no mercado de trabalho? Como costuma tratar o preconceito no dia a dia?

    RB |

    Se a pessoa é preta e está atenta, ela sabe que passa o tempo todo por isso. Vi numa página uma influenciadora que se passou por repórter da ESPN e acessou vários jogos. Eu não sou de fazer isso, mas postei um comentário dizendo que sempre tenho que dar informações de quem eu sou, que só ando com credencial. Essa menina passou por todos os lugares e deu tudo certo. Tem como a gente dizer que não é uma questão racial? As mulheres pretas são o tempo todo confundidas. Tem uma fala muito boa de Elisa Lucinda, dizendo que confundem Gilberto Gil com Djavan, confundem ela com tantas outras atrizes negras. Eu e Maju mesmo. O racismo no Brasil, como diz Elias Sampaio, economista e pensador antirracista, é muito sofisticado, vai por caminhos que fazem parecer que é sempre um equívoco. O tempo inteiro a gente tem que provar inclusive que pensa diferente. O movimento negro é heterogêneo, formado por pessoas que têm raciocínios diferentes sobre os mais variados assuntos, inclusive a questão negra. Pegam no nosso pé, como mulheres pretas. Outro dia botei uma lace, foi uma comoção. Geralmente os comentários são de mulheres brancas, cis, hétero. Eu não tenho que pedir permissão nenhuma. Eu decidi combater pelo regimento jurídico e pela minha vontade de fazer o que eu quero fazer. Aprenda, você não pode opinar sobre a aparência de ninguém. Não interessa sua opinião, guarde isso para você.

Acho muito engraçado quando vejo colegas revoltados porque a cultura popular não está refletindo seus interesses

  • G |Você vive para trabalhar?

    RB |

    Eu trabalho muito. Nos veem uma vez por semana na TV e acham que a gente só trabalhou naquele sábado. Como profissionais de comunicação, precisamos estar inteirados dos fatos, para não recorrermos somente à nossa opinião. Eu acho importante, para termos discernimento do nosso ofício, ter tempo para leituras, acesso às artes, ao teatro, cinema. Então eu não vivo para trabalhar. Gosto do meu trabalho, trabalho o suficiente para desempenhá-lo com a rigidez que ele merece, mas tenho um compromisso também com o meu lazer. O descanso para a mulher no Brasil é quase uma ofensa pessoal. As mulheres estão muito atreladas ao trabalho do cuidado, então mesmo as que trabalham fora são cobradas de serem boas esposas, mães, saber cozinhar, cuidar da casa. Parece ofensa pessoal quando eu digo que, se estiver cansada, boto as pernas para o ar. Eu preciso valorizar esse descanso. Aos 46 anos, vou me preocupar se a minha cama está arrumada? Sinceramente, depois que fui morar sozinha, não sou de arrumar a cama nem se estiver com namorado novo. A mulher tem que estar milimetricamente organizada, simetricamente vestida… Desculpe, eu rompi com isso quando fiz 15 anos. São 22 anos de psicanálise para aguentar, porque a pressão continua. Não é porque eu dei esse grito de alforria que ninguém enche a minha paciência. Não, enchem o tempo todo.

  • G |Diria que tem uma missão na profissão?

    RB |

    Além de ser uma caixa de ressonância para essas questões, nossa obrigação como comunicadores é ter cada vez mais intimidade com o público. É por isso que eu não me distancio, acho importante saber o que as pessoas querem. Quero entender esse povo brasileiro, estar perto das pessoas. Às vezes a gente fica dando valor de acordo com nossas bolhas, os nossos amigos, o que é cool. Mas não é isso, tem a ver com o que a maioria da população está enfrentando e querendo como entretenimento. Acho muito engraçado quando vejo colegas revoltados porque a cultura popular não está refletindo seus interesses. Desde a aristocracia europeia que não é assim. Se você é um comunicador popular, tem que atender aos pedidos do povo, das pessoas que consomem os produtos que você anuncia, que assistem TV. É para esse público que eu me devoto e ao qual me curvo. A gente pode até trazer outras coisas para apresentar ao público, mas é ele quem vai decidir. Não é de cima para baixo, é de baixo para cima.

  • G |Que conselho você daria para os profissionais que estão começando agora e que pensam em trilhar um caminho parecido com o seu?

    RB |

    Primeiro é preciso abaixar a bola, botar no chão para aprender direitinho como toca, chuta e como faz gol. O que eu percebo hoje, principalmente da migração de pessoas mais novas que estouram na internet e vão para a TV, é que elas chegam grandes, porque têm muitas marcas — “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como diria Caetano. Às vezes chegam pisando na cabeça de quem já está lá há um tempo. Chegam com a internet na mão, agradando aos anunciantes, e esquecem que tudo que sai da boca é da responsabilidade delas. E aí vêm os equívocos. Estude um pouquinho o que você vai fazer e principalmente, fale com os técnicos, cinegrafistas, produtores, técnicos de som. Na TV, parece que essas pessoas não existem, mas geralmente são os que estão ali há mais tempo. Eles veem e sabem de muita coisa, têm expertise na profissão. Os grandes jornalistas sempre falam dos seus repórteres cinematográficos, dos seus produtores, pauteiros, pessoas que não aparecem para o grande público mas que são tão importantes quanto nós, que aparecemos. Então ouça sua equipe, porque tudo que você fala para a câmera tem pelo menos dez, vinte pessoas trabalhando por trás. Quando você erra, não é só você que erra, é um bocado de gente. Honre isso, que aí você vai fazer direitinho.

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