
CV: Pedro Lins
Jornalista e empreendedor, ele conta sua trajetória na comunicação e na tecnologia até chegar à apresentação do “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”, na TV Globo: “Quando você é uma pessoa preta, você é cobrado quatro vezes mais”
Rosto conhecido dos domingos na Globo desde o início de 2024, o repórter e apresentador Pedro Lins marca presença nas manhãs de sábado da TV aberta. Desde 1º de fevereiro, ele segue à frente do programa “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”, que estreou em novo dia na grade da emissora, viajando pelo Brasil para contar histórias de inovação e empreendedorismo.
- MAIS SOBRE O ASSUNTO
- CV: Thuane Nascimento
- CV: Bárbara Brito
- Uma jornalista no front
Com passagens por telejornais da Globo no Recife, como o “Bom Dia PE” e o “NE1”, o pernambucano de 35 anos construiu até aqui uma carreira na comunicação que combina curiosidade, disciplina nos estudos e um olhar atento para as questões sociais.
Jornalista de formação, um sonho de infância realizado, Lins tem especialização em Marketing Digital pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-graduação em Tecnologia, Inovação e Inteligência pelo Centro de Tecnologia Cesar School, de Pernambuco. “Eu queria entender o que a equipe de tecnologia sabia que eu não sabia”, justifica. Ele também morou em Londres, onde aprendeu o segundo idioma e trabalhou com produção de documentários. “A disciplina que adquiri em Londres foi fundamental para a minha rotina na Globo”, revela.
Além de comunicador, Pedro Lins é também empreendedor no comércio, como vários membros de sua extensa família. Dá consultoria sobre letramento racial em empresas e incentiva a prática de exercícios em seu perfil no Instagram. “Atividade física é prática para estar bem com a gente mesmo, com a cabeça e com o corpo”, afirma o jornalista, que já pesou 125 kg e, em seguida, enfrentou a vigorexia, um transtorno de imagem que o levou a comportamentos compulsivos nos exercícios.
O planejamento é um pilar fundamental da sua carreira, característica moldada por um aprendizado doloroso e pela consciência do racismo. Lins enfrentou a perda repentina de seu pai, vítima de câncer no pâncreas, aos 14 anos. “Entendi que precisava planejar tudo na minha vida. E isso é muito agressivo para as pessoas pretas: elas precisam ser as melhores, porque não nos são dadas oportunidades para desenvolver as coisas. Não temos uma segunda chance”, afirma.
Quando questionado sobre qual habilidade considera mais importante para um jornalista hoje, ele não hesita em citar algo que é parte de sua essência: a curiosidade. “Quando sou curioso, trago elementos novos para perto de mim. E com elementos novos, tenho mais liberdade para criar.”
Na entrevista abaixo, Pedro Lins fala a Gama sobre carreira, aprendizados e desafios.
“Quando você é uma pessoa preta, você é cobrado três, quatro vezes mais. Eu não podia dar errado na vida”
-
G |Como o jornalismo entrou na sua vida?
Pedro Lins |Sempre quis ser jornalista desde criança. Achava a televisão algo incrível, mas meu pai não gostava e a gente não tinha em casa. Então assistia na casa do meu avô e dos meus vizinhos. Amava as novelas e os telejornais. Sabia que meus pais não iriam deixar eu trabalhar como ator, então pensei: “Qual é o outro caminho para trabalhar na televisão? Posso ser jornalista”. Na sétima série, decidi que queria apresentar o “NETV”, em Recife. No meio do caminho, meus professores me incentivaram a fazer medicina, porque eu era muito estudioso. Cheguei a prestar vestibular para medicina e jornalismo, mas optei pelo jornalismo.
-
G |Como foi o percurso até começar a trabalhar no jornalismo da Globo?
PL |Não passei na faculdade pública e o jornalismo era caro, então fui fazer letras, que era mais barato. Comecei a estagiar, e com o dinheiro do estágio eu pagava a faculdade. Depois, migrei para jornalismo, aproveitando algumas cadeiras que eu já tinha cursado. Estagiei em uma rádio de uma igreja em Recife e me ofereci para trabalhar na TV local, que ficava no mesmo prédio. Passei a trabalhar nas duas empresas. Ainda não havia lei do estágio e eu queria muito aprender. Surgiu então a oportunidade de cobrir férias por 15 dias na afiliada em Caruaru. Passei a trabalhar de manhã no Recife, à tarde em Caruaru e voltava para Recife à noite. Fazia isso todos os dias. O período acabou sendo estendido e, depois de um mês, fui contratado. Pedi demissão da rádio e trabalhei em Caruaru por quase um ano e meio. Em 2012, pedi demissão, vendi tudo o que tinha e fui morar em Londres para estudar inglês em um intercâmbio. Fiquei um tempo em Londres e voltei no fim de 2013. Quando voltei, a diretora do SBT no Recife me ofereceu uma vaga para cobrir férias. Aceitei e, quando as férias terminaram, me ofereceram um contrato. Mas, antes de assinar, recebi uma ligação da TV Globo. A telefonista me ligou e disse que uma diretora queria conversar comigo. Achei que era um trote e desliguei na cara dela. Mas era realmente a diretora da Globo, que me fez o convite para começar a trabalhar em janeiro de 2014.
-
G |Quais foram seus maiores desafios ao entrar na Globo?
PL |O maior desafio foi focar no profissionalismo e qualidade, pois a equipe da Globo sempre foi muito competente. Me perguntava como poderia estar ali e o que precisava fazer. Precisava me dedicar, estudar, me doar, ler, buscar informação e ter repertório. Em Londres, tive que me virar, aprender inglês e me comunicar, o que exigiu esforço e disciplina, fundamentais na Globo. No primeiro dia, sentei ao lado de Francisco José, uma lenda do jornalismo. Ele fez mais de cem programas do “Globo Repórter” e viajou pelos cinco continentes. Eu olhava para o lado e via Beatriz Castro, Mônica Silveira… Eram nomes superpesados. Pensava: “Como estou nesse time? Como vou me manter aqui?”. A disciplina adquirida em Londres, para aprender inglês e me virar em um país que eu não conhecia, foi essencial para meu trabalho.
-
G |O que te levou a se especializar em tecnologia, inovação e inteligência?
PL |Eu já apresentava o jornal do meio-dia. Com as mudanças tecnológicas, a Globo incluiu produtores de tecnologia em todos os projetos. Eu me perguntava por que sempre chamávamos eles e o que sabiam que eu não sabia. Sempre fui inquieto para estudar. Se todo mundo está falando de uma coisa que eu não sei, eu quero parar para aprender. Mas eu não quero um estudo superficial, quero um estudo que eu possa mergulhar. Com tecnologia foi assim: queria entender de programação, IA, jornalismo e inteligência de dados. Fiz pós em tecnologia e inovação, estudando dois anos à noite. Me apaixonei por programação, machine learning, data science e blockchain. Programar virou meu videogame. Em 2022, tirei licença da Globo para ampliar meus estudos em Londres.
-
G |Foi nesse período que você trabalhou com documentários por lá?
PL |Não. O período que eu trabalhei com documentários foi lá atrás, quando fiz o primeiro intercâmbio. Fui para um curso de seis meses e acabei ficando. Ia e voltava entre Brasil e Londres, onde minha irmã morava, facilitando minha estadia. No primeiro intercâmbio, procurava um quarto e vi um anúncio: “Procura-se jornalista brasileiro”. Eu podia estudar e trabalhar part-time. Vi a vaga e me candidatei, mesmo não sabendo falar inglês tão bem. Era para revisar textos em português para narração. Depois, fui incentivado a fazer um um teste de narração e fui contratado. Trabalhei na revisão e produção de documentários. Também trabalhei em outros projetos numa produtora de lá chamada Block Midia. Sempre digo que, às vezes, não estamos 100%, mas precisamos nos jogar nas coisas.
-
G |Você também atua como consultor racial. Você já sofreu racismo ao longo dessa trajetória?
PL |Quando você está na Globo, você tem um canhão de luz apontado para você e isso potencializa tudo na sua vida. Sempre fui atento às questões raciais e, na Globo Recife, convivia com pessoas pretas que discutiam isso. Passei por situações pontuais de racismo, como toda pessoa negra passa. O “Bom Dia Pernambuco” me deu uma grande abertura com líderes e gestores, e comecei a falar sobre o assunto com eles, sendo convidado para falar nas empresas. Depois de dois casos bem fortes de racismo que aconteceram comigo lá, que tiveram grande repercussão, esses gestores buscaram conversar e ouvir. A consultoria começou com: “queremos ouvir você, como podemos tratar isso?”. Faço isso até hoje.
-
G |Você tem um mentor?
PL |Tenho mentores profissionais e de letramento racial. O grande amigo Thiago Augusto, que trabalha na Globo Recife, me introduziu ao letramento racial. Ele me disse que, à medida que eu for crescendo na mídia, preciso estar bem embasado, porque vou enfrentar situações em que precisarei identificar e combater o racismo imediatamente. Kiara Ramos, procuradora e pesquisadora, me indicou livros e disse que eu não ia abrir a boca enquanto não terminasse de ler todos. Profissionais como Márcio Bonfim, Bianca Carvalho, Francisco José e Beatriz Castro foram referências importantes. Bianca me ensinou a não falar o que não sei no ao vivo, Francisco José me ensinou a ser corajoso e a perguntar. Essas referências me ajudaram a ser competente e a me importar com meu trabalho.
-
G |Nessa trajetória, você comentaria alguma falha que hoje você não cometeria, olhando para trás?
PL |No início, a gente quer que as coisas aconteçam muito rápido. Eu era impulsivo, queria fazer tudo o tempo todo e falava demais. Se o Pedro de hoje falasse com o de antes, diria: “Respira. Você não vai conseguir abraçar o mundo todo”. Eu estava fazendo três projetos e duas pós-graduações ao mesmo tempo. Era muita coisa. É importante fazer cada coisa no seu devido tempo. Eu sempre tive muito isso, de querer fazer tudo e fazer o tempo todo. Meu conselho é ter calma. Tem a ver com aquela pressa do jovem, do iniciante, que acha que é o superpoderoso. A gente se joga demais e, às vezes, a gente fala demais e, por isso, a gente erra.
-
G |Você acha que abriu mão de algo para chegar onde você chegou hoje?
PL |Não acho que abri mão. Entendi cedo a importância da notícia na vida das pessoas e escolhi usar minha profissão para ajudar. Nada me deixava mais feliz no fim do dia do que saber que terminei um jornal e, com ele, pudemos mudar a vida de alguém. Sempre me dediquei demais à minha profissão, talvez por ter começado em um projeto social, onde vi situações que queria mudar. Sempre me identifiquei com o jornalismo social, que denuncia e busca soluções. Segui o caminho de usar aquilo que eu sei fazer para ajudar as pessoas de alguma forma.
-
G |À frente do “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”, você passou a lidar com um novo formato de programa e um novo público. Como você vê os recomeços na vida profissional?
PL |Sempre vivi com a necessidade de acordar motivado para o que faço. Se um dia não estiver feliz, sei que é hora de mudar. Foi o que aconteceu quando decidi dar uma pausa no jornalismo e focar em tecnologia, buscando algo que fizesse meu olho brilhar. Já tinha aprendido muito no jornalismo, mas precisava de um novo desafio. Só que, dentro desse novo desafio, eu sempre busquei um planejamento. Quando você é uma pessoa preta, você é cobrado três, quatro vezes mais. Eu não podia dar errado na vida. Meu pai morreu quando eu tinha 14 anos. Eu não tinha quem pagasse uma faculdade ou uma escola boa. Então, eu não podia dar errado, eu não tinha uma segunda opção. Desde cedo entendi a importância de planejar. No jornalismo, planejei cada passo, e ao decidir mudar, fiz o mesmo. O recomeço é mais suave quando planejado. Quando surgiu a proposta do “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”, eu já estava me preparando para algo além do jornalismo. Queria algo que trabalhasse variedades, entretenimento e que se aproximasse das pessoas com uma outra pegada. Fiz cursos na área de entretenimento, atuação, cinema e posicionamento de câmera. É o que eu falo, inclusive, nas minhas palestras: a gente nunca deve comprometer 100% da nossa renda para não virar reféns de um emprego que a gente não gosta mais. Se a gente não está mais refém daquela renda, a gente pode ir se preparando para algo novo. Aproveitei o que tinha para me preparar, e quando a oportunidade surgiu, estava pronto para embarcar nessa nova história.
-
G |Você também é um entusiasta de atividades físicas. Como essa paixão te ajuda a ser um bom profissional?
PL |Tive vigorexia, um distúrbio de imagem. Quando apresentava o “Bom Dia PE”, comecei a engordar. Voltei de Londres no fim de 2013 muito gordinho, cheguei a 125 kg. Comecei a treinar e gostar daquilo. Mas aí comecei a exagerar. Treinava com um personal trainer, ele ia embora e eu continuava na academia. Eu treinava, treinava, treinava e olhava para o espelho e achava que eu estava gordo. Infelizmente, caí nas mãos de um médico picareta e passei a tomar quase 50 comprimidos por dia. Minha chefe na época reparou e passou a colocar entrevistas com psiquiatras e psicólogos no programa para que eu, sem perceber, ouvisse o que eles diziam. Quando consegui sair disso, entendi a importância de uma atividade física equilibrada, para estar bem com o corpo e a mente. Incentivo muito a atividade física para isso. Pode ser uma caminhada, uma dança, uma luta. Mas faça alguma coisa para se movimentar, porque vai fazer bem para a sua cabeça, para a sua relação familiar, para o seu momento de trabalho e para a sua vida amorosa.
-
G |Existe algum outro ponto da sua trajetória que você gostaria de destacar?
PL |Sou um entusiasta da vida. As pessoas falam de positividade tóxica, mas quero acordar e buscar o melhor para mim. Me considero um otimista. Sei o que é ver uma pessoa morrer dentro de casa. Meu pai morreu de câncer de pâncreas e foram dois anos vendo ele morrer dentro de casa. Após sua morte, tive duas opções: me entregar ao sofrimento ou fazer a vida valer a pena por ele. Meu pai sempre me chamava de sonhador. Hoje, acordo todo dia querendo ser melhor e compartilho uma mensagem no Instagram para incentivar as pessoas a não desistirem delas mesmas, apesar das dificuldades. Porque eu já vi uma pessoa implorando pela vida e morrer, que foi o meu pai.
VEJA TAMBÉM:
Eugênio Bucci: Sem verdade factual não há política, só fanatismo
Fugir das notícias é o melhor que você pode fazer
CV: Nina Santos