CV: Daniel Kondo
Um dos principais ilustradores do Brasil, artista gráfico faz série de livros com grandes músicos e fala sobre autoria compartilhada
Gilberto Gil, Djavan, Lulu Santos, Fernanda Takai… esses são só alguns dos nomes com os quais o ilustrador, designer e artista gráfico Daniel Kondo trabalhou ao longo dos últimos anos. Kondo é o idealizador da coleção “Letrailustre”, que traz letras de canções emblemáticas da música nacional interpretadas por grandes artistas visuais. Conhecido pela diversidade do seu trabalho, o artista é um dos nomes mais respeitados do mercado editorial brasileiro quando o assunto é ilustração.
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O tamanho da sua produção artística e gráfica impressiona. Além de sua produção com grandes figuras da música brasileira, é também referência no campo da literatura infantil, tendo vencido o Jabuti de Melhor Livro Infantil em 2022 e o The Braw Amazing Bookshelf, na categoria Opera Prima, da Feira Internacional do Livro Infantil de Bolonha 2023.
Divulgação: WMF
Kondo também é figura relevante no jornalismo nacional, trabalhou em inúmeros títulos do Grupo Abril ao longo da década de 1990 e dos anos 2000 e atuou como diretor de arte do “Le Monde Diplomatique Brasil” por 13 anos, sendo o responsável pela criação de toda a identidade visual da versão brasileira da publicação, em 2007.
Apaixonado por desenho desde pequeno, foi no mundo da publicidade que ele encontrou sua primeira grande oportunidade de trabalho. Após um período de estágio na Gazeta do Povo, em Curitiba, Kondo se arriscou em São Paulo e, só com um portifólio na mão, conseguiu um emprego na DPZ, uma das maiores agência de publicidade do país.
Por lá, atuou como diretor de arte até decidir sair do mundo publicitário e se voltar ao mercado editorial. Em seu primeiro trabalho na Companhia das Letras, foi indicado ao Jabuti pelo livro “Que História É Essa? 2” (Companhia das Letrinhas, 2000), de Flavio de Souza. Conciliando trabalhos jornalísticos com sua atuação na ilustração e autoria de livros, Kondo se estabeleceu como um dos principais ilustradores do país. Em conversa com a Gama, ele relembra sua trajetória profissional e reflete como cada área diferente em que atuou o tornou um profissional melhor.
Quando você recebe um Jabuti, o prêmio coroa o trabalho do autor e parece que ele faz tudo sozinho, mas é um trabalho coletivo
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G |Quais lições você tirou do período no mundo da publicidade?
Daniel Kondo |A publicidade te treina para ter um olhar rápido. Na publicidade, o timing das coisas é o mais importante. Se acontece alguma coisa no mundo, a publicidade vai lá, se apropria disso e faz uma releitura para um cliente. A publicidade me despertou essa habilidade de estar atento o tempo todo para o que está acontecendo no mundo e a capacidade de usar essa percepção para o material literário, por exemplo. Quando aconteceu aquele episódio do vazamento de óleo no litoral nordestino, tive a ideia de fazer um livro sobre uma mancha de óleo que fosse avançando e criando destruição pelo caminho. No final, essa mancha acabaria incorporando o próprio leitor. A leitura rápida desse fenômeno me ajudou a criar essa obra literária. Convidei o poeta Guilherme Gontijo Flores para criar um poema em cima do meu desenho e o livro não só foi publicado, como ganhou um selo de distinção da Cátedra Unesco por falar sobre preservação de oceanos e mananciais. A publicidade me deu essa rapidez de olhar para as coisas e entender que um fenômeno que ocorre no nosso dia a dia pode se transformar em literatura. Essa agilidade do pensamento. Eu olho para a mancha de óleo e não vou fazer um anúncio para um produto que limpa manchas, mas eu posso escrever um livro.
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G |Há outra lição que vale ser mencionada?
DK |A publicidade também me ajudou a pensar em como despertar interesse com a capa de um livro. Eu fazia layout de anúncios, ou seja, eu sabia que tinha um segundo para capturar a atenção de um leitor. Nas capas que eu faço, imprimo essa habilidade. Nesse sentido, o jornalismo também me ajudou bastante. Durante 13 anos, fui diretor de arte do “Le Monde Diplomatique Brasil”. Eu trabalhei lá desde a concepção da edição zero até alguns anos atrás. A revista é toda ilustrada, uma fórmula que criei e que segue até hoje. Quando você trabalha em um veículo, você tem que vender capas, você compete com outras revistas, então a capa tem que ser muito acertada. Não só isso, mas ela também tem que dialogar com os eventos que estão acontecendo no mundo. O meu treinamento como publicitário me permitiu ter essa agilidade, não somente para pensar uma capa ou um anúncio, mas para pensar um projeto. Gosto de projetos que dialoguem com o mundo contemporâneo.
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G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?
DK |O desafio é fazer um trabalho inovador e bacana, propor um livro que não seja uma ego trip babaca, que é uma das coisas que eu mais vejo no mercado. Eu faço uma seleção bem minuciosa dos projetos que eu estou trabalhando para que eles façam sentido, seja para o público, seja para minha carreira ou para mim mesmo. Não faço qualquer livro. Quando assumo um projeto, estou juntando meus 50 anos de vida e experiências e colocando em um novo projeto. É comum que eu fique com ideias sendo elaboradas e pensadas durante anos. E aí, quando chega um projeto em que esse conceito se encaixa, é quando dá certo. São esses projetos que costumam ir bem no mercado, com os leitores e com a crítica. Durante muitos anos, pesquisei e estudei uma certa matizes de cores. Eventualmente, um projeto com o Lulu Santos apareceu, um projeto colorido e festivo. Os estudos que fiz dialogavam perfeitamente com o universo do Lulu, então fez todo sentido. Os trabalhos seguem caminhos que nós não traçamos. O desafio é fazer um trabalho que não seja autorreferente, que não seja uma repetição, é um desafio contra a mediocridade. Eu sempre quero me superar em uma proposta estética.
Divulgação: SESI-SP editora
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G |Quais os seus maiores aprendizados nesses anos no mercado editorial?
Daniel Kondo |Quando você divide a autoria, você multiplica. Trabalho em um mercado colaborativo, onde o editor faz mudanças, o preparador de texto te ajuda, as leituras múltiplas da equipe contribuem, o publisher te dá um recorte comercial. São vários olhares para que um livro aconteça. Quando você é capaz de ser sensível e receptivo a opinião dos outros, ainda que seja para contestar, você é capaz de refletir e melhorar o trabalho. Foi um aprendizado que demorou um pouco para eu entender, mas quando aconteceu, eu percebi que todo mundo estava no mesmo barco lutando pelo melhor livro. O senso de coletivo é o maior desafio para o sucesso. Quando você recebe um Jabuti, há um trabalho inteiro de uma equipe editorial, comercial, de divulgação por trás. O prêmio coroa o trabalho do autor e parece que ele faz tudo sozinho, mas é um trabalho coletivo.
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G |Falando em trabalho coletivo, o trabalho de ilustração por vezes não é visto como um trabalho autoral e sim como algo complementar. Isso te incomoda?
DK |O mercado editorial entende que um livro ilustrado é um trabalho individual do escritor, mesmo que ele seja inteiramente ilustrado. O “ilustrado” não é coadjuvante, ainda mais na literatura infantil. Há toda uma narrativa visual que deve ser considerada. Quando o Gilberto Gil viu os dois livros que trabalhamos juntos prontos, ele entendeu que havia toda uma obra feita por mim. Claro, as músicas e as letras são deles, mas eu realizei toda uma releitura visual das canções. Ele entendeu que nós dois éramos parceiros, os obreiros daquele livro.
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G |A paixão e a motivação andam juntas?
DK |Há paixão e há amor. A paixão pode terminar, mas eu busco construi-la como um grande amor, quase uma espiritualização do meu processo artístico. É uma convicção de que estou no caminho certo, isso me motiva diariamente. Eu acordo e penso “que legal, vou produzir um livro com essa temática, fazendo parceria com essa pessoa e que vai inspirar tais pessoas”. Isso é satisfatório. Fiz um projeto com o Djavan, “Açaí e Seca”, e tive a oportunidade de conversar com ele sobre a composição e os significados das canções. A imprensa espinafrou as músicas quando elas saíram, chamaram de nonsense. Mas, com o nosso trabalho, nós conseguimos facilitar a compreensão do significado real das músicas que o Djavan compôs. É a ressignificação de uma história tão bacana. Quando fiz o projeto com o Gil, ele me falou dos processos de fé dele, de como ele passou pelo candomblé, pelo budismo, pelo cristianismo. Entrar em contato com o repertório de pessoas tão brilhantes é motivador, é o que eu quero para a minha vida. Acordo feliz quando o trabalho que me espera é um trabalho que também me inspira.
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G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido?
DK |Saiba que você não vai fazer tudo sozinho. Então, entenda que dividir é multiplicar. Aprender com os outros; é uma grande oportunidade para alavancar sua carreira, então aproveite. Entenda que você não tem todo o repertório do mundo e que, por melhor que seja, vai ter que aprender com outras pessoas em algum momento. Ter referências e conhecer a história do seu ofício é essencial. Hoje, o que mais vejo é gente com um trabalho autorreferente, que acha que o mundo começou ali, com elas. Incapazes de olhar para trás e ver a quantidade de gente que abriu esse caminho, que pensou e refletiu tanto sobre o trabalho já feito. Os grandes mestres da arte, para quem está dentro dessa área da ilustração e do design, merecem ser reverenciados, pois eles já pensaram tudo o que você pensou. Tudo o que você imaginou, já foi pensado de um jeito muito mais elaborado por alguém do passado. É importante olhar para frente na sua carreira, mas também saber quem te inspirou para você chegar onde você está.