CV: Nina Santos — Gama Revista
Divulgação

CV: Nina Santos

Uma das principais referências brasileiras no combate a desinformação e em comunicação digital, pesquisadora quer mostrar como o espaço digital vai além das plataformas e pode fortalecer a democracia

Daniel Vila Nova 13 de Março de 2024

Nina Santos descobriu o que faria em sua vida adulta muito cedo. Se hoje é uma das principais referências brasileiras no combate à desinformação e em comunicação digital, com pós-doutorado em curso no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e pesquisa no Centre d’Analyse et de Recherche Interdisciplinaires sur les Médias (Université Paris II), foi porque a paixão pela sala de aula se revelou ainda quando criança. Como pontapé inicial, ela se recorda quando um professor de história, ainda na sexta série, lhe propôs um exercício que abriu caminho para seus primeiros passos nessa direção.

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“Eu tinha um professor que era muito querido e muito provocador. Ele gostava de trazer debates e reflexões para a sala de aula, fazia um confronto de ideias entre os alunos. Eu adorava participar”, ela relembra. As discussões feitas pelos alunos e o conhecimento produzido na sala de aula encantaram a garota, que queria continuar debatendo, questionando e, acima de tudo, aprendendo.

Ela, que já gostava de escrever, decidiu ali mesmo que optaria pelo curso de jornalismo para se manter no “caminho de continuar pensando”. Ao se formar no ensino médio, Santos passou no vestibular e se matriculou na UFBA (Universidade Federal da Bahia). Com uma família vinda da academia — Nina é neta do geógrafo Milton Santos, um dos maiores intelectuais da história do Brasil —, fugir do que ela classificou como um “caminho natural” foi impossível. “Eu cresci nesse meio. Cresci indo para a universidade para acompanhar as aulas que meus pais e meu avô davam.” A paixão pela sala de aula voltou com tudo durante a graduação e o mestrado.

“É o ambiente mais precioso da academia. É onde as pessoas estão aprendendo coisas novas, fazendo conexões novas, confrontando perspectivas e tirando conclusões a partir disso”, ela afirma. Para a pesquisadora e professora, o contato com os alunos possibilita uma troca de conhecimentos que enriquecem ambos os lados. Além da sala de aula, a pesquisa era sua outra paixão. Nina se dedicou a estudar o uso de mídias sociais no Brasil e a forma com que o uso dessas ferramentas desenhou o ambiente de comunicação digital brasileiro na esfera política. Ao longo da sua trajetória, no entanto, ela passou a perceber que somente a academia não lhe satisfazia.

“O espaço acadêmico tem uma temporalidade própria, um tempo para que o conhecimento seja pensados e desenvolvido”, ela pontua. “Eu sentia falta de ter um impacto mais imediato, direto e perceptível.” Com o término do mestrado em 2012, Nina decidiu se mudar de Salvador para São Paulo. Na capital paulista, aceitou o convite do Instituto Lula para ser assessora de comunicação política. “Foi uma oportunidade de levar para a prática alguns questionamentos que eu já estava fazendo no mundo acadêmico e, ao mesmo tempo, aprender a lidar com o mundo da vida política cotidiana.”

O comichão da academia, entretanto, era forte demais. Após três anos trabalhando no Instituto, Nina decidiu retornar ao mundo acadêmico para o seu doutorado. A França, que havia servido de exílio para o seu avô na ditadura e onde os pais de Nina fizeram doutorado na década de 80, foi o local escolhido. O período foi difícil. A solidão reinava e o tema estudado — o uso das mídias sociais no cenário político brasileiro — somente aumentava o sentimento de isolamento. “Comecei a estudar em 2015, no governo Dilma. E então, o golpe aconteceu, Temer assumiu, o Lula foi preso e Bolsonaro foi eleito. Uma série de desdobramentos em pouco tempo que dificultam uma análise aprofundada. E, também, uma relação emocional com o país. Viver esse processo estando fora do Brasil foi desafiador.”

Apesar das dificuldades, Nina se formou com méritos. Sua tese de doutorado, defendida na Université Paris II, foi premiada com o Prix de thèse da instituição e indicada ao Prix de la Chancellerie des Universités de Paris. Com o diploma em mãos, Nina retornou ao Brasil. Atualmente, ela é diretora do Aláfia Lab e membro do Comitê sobre Integridade Digital e Transparência nas Plataformas de Internet do TSE, além de atuar como pesquisadora e professora.

No papo abaixo, ela conta a Gama sobre sua a relação entre tecnologia, democracia e desinformação, os caminhos da sua área profissional e sua missão de vida.

O problema da informação não é um problema da comunicação, é um problema da democracia

  • G |Qual é o principal desafio da sua área e como você lida com ele?

    Nina Santos |

    Trabalho em uma área em constante transformação. A cada dia que passa, elementos novos surgem e precisam ser considerados. Comecei estudando os blogs, depois passei para as redes sociais e agora falamos sobre plataformas. Também estudo como a desinformação se conecta com o discurso de ódio e, recentemente, um novo guarda-chuva surgiu que abarca essas discussões e está sendo chamado de integridade de informação. Há também a popularização da ferramenta de Inteligência Artificial generativa, que dialoga com tudo isso. Qual é o impacto disso em eleições e em democracias? É um tema com muitas vertentes cuja evolução é muito rápida. Se manter atualizado é desafiador e entender qual novidade de fato muda as coisas e quais não também exige bastante esforço.

  • G |Há outro desafio que vale ser mencionado?

    NS |

    Escapar do determinismo tecnológico. Não podemos cair na ilusão de que tudo é culpa das novas tecnologias. Se pegarmos o panorama da década de 2010, a internet ia salvar o mundo, dar vozes às revoluções de povos oprimidos e derrubar governos totalitários. Já o panorama de 2020 é que as redes sociais são o caixão da democracia e que são responsáveis pela ascensão de governos autoritários. O que há de comum entre essas visões? Elas estão absolutamente centradas na tecnologia. Mas as coisas são muito mais complexas do que isso. Não é somente a existência de uma determinada tecnologia que define isso, mas sim a interação entre a arquitetura dessas ferramentas, que não são neutras, e uma série de comportamentos sociais. O racismo, por exemplo, pode ser potencializado por ambientes e comportamentos digitais, mas ele não surgiu com a tecnologia.

  • G |Quais os seus maiores aprendizados nesses anos como estudiosa de redes?

    NS |

    Não há solução fácil. É difícil ser muito assertivo em relação aos problemas da área pois, normalmente, quando se é muito assertivo, a pessoa está desconsiderando algum elemento muito importante. É um problema extremamente complexo e soluções simplistas não são adequadas. O problema da informação não é um problema da comunicação, é um problema da democracia. Para discutir, hoje, como as pessoas se informam ou desinformam, é preciso não apenas conversar sobre as plataformas digitais, jornais e televisão, mas também falar de cultura, política e estruturas sociais. São discussões interdisciplinares e precisam ser encaradas como tais.

  • G |Que conselho você daria para os profissionais que estão começando agora e que pretendem seguir carreira na sua área?

    NS |

    Venham. Entrem nesse área de trabalho, nós precisamos cada vez mais de pessoas pensando, pesquisando e elaborando esses fenômenos. É mais um convite do que um conselho, mas é sincero. Para essa área, é importante entender que não se deve partir do zero. Quando uma nova tecnologia surge, parece que todas as discussões voltam para a estaca zero e é necessário recomeçar tudo. Mas não é assim. A gente tem muito conhecimento acumulado, que não precisa ser aceito e pode ser criticado e reconstruído, mas que precisa ser considerado. Também é necessário conectar a academia com a sociedade civil. Os intelectuais podem aprender muito com quem está na frente das batalhas cotidianas, entender quais problemas existem nesse lugar e como se conectar com a realidade do dia a dia.

  • G |Já pensou em desistir? Por quê?

    NS |

    Eu nunca pensei em desistir da pesquisa. Mesmo durante meu doutorado, um dos momentos mais difíceis da minha vida, eu sempre quis continuar. É o que me move. Mas eu já pensei em desistir de parte do que eu faço, coisas que estão em volta da minha atividade. Em resumo, foi sempre o cansaço que me fez ponderar a desistência. Vivemos em um mundo profissional extremamente acelerado e exigente, ainda mais para pessoas que não se encaixam no perfil hegemônico – homem, branco, sudestino. E não só a pressão externa, mas a interna também. É ainda mais desafiador quando você opta por conciliar sua vida profissional com sua vida pessoal, sobretudo com a maternidade. Tenho uma filha de quase dois anos e, apesar de estar vivendo um momento extremamente satisfatório na minha área, a maternidade coloca uma nova camada de desafios. A forma com que você dedica a sua atenção constrói quem você é.

  • G |Qual a sua missão na sua profissão?

    NS |

    Não sei se é a minha missão, mas eu desejo construir e auxiliar na construção de uma sociedade democrática a partir da realidade do digital. A minha questão central, o que me move a fazer pesquisas e dar aula, é entender como meu estudo vai impactar a sociedade civil. Entender que o espaço digital vai muito além do espaço das plataformas, que pode ser um espaço de novas formas de democracia e de empoderamento do cidadão. E acredito que o meu ponto de vista também é importante, um ponto de vista que é construído fora dos centros tradicionais de produção de conhecimento e poder, fora do norte global e do sudeste brasileiro. A minha contribuição é trazer diversidade e perspectiva para a construção dessas possibilidades.

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