Nova geração de cafeicultores brasileiros foca em cafés especiais — Gama Revista
Acervos Pessoais / Thiago Quadros

O novo café brasileiro, com frescor e prêmios

Filhos e netos de grandes e pequenos cafeicultores investem em cafés especiais, ganham prêmios e criam marcas próprias para se aproximar de quem compra

Betina Neves 06 de Agosto de 2021

“A cafeicultura estava debaixo do meu nariz e eu nem imaginava que poderia me apaixonar por isso como profissão”, diz Camila Vivacqua, 25, cujo bisavô já plantava café na região das Montanhas Capixabas. Ela faz parte de uma geração de jovens que têm se voltado para a produção de café da família com novos olhares, focando principalmente em cafés especiais.

“Café especial” é uma definição técnica: a bebida precisa atender a uma série de critérios em relação a doçura, acidez, corpo e aroma para pode ser enquadrada assim. Ele é produzido com um processo refinado – e trabalhoso – que exige que apenas os grãos maduros sejam colhidos (nos cafés comerciais, grãos verdes, secos e quebrados, por exemplo, são misturados). O ramo tem crescido cada vez mais no Brasil e no mundo, incentivado por uma sofisticação no paladar de uma parcela dos consumidores.

“A gente brinca que é uma ‘vinificação’ do café, porque, assim como aconteceu no mundo dos vinhos, as pessoas estão procurando produtos de maior qualidade e se mostrado cada vez mais abertas a provar coisas novas”, conta Gabriel Nunes, 31, cafeicultor premiado do Cerrado Mineiro. Nesse cenário, o produtor ganha mais reconhecimento e visibilidade e ainda consegue vender o café por um preço mais alto do que no mercado tradicional.

A atual geração também vem investindo em marcas próprias para vender direto ao consumidor final – o que não era de praxe no meio –, caprichando na comunicação visual e na presença nas redes sociais. Alguns fazem parcerias com e-commerces e cafeterias descoladas.

O Sebrae, que vem incentivando esse mercado no país, divulgou pesquisa recente que mostra que o movimento ainda é novo: 52% dos profissionais da cadeia produtiva do café especial no Brasil estão há no máximo cinco anos nesse ramo.

Abaixo, alguns dos novos nomes do café especial brasileiro falaram a Gama.

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    Coisa de mãe e filha

    Camila Vivacqua criou marca de café especial para vender parte da produção da mãe nas Montanhas Capixabas

    Representante do crescente envolvimento de mulheres com o ramo dos cafés especiais, Camila Vivacqua, 25, é dona da marca Chiara Caffe. A empreitada começou em 2019, quando a capixaba, recém-formada em engenharia civil e insatisfeita com a profissão, resolveu vender um pouco do café feito pela mãe em Brejetuba (ES), na região cafeeira das Montanhas Capixabas, para ganhar um trocado. Andrea Vivacqua, 56, com formação em zootecnia, assumiu a fazenda de café Marapé, fundada pelo avô, quando o pai faleceu, no começo dos anos 2000, e até então só vendia os grãos verdes (antes de serem torrados e moídos) por meio de cooperativas. Com o retorno positivo dos que provavam o café, Camila resolveu consolidar a Chiara. “A gente vendia café para os outros terem a marca deles, mas não tínhamos a nossa”, conta ela. Camila conseguiu introduzir a marca em supermercados e padarias de Vitória (ES) e outras cidades da região, além de cafeterias especiais – também é possível comprar online neste site. “Minha pretensão é deixar o café especial mais acessível, mostrando que é sim um café que dá para tomar no dia a dia.” Hoje, ela vive entre a capital do estado e a fazenda, onde estão implantando uma torrefação própria e uma área com cafeteria para receber turistas. O café de mãe e filha é elogiado por baristas e produtores da região, como Vagner Benezath, dono cafeteria Kaffa: “elas fazem um trabalho muito cuidadoso”, diz ele.

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    Pequeno e premiado

    Em Piatã (BA), o casal Tainã Bittencourt e Renato Rodrigues assumiu uma produção familiar e conquistou reconhecimento internacional

    Quando sogro foi acometido por um problema de saúde que o impossibilitou de cuidar da pequena produção de café, Tainã Bittencourt, 33, e o marido, Renato Rodrigues, 27, decidiram mudar de planos. Era 2013 e eles moravam em Vitória da Conquista (BA), onde ela trabalhava em uma empresa de consultoria e ele se preparava para prestar vestibular para engenharia civil. Se mudaram então para a chácara em Piatã (BA), cidade onde tinham crescido, e, inspirados por vizinhos já embrenhados no meio, começaram a investir em mudanças no local para entrar no ramo dos cafés especiais. Construíram, por exemplo, um terreiro coberto para fazer a secagem do café (“antes ele ficava pegando chuva”). Não demorou para o trabalho ser reconhecido: em 2014, ficaram em quinto lugar no Cup of Excelente, o prêmio mais importante do Brasil. “Começamos com o pé direito. Eu não tinha nada a ver com café e acabei me apaixonando”, diz Bittencourt. A Chácara Vista Alegre, de apenas quatro hectares e meio, tornou-se referência na região, que tem ganhado notoriedade pelos cafés de alta qualidade dentro e fora do Brasil. O casal, que hoje tem dois filhos “que já chupam café no pé”, segue colhendo prêmios, e também dirige a cooperativa da cidade. “Todo mundo é pequeno aqui, então a gente tem que se ajudar. Este ano, conseguimos fazer nossa primeira venda para os Estados Unidos”, conta ela. No Brasil, fornecem para cafeterias e microtorrefações – dá para comprar online em sites como o Café du Poin ou direto com eles.

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    Parceria de bons frutos

    Os colegas de faculdade Caio Villar e Luriê Peixoto criaram café especial com roupagem moderninha na região de Alta Mogiana

    A ideia de começar uma marca de café já estava na cabeça de Caio Villar, 28, quando ele topou com o colega de faculdade Luriê Peixoto, 30, em uma livraria em Franca (SP) no começo de 2017. No encontro, ele acabou ganhando um fornecedor e um sócio: Peixoto é parte da terceira geração da Fazenda Jotacê, produtora da cidade vizinha de Ibiraci (MG), na região cafeeira denominada Alta Mogiana. A partir daí, iniciaram um estudo profundo para entrar no nicho dos cafés especiais, da produção à comercialização. “Descobrimos que o café feito na fazenda já era especial, só precisávamos aprender a refiná-lo e trabalhá-lo nesse mercado”, conta Villar. Para isso, passaram a terceirizar a torrefação para André Águila, mestre da torra, produtor e barista premiado no mundo do café, também de Ibiraci. Em sete meses, fizeram a primeira venda do Café Kawá e, em 2018, ganharam um prêmio local de melhor microlote da região. No começo, Villar viajava pelo país batendo de porta em porta de cafeterias apresentando o Kawá. Com a pandemia, precisaram repensar o modelo de vendas e criaram um e-commerce, que, além do café, vende equipamentos como moedor e prensa francesa. “Minha ideia sempre foi me diferenciar pela comunicação visual, desde as embalagens ao design no site, e com o marketing digital. Hoje somos a marca de Alta Mogiana que está mais espalhada pelo Brasil”, diz, citando a presença em Goiânia (GO), Belém (PA), Porto Alegre (RS) e São Luís (MA).

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    Café de grife

    O mineiro Gabriel Nunes sucedeu o pai na fazenda e virou referência no meio dos cafés especiais

    Gabriel Nunes ficou conhecido do meio cafeeiro em 2017, quando seu café foi campeão do concurso Cup of Excellence e bateu o recorde mundial de valor pago por um lote em leilão. O mineiro de 31 anos se formou em agronomia em 2013 e voltou para a Fazenda Bom Jardim, em Patrocínio (MG), onde o pai já produzia café desde os anos 1980. Ali, começou um trabalho intenso para migrar parte da produção tradicional para a de cafés especiais. “Esse mercado já estava crescendo e meu pai foi muito receptivo e cabeça aberta para aceitar as mudanças”, conta ele. Nesse processo, fez parte analisar a fazenda para identificar os tipos de terroir (termo que designa o conjunto de informações do local de plantio, entre clima, solo, relevo, temperatura e umidade) e provar os lotes um a um antes da colheita para tentar prever o resultado. O empenho foi recompensado e ajudou a trazer visibilidade para a região do Cerrado Mineiro – foi a primeira vez que uma fazenda de lá venceu o Cup of Excellence. “Percebemos que aqui tem muito potencial para cafés finos, além de algumas vantagens na produção, como o fato de não chover muito na época da colheita”, diz. A rotina na fazenda, cuja área mais que dobrou desde que Gabriel assumiu, é intensa, e por vezes envolve a prova e separação de mais cem amostras por dia, além de sediar cursos e receber visitantes. Cerca de 70% da produção é exportada, mas eles têm focado cada vez mais no mercado brasileiro: em 2020, fizeram parceria com a marca mineira Coffee mais, que vende pelo site e em mercados pelo país.

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    Floresta de café

    Willians Valério, de Alto Caparaó (MG), adotou o sistema agroflorestal para produzir café especial

    Willians Valério, 35, “tentou a vida” por dez anos trabalhando com vendas em Juiz de Fora (MG) antes de voltar para a cidade natal, Alto Caparaó (MG), no fim de 2014. O pai tinha deixado plantar café no pequeno sítio a 1 500 metros de altitude há algum tempo, mas, de olho no cenário emergente de cafés especiais, Valério começou a tentar recuperar algumas plantas. Ao mesmo tempo, ouviu falar do conceito de agricultura sintrópica, criado pelo suíço Ernst Götsch, que se inspira na dinâmica natural dos ecossistemas virgens e usa práticas de manejo sustentáveis que dispensam o uso de aditivos químicos. Aos poucos, investiu em cursos sobre o assunto e passou a plantar uma série de espécies junto ao cafezal – hoje, há mais de cem diferentes, como abacate, feijão, milho, morango, ameixa, banana e batata. “O café é uma planta de sombra e de floresta. Nesse ambiente, ele tem abundância de nutrientes e um solo riquíssimo, muito diferente da monocultura”, explica. E a prática deu resultado na bebida: em 2019, o Café Recanto dos Tucanos ganhou o prêmio Coffee of the Year Brasil. No sítio, com quatro hectares plantados, passou a dar cursos, prestar consultoria e receber visitantes e voluntários. A mãe de Valério toca ali uma cafeteria, e o pai faz doces com frutas como os pêssegos que vêm da agrofloresta. No começo deste ano, a região de Caparaó ganhou o selo Indicação Geográfica, uma certificação de origem como a que existe no mundo dos vinhos. “É um reconhecimento importante. Nosso café tem qualidade e um sabor muito característico, com notas de rapadura e melaço de cana.” Valério vende para cafeterias em várias partes do país e através do site.

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