Observatório da Branquitude
Não adianta gritar, não adianta ameaçar
Esse é o único recado que podemos deixar aos que se incomodaram com nosso trabalho de ter a branquitude como objeto de escrutínio
Aconteceu! E é ótimo saber que o tema tira o sono da branquitude. Nossa última coluna na Gama rendeu as piores reações que já tivemos em um ano de Observatório da Branquitude. É no mínimo curioso como a branquitude se enfureceu com o começo da nossa conversa sobre justiça climática. Recebemos uma horda de ataques e ameaças no Twitter, a rede que não tem feito questão de mediar esse tipo de coisa.
Não foi a primeira vez que colocamos o dedo na ferida da supremacia: investigamos, por exemplo, que a branquitude, na figura de militares, agronegócio e elite empresarial, ao lado de seu representante eleito no executivo federal, tentou por quase todas as vias a derrubada da nossa jovem democracia. Ou quando denunciamos a mesma branquitude por criar dezenas de projetos de lei para tentar de todas as formas acabar ou diminuir a eficácia da única política de reparação que esse país já experimentou, a Lei de Cotas.
A branquitude se enfureceu com nossa conversa sobre justiça climática. Recebemos uma horda de ataques e ameaças no Twitter
E mais, o Observatório nasce expondo justamente a sobrerrepresentação dos espaços de maior prestígio da sociedade brasileira, em um estudo que revela que, das 302 instituições de ensino superior, 294 têm reitores brancos. Mas nem isso destravou a tresloucada fúria de supremacistas na internet.
Além disso, debatemos o dado que mostra que 1% dos homens brancos mais ricos do país têm mais renda que absolutamente todas as mulheres negras do Brasil, e isso também não parece ter incomodado tanta gente.
Não ficamos satisfeitos com todo esse desdém e fizemos um filme! “Nenhum Saber para Trás: O perigo das epistemologias únicas” foi realizado em parceria com a agência de jornalismo Alma Preta e financiado pelo Instituto Serrapilheira. Levamos Cida Bento e Daniel Munduruku para o salão nobre da Universidade de São Paulo, berço da suposta elite intelectual brasileira, e nos juntamos ao coro pela retirada do nome de um famoso eugenista de uma das salas da universidade. O nome do eugenista caiu. Mas nada de ataques na internet.
Nesse nosso primeiro ano de existência nosso objetivo tem sido incomodar a branquitude e fazer com que ela saiba que o poder branco nunca mais dormirá em paz.
A branquitude é o nosso objeto de escrutínio. E nosso recado para ela foi musicado pelo Trio Mocotó: ‘Não adianta chorar. Não adianta gritar. Não adianta!’
E neste contexto mora nossa irremediável entrada na urgente discussão de justiça climática, fundamental para o debate do nosso futuro, que a branquitude parece enxergar muito longe do seu próprio. Talvez por acreditarem mesmo que podem colonizar outros planetas e irem viver suas vidas por lá, já que nossos territórios não foram suficientes para acalmar a sanha destrutiva e de autoproteção que parece mais importante do que a vida do resto. E justamente no nosso primeiro texto sobre o tema sofremos um ataque organizado, onde o racismo deu o tom.
Mas como tentamos deixar óbvio neste texto e em todo o nosso trabalho durante esse nosso primeiro ano de vida, é que a branquitude é o nosso objeto de escrutínio. E o único recado que podemos deixar aos que se incomodaram foi musicado pelo maravilhoso Trio Mocotó: “Não adianta chorar. Não adianta gritar. Não adianta!”.
Diogo Santos é graduado em Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais pelo CEFET/RJ e atua como comunicador e articulador em organizações de direitos humanos e mídias. É coordenador de comunicação do Observatório da Branquitude.
Observatório da Branquitude é uma organização da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir e disseminar conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.
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