CV: Renan Costa Lima
O premiado designer, à frente do Estúdio Tropical e da Risotropical, defende o potencial comunicador das imagens
Desde a infância no Ceará, Renan Costa Lima, 45, parecia destinado a trabalhar com imagens. Não só sua família possuía uma gráfica como o avô também tinha sido pintor e publicitário na década de 1950. E, para além do legado familiar, o garoto já demonstrava uma aptidão natural para a coisa. “A visão é um sentido que funciona muito para mim, de olhar para as coisas, prestar atenção, ter uma memória visual boa”, conta a Gama.
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Hoje, o designer gráfico, ou melhor, comunicador visual, parece ter seguido à risca esse caminho. Como designer e diretor do Estúdio Tropical, onde produz arte para cartazes, pôsteres, capas de álbum e videoclipes, ele venceu múltiplas vezes prêmios como o prestigiado Latin American Design Awards e o Prêmio Brasileiro de Design. Apesar de um breve flerte inicial com a arquitetura, profissão do irmão e de alguns amigos, Lima acabou viajando até o Canadá para iniciar os estudos em design, na Universidade Emily Carr. No entanto, devido aos custos de estudar fora, completou a faculdade por aqui mesmo, no Senac de São Paulo, que tinha recém-lançado um curso na área.
Em meio ao trabalho com imagens e artes visuais, Lima também acabou se envolvendo com a banda de rock cearense Cidadão Instigado, para quem produziu capas de álbuns e dirigiu clipes ao longo dos anos. Essa conexão e a amizade com o músico e compositor Fernando Catatau, que foi morar em São Paulo na mesma época, abriram as portas do artista para o mundo da música e da arte em geral. Desde então, ele já trabalhou com nomes como Céu, Marcelo Camelo, Thiago Pethit e Marjorie Estiano. Além disso, no cinema, ajudou a produzir a identidade visual de filmes como “Quando Eu Era Vivo”, “Tatuagem” e o ainda não lançado “Uma Família Feliz”.
Casado com a dançarina e coreógrafa Clarice Lima, o designer intensificou ainda mais essa ligação com a arte ao criar em 2016 a editora e oficina de impressão Risotropical, onde realiza projetos próprios e imprime também arte alheia. Ao lado da parceira, inaugurou em 2018 o PUBLICA, no centro de São Paulo, um espaço independente e aberto ao público para promover eventos e atividades dedicados à arte e à cultura.
“Com o tempo, eu fui percebendo que podia atuar de outra forma”, afirma o designer, que confessa ter levado tempo para se encontrar num universo além da parte mais técnica da profissão. “Eu podia apostar mais no meu ímpeto de criar novas frentes, como ter uma gráfica, uma produtora de vídeo, um espaço cultural. Aí fui me percebendo como uma pessoa que gosta de realizar coisas.”
Na conversa a seguir, o comunicador visual fala a Gama sobre as dores e delícias da criação artística, assim como a importância das referências profissionais e de trabalhar com aquilo que se ama.
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G |O que te moveu a trilhar esse caminho?
Renan Costa Lima |Eu sempre gostei de criar imagens. A visão é um sentido que funciona muito para mim, de olhar para as coisas, prestar atenção e ter uma memória visual boa. Isso dentro da área também cria repertório, uma das coisas fundamentais para esse tipo de atuação. Quando chega um problema, você consegue materializar o que está pensando no papel. Eu também tinha um avô que, nos anos 50, era radialista, pintor, escritor e publicitário. Ter essa referência na família ajudou a construir um gosto pessoal por isso. E sempre tive uma predileção por capas de disco. Sempre fui atento a isso, então a coisa foi construindo. Do olhar, fui para o fazer. Acho legal transformar uma ideia num pôster, um cartaz. É uma coisa que me dá satisfação, eu me envolvo com isso.
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G |Você diria que tem uma missão na sua profissão? Qual?
RCL |A forma mais clássica de chamar a profissão no Brasil é comunicação visual. Uma missão é atuar na profissão e resolver problemas de comunicação que aparecem para você, seja de uma empresa, um artista, uma banda… Ou seja, sua criatividade está a serviço disso. Mas também acho interessante impactar a vida das pessoas quando você está se comunicando, a forma como essa informação chega a elas. Você cria um contexto para que a pessoa perceba aquela informação de uma determinada forma. Não sou do texto, mas pego textos de outros para transformar numa imagem, transmitindo a informação através de um filtro que coloquei. Nos últimos oito anos, além de ter o Estúdio Tropical, eu adquiri uma oficina de impressão. A partir dela, que atende outras pessoas — então sou também impressor numa técnica chamada risografia —, lancei a oficina Risotropical. A impressora virou uma marca de pôsteres e cartazes. Acho muito legal ter uma marca de produtos que desenvolvo e imprimo, um processo de trabalho em que estou como autor, não resolvendo os problemas de outras pessoas. Sou eu que crio e resolvo os problemas, muitas vezes desenhando com palavras. O trabalho pessoal alimenta o trabalho do mercado, no desenvolvimento de linguagens ou em como trato algumas questões.
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G |Quais os principais desafios para quem atua com comunicação visual no Brasil? Como você lida com eles?
RCL |Sempre precisamos expandir os clientes em potencial mostrando a diferença que faz quando um especialista na área cuida disso. Toda empresa, todo ator do mercado precisa se comunicar. Obviamente, tem pessoas com negócios grandes e pequenos. Mas a atuação do comunicador visual e do designer é essencial para trazer respeito. Quando a pessoa está desenvolvendo o negócio, a comunicação visual serve para mostrar o cuidado, o envolvimento, que aquilo é uma coisa séria. Acho isso fundamental. Tem que ser visto como necessidade por qualquer negócio ou instituição organizar aquilo que a identidade quer comunicar. Entender que não é só o desenho de uma marca, um cartão de visita, mas uma questão de comunicação.
A comunicação visual de um negócio serve para mostrar o cuidado, o envolvimento, que aquilo é uma coisa séria
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G |Ao longo dessa trajetória, você lembra de algum erro ou acha que falhou em algum momento? O que faria de diferente hoje?
RCL |Errar a gente sempre erra, né? Mas isso ajuda no processo. Um projeto interessante é justamente o processo de ir encontrando coisas. Tem projetos que fiz que depois fiquei pensando que poderia ter feito de um jeito diferente. Mas são coisas muito pontuais. No meu trabalho, me entendi por muitos anos como prestador de serviço. Com o tempo, fui percebendo que podia atuar de outra forma. As ferramentas de design são para uma coisa específica, mas eu podia apostar mais no meu ímpeto de criar novas frentes, como ter uma gráfica, uma produtora de vídeo, um espaço cultural. Aí fui me percebendo como uma pessoa que gosta de realizar coisas. Além de ser especializado nas ferramentas, também quero desenvolver novos negócios. Demorei muito para liberar essa chave, apostar mais em braços novos de atuação, novas frentes de renda, novos negócios dentro da área onde já atuo.
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G |O que você diria para alguém que está começando na área e pensa em trilhar um caminho parecido?
RCL |Trilhei uma carreira em que nunca trabalhei para alguém que fosse uma grande referência minha. Isso impacta o jeito como cheguei aqui, porque é legal ter uma referência. Apesar de sempre ter tido muita gente do lado trocando ideias, nunca fui assistente de uma pessoa que admirava. E sempre tirei da minha cabeça meus projetos. Não sou contra isso, até gostaria. É legal estar perto de uma pessoa, ver como é o dia a dia da profissão e assistir alguém com experiência resolvendo as coisas. Isso desmistifica alguns processos e engrandece também. Quanto mais você se qualifica e se informa com o olhar, mais isso te ajuda a dar respostas relevantes e eficientes. E não com a eficiência da máquina, mas de percepção, de elevar o projeto a um lugar que seja sedutor, divertido e que comunique.
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G |Você trabalhou a vida inteira com temas que te interessavam. Olhando para sua carreira até aqui, foi importante a paixão e a motivação andarem juntas?
RCL |Para mim, é fundamental, uma sorte poder trabalhar com essas coisas. Espero continuar recebendo convites para projetos de cultura. É um combustível trabalhar com coisas que você admira, traz um componente a mais. Gosto de fazer desse jeito, com envolvimento pessoal, conseguindo me relacionar e colaborar com obras que gosto e reverberam nas vidas das pessoas. É interessante estar dentro do motor criativo de uma sociedade. Mas, às vezes, você faz um trabalho para um banco ou uma instituição que não é da cultura, e ele também necessita de respostas criativas. Então o que me dá mais gosto de fazer é o trabalho em que posso botar o meu — vou usar uma palavra em inglês aqui — input criativo e ser relevante. Mesmo sem trabalhar para a cultura e as artes propriamente, você pode fazer um projeto em que o cliente tem a expectativa de algo muito criativo e impactante. É muito legal da mesma forma.
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