Lilia Schwarcz: “A minha dor é uma porta aberta para pensar na dor do outro”
Historiadora e antropóloga reflete sobre as origens de sua família judaica e de como a luta de seus antepassados a motiva para estudar as injustiças do país
Para a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, que é descendente de judeus italianos e franceses, as histórias de sobrevivência de suas famílias lhe serviram como um lembrete e, acima de tudo, como uma forma de se conectar com a dor e a necessidade de outras pessoas. De acordo com a pesquisadora, que também atua como curadora do Museu de Arte de São Paulo (Masp), a origem de seus antepassados foi fundamental em sua formação enquanto cidadã e, posteriormente, enquanto estudante e especialista da escravidão e do racismo no Brasil.
“Minha família sempre foi muito preocupada com a justiça, eles fugiram dos horrores do nazismo e do autoritarismo”, explica Schwarcz no segundo episódio da segunda temporada de “Motivações Genuínas”. A série, que investiga o que move criadores e artistas, foi criada e dirigida por Ioram Finguerman e tem o apoio da Gama.
De acordo com a pesquisadora, que é também fundadora da editora Companhia das Letras, a importância da democracia, da república e da luta por direitos civis sempre foi uma temática presente em sua infância. “Meu pai me dizia que era importante que eu soubesse das questões do país onde eu vivo para que eu não vivesse com a cabeça na França ou na Itália. Eu morava no Brasil, eu devia ao Brasil”, ela diz.
Ainda de acordo com ela, a educação oferecida pelos pais foi um grande diferencial em sua vida. “O trauma familiar não foi trabalhado exclusivamente na questão judaica, mas me foi ensinado que a minha dor é uma porta aberta para pensar na dor do outro”, ela reflete. “Eu falo do lugar da branquitude, do lugar de conforto. É um lugar de privilégio, que procura naturalizar a raça. Nós falamos da raça dos outros como se nós mesmos não tivéssemos raça, mas nós temos. A minha família aprendeu duramente que nós tínhamos.”
“A desigualdade, o racismo e o machismo são questões centrais no nosso país.” Para ela, a escravidão gerou um país muito violento e que se estrutura no racismo. “O racismo no Brasil é estrutural porque ele estrutura todas as nossas relações. Ele estrutura o nosso panorama educacional, a oferta de emprego, a infraestrutura básica, a habitação, o transporte, a saúde, etc.”
Schwarcz afirma que é necessário que uma sociedade trabalhe seus traumas. Caso eles não sejam trabalhados, retornarão como “um fantasma que vem puxar o pé.” A pesquisadora entende que vivemos um momento de fortalecimento e efervescência de luta e movimentos sociais. Para ela, não há mais como as pessoas não se posicionarem sobre esse tema.”Essa questão talvez seja nova para as populações brancas, que nunca tiveram que lidar com isso. Mas ela não é nova, desde que existiu escravidão, existiu rebelião. Agora, não nos é mais dado não pensar sobre isso. Ainda bem.”
Lilia Schwarcz é a segunda entrevistada da segunda temporada de “Motivações Genuínas”, uma série documental que apresenta um olhar sobre a formação e as histórias de artistas e criadores que realizam projetos relevantes, originais e que têm um efeito positivo na sociedade.
Na primeira temporada, foram entrevistados: o violonista João Camarero; a instrumentista Beth Beli, fundadora do bloco Ilú Obá de Min; os psicanalistas e escritores André Alves e Lucas Liedke, que juntos fazem o podcast Float Vibes e analisam tendências de comportamento; o designer, artista plástico e criador do Erê Lab, de brinquedos para espaços públicos, Roni Hirsch; e o fundador da Casa de Francisca, Rubens Amatto.
São entrevistas de 12 a 25 minutos em que eles contam sobre suas vidas e obras. Os episódios serão lançados semanalmente. Os vídeos podem ser assistidos no site da Gama e no canal da revista no YouTube.
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