Medalha de chocolate — Gama Revista
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Divulgação

Medalha de chocolate

Em pouco mais de uma década, país saiu da lanterninha do mundo chocolateiro para figurar como importante produtor, acumulando premiações internacionais

Flávia G. Pinho 24 de Setembro de 2021

O Brasil mudou seu papel na cadeira do chocolate. Nacionalmente já vemos chocolates brasileiros com status de produto especial. Mas o movimento também se consolida fora do país: há cerca de três meses, o chocolate Bahia Terra da Felicidade, barra ao leite 55% cacau da marca baiana ChOr, foi eleito um dos três melhores do mundo pela Agence pour la Valorisation des Produits Agricoles (AVPA), em Paris. A cobiçada medalha de bronze, obtida em um país que é referência no setor, é o evento mais recente de um movimento que começou 11 anos atrás de maneira surpreendente. E o pódio pode se repetir para as marcas brasileiras em um mês, quando é realizado o Salon du Chocolat 2021, a mais importante competição internacional do mundo chocolateiro.

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Em 2010, o produtor de cacau João Tavares deixou Ilhéus, no sul da Bahia, para exibir suas amêndoas no Salon du Chocolat – e saiu de lá com um dos prêmios Cocoa of Excellence. No ano seguinte, voltou a competir e ganhou de novo, isso em uma época em que o cacau brasileiro tinha a pior fama possível.

A vassoura de bruxa trouxe a mudança

O grande divisor de águas da cacauicultura brasileira atende pelo nome científico Moniliophtera perniciosa. Trata-se de um fungo cor-de-rosa, mais conhecido como vassoura-de-bruxa, que infestou as lavouras dos poderosos coronéis do cacau a partir de 1989, provocou uma quebradeira generalizada das fazendas e fez a produção nacional cair de 400 mil toneladas anuais para apenas 90 mil. As gerações seguintes investiram na retomada, mas escolheram um caminho bem diverso dos seus pais e avós, que focavam na produção do cacau commodity – ou seja, muita quantidade com pouca qualidade.

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Foto: Ana Lee

Outro pioneiro do novo jeito de produzir cacau foi Diego Badaró, que assumiu as terras abandonadas pela família e, além de ressuscitar a lavoura, resolveu também fazer chocolate e criou, em 2010, a marca Amma – um de seus ancestrais foi o temido coronel Juca Badaró, personagem do romance “Terras do Sem­ Fim”, publicado por Jorge Amado em 1943. Ao valorizar a cultura em pequena escala, mas com alto padrão de qualidade, Badaró alcançou um padrão inédito no país, fez com que o universo da gastronomia prestasse atenção ao seu produto e estimulou o surgimento de toda uma nova geração de cacauicultores e chocolateiros. Mas o que aconteceu de lá para cá, nem as projeções mais otimistas podiam prever.

Vejo um buchicho em cima do chocolate brasileiro. Nos mais importantes eventos internacionais, as barras se esgotam já no primeiro dia

O Sebrae, em parceria com a Associação Bean to Bar Brasil, acaba de mapear o setor e encontrou 118 pequenos produtores artesanais de chocolate oficialmente estabelecidos no Brasil – o dobro do que havia dois anos atrás. Só que o time pode ser bem maior, acredita Juliana Aquino, presidente da associação e dona da marca Baianí. “Estimamos que existam pelo menos 350. Só na Bahia, em qualquer posto de gasolina que você para, tem uma marquinha nova à venda”, afirma. O levantamento também mostra que metade dos produtores mapeados surgiu nos últimos quatro anos, prova de que o movimento está apenas começando. E a visibilidade dessas pequenas marcas já ultrapassou nossas fronteiras. “Vejo um buchicho em cima do chocolate brasileiro. Nos mais importantes eventos internacionais, as barras se esgotam já no primeiro dia”, diz Zélia Frangioni, autora do blog Chocólatras Online e criadora do Prêmio Bean to Bar Brasil.

Seis anos atrás, quando a chocolateira norte-americana Arcelia Gallardo trocou a Califórnia por São Paulo, a reputação do Brasil era outra. Antes de trazer sua marca para cá, a Mission Chocolate, Arcelia conversou com grandes especialistas dos Estados Unidos e da Europa para saber se já havia cacau e chocolate de qualidade por aqui. “Todos responderam que era tudo muito ruim. Mas, quando cheguei, fiquei chocada com a força do mercado e me empenhei em mostrar a todos o que já se fazia. Hoje, o mundo já reconhece que temos bom chocolate e toda loja, lá fora, quer ter uma prateleira com produtos de origem do Brasil”, conta Arcelia, que se orgulha de ter uma das marcas mais premiadas do país.

Só que também falta conhecimento aqui dentro. Criador do Chocolat Festival, maior evento brasileiro do setor – a edição 2020, realizada na Bienal, em São Paulo, foi suspensa no último dia em função da pandemia –, Marco Lessa lembra que boa parte do público visitava os estantes em busca de informações básicas. “Muita gente ali experimentou bons chocolates artesanais pela primeira vez e, tenho certeza, 90% passaram a consumir produtos melhores depois disso.”

Foto: Anna Lee

Bean to… quê?

O rol de dúvidas começa na própria expressão em inglês bean to bar, que significa “da amêndoa à barra” em tradução livre – há ainda uma derivação mais recente, tree to bar, que quer dizer “da árvore à barra”. Quem as diferencia é Juliana Aquino: “O produtor do chocolate bean to bar compra as amêndoas diretamente de quem produz cacau especial, enquanto o produtor de tree do bar controla a cadeia de ponta a ponta, pois é ele que cultiva os frutos.” É o caso de sua marca, a Baianí, lançada em 2018. Juliana assumiu a fazenda da família em Una, município do sul da Bahia, aprimorou o cultivo e beneficiamento do cacau e lançou sua marca de chocolate. A produção, que começou na cozinha de casa, em São Paulo, ganhou sede própria e já chega a 120 quilos mensais.

Muita gente também se confunde em função da fama do chocolate belga, propagandeado como um dos melhores do mundo. De fato, a fama da marca Callebaut, a mais conhecida entre as belgas, é merecida. Mas trata-se de chocolate usado como matéria-prima para confeitaria – ninguém encontra barras de Callebaut para comprar. E pouca gente sabe que a marca também usa amêndoas brasileiras, entre as de várias origens. Afinal, não se planta cacau na Bélgica. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que une as três faces do setor: produz cacau, fabrica chocolate e tem mercado consumidor”, diz Zélia Frangioni.

Expansão territorial

E não estamos falando de um único estado produtor. O cacau da região amazônica, especialmente do Pará, disputa a liderança com as lavouras baianas – e outros territórios já despontam país afora. “A ampliação significativa das zonas produtoras é um fenômeno importante. O cacau já não é só do Pará ou da Bahia. É do Mato Grosso, do Ceará, do Espírito Santo, de Minas Gerais… Virou um produto nacional”, atesta Marco Lessa.

Em geral, os chocolates de origem amazônica são mais florais, enquanto os baianos são mais frutados e amadeirados. Mas há exceções

A origem das amêndoas ajuda, inclusive, na formação da identidade de cada marca. A Dengo, com 25 lojas no país, trabalha exclusivamente com fornecedores do sul da Bahia, 160 famílias ao todo. Já a chocolateira Luisa Abram prefere as amêndoas de cacau selvagem da Floresta Amazônica, coletado por comunidades ribeirinhas. Para a degustadora Zélia Frangioni, o terroir é um fator determinante no resultado final, mas não o único. “Em geral, os chocolates de origem amazônica são mais florais, enquanto os baianos são mais frutados e amadeirados. Mas já provei exceções.”

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Chocolate da Dengo

Divulgação/Dengo

Independente da origem das amêndoas, a filosofia bean to bar tem ligação estreita com a sustentabilidade e ajuda na conquista de um público exigente e bem informado, que valoriza a qualidade do produto, mas também quer saber como ele foi fabricado – nos últimos anos, grandes marcas com atuação global sofreram denúncias relacionadas à exploração de mão de obra infantil nas lavouras.

Não por acaso, os pequenos produtores de chocolate artesanal fazem questão de mostrar quem são seus fornecedores e, com isso, ganham mais pontos na concorrência internacional. “Vários países já compram cacau e chocolate do Brasil, dos Estados Unidos ao Japão, passando pela Itália e pela França”, afirma Marco Lessa. E ele vai além: “Até 2025, acredito que chegaremos ao Oriente Médio, onde chocolates são artigos de luxo. Vamos concorrer com grifes do porte da francesa Valrhona e a belga Godiva.” É esperar para ver.

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