CV: Mariana Miné
CEO da Confederação Brasileira de Rugby fala sobre o espaço das mulheres no esporte e a importância de se jogar em novos desafios no mercado de trabalho
Formada em administração de empresas pela FGV, com passagens pelas áreas de marketing e gestão de vendas em gigantes da estatura da Unilever, Ambev e Grupo RBS, mas sem nenhuma experiência profissional no setor de esportes. Resumido dessa forma, pode parecer um pouco estranho o currículo da CEO da Confederação Brasileira de Rugby (CBRu), Mariana Miné, 39, que assumiu o cargo em dezembro de 2020.
“Com certeza tenho uma trajetória diferente da maioria das pessoas que trabalham no esporte brasileiro hoje”, admite Mariana. Isso porque, geralmente, líderes das principais entidades do esporte costumam ter uma ligação direta com a modalidade — em muitos casos, tratam-se inclusive de ex-jogadores.
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O rugby, de pouca tradição no país, tem crescido na última década por aqui. Tanto o time feminino quanto o masculino subiram nos rankings internacionais ao longo dos últimos anos. A seleção feminina de sevens [variante da modalidade, com sete jogadores de cada lado] participou pela segunda vez consecutiva em Olimpíadas desde que o esporte voltou a ser considerado olímpico, em 2016 — recentemente, em disputa do Mundial de Sevens, elas alcançaram uma posição inédita no ranking mundial: o sétimo lugar geral.
Não que Mariana desconhecesse totalmente o esporte. “Tinha alguns grandes amigos que jovagam e meu padrinho de casamento é um inglês apaixonado pelo rugby.” Além disso, quando fez um intercâmbio na Austrália, acompanhou de perto a Copa do Mundo do esporte, que foi sediada lá.
Em conversa com um headhunter, apesar do estranhamento inicial, Mariana passou a ver a vaga como uma oportunidade de causar um impacto positivo direto na vida das pessoas, algo difícil dentro do mundo corporativo.
Se o Brasil fosse o país do rugby em vez do futebol, seria um país melhor. O rugby tem valores muito fortes, prega a coletividade e o respeito pelas regras
Para a CBRu, a escolha parecia fazer sentido. Seria a primeira CEO mulher da instituição, vinda logo após a passagem relâmpago de um profissional com histórico de postagens machistas, homofóbicas e gordofóbicas. Além disso, trazer uma pessoa de fora, com outra formação, poderia adicionar qualidade à gestão.
Mariana, então, topou fazer uma entrevista com o comitê de seleção. “Eles me entrevistavam e eu entrevistava eles”, conta. “Queria entender mais sobre o rugby, por que aquelas pessoas doavam a vida e o tempo para esse esporte. E cada vez fui me apaixonando mais.”
O interesse acabou se transformando em profissão. Ela vendeu a Simple Dog, empresa de alimentos naturais para animais domésticos que tinha fundado cinco anos antes, e mergulhou de cabeça no cargo. Hoje, se diz uma grande entusiasta do rugby. “Se o Brasil fosse o país do rugby em vez do futebol, seria um país melhor. O rugby tem valores muito fortes, prega a coletividade, a camaradagem, inclusive entre times rivais, e o respeito pelas regras. Foi uma crença que motivou minha decisão de aceitar o cargo.”
Na entrevista a Gama, Mariana fala sobre o impacto dos recomeços na vida profissional, o espaço das mulheres no esporte e a importância de se jogar em novos desafios no mercado de trabalho.
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G |Quais os seus maiores aprendizados nesse tempo como CEO da Confederação Brasileira de Rugby?
Mariana Miné |Um ano é um tempo curto, mas nem tanto. Com certeza teria aprendido muito mais se a gente não estivesse numa pandemia. O que deu para sentir até agora é que existe muito espaço para fazer crescer a base do rugby nacional. Não é um trabalho fácil. Eu entendo que tenho uma missão muito forte de olhar para os clubes e federações e tentar ajudar essas pessoas a se estruturar e se estabelecer. Isso vai nos ajudar a crescer de forma mais sustentável. A CBRu é uma entidade super nova, existe como confederação só desde 2010. No passado, de forma super acertada, foi tomada uma decisão de estruturar o alto rendimento do esporte. Isso teve resultados muito fortes. O time masculino, os Tupis, saíram de 42º no ranking para 26º. As meninas são uma potência no rugby internacional, estão em sétimo no ranking de sevens e foram 19 vezes campeãs sul-americanas. Levamos bronze no Pan, estamos agora nas Olimpíadas desde o Rio, quando voltou a ser um esporte olímpico. Hoje, a World Rugby [entidade máxima do rugby no mundo] entende que o Brasil é um país estratégico para o crescimento do esporte, com seus 215 milhões de habitantes. Se o rugby for grande aqui, isso tem potencial para mudar o patamar do esporte no mundo. E a World Rugby é muito importante em termos orçamentários também. Mas o que nos trouxe até aqui não vai nos levar a um novo estágio do esporte nacional. É um momento importante para fazer crescer a base, garantir torneios de qualidade e fazer mais jogos. Um aprendizado importante para começar uma nova fase do rugby brasileiro.
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G |A paixão e a motivação andam juntas?
MM |É muito difícil trabalhar sem paixão ou engajamento na missão. Desde que entrei no rugby, a única coisa que consumo no tempo livre é o esporte. Tenho meu marido, meus dois filhos pequenos, mas quando sobra um tempinho estou vendo alguma partida internacional ou entrevistas sobre o tema. Acho muito importante que o profissional se envolva no produto para se inserir na comunidade. Quando falamos em esporte, estamos falando de paixão. Confesso que isso foi algo que comentei com o headhunter: eu não sou do rugby. Mas ele me disse que queriam falar com pessoas de fora do esporte, que viriam com soluções novas e não se deixariam levar só por paixões ou trabalhariam com grupos já conhecidos, acostumados a fazer a coisa de uma mesma forma. Mas também não se faz nada sem paixão. Sempre tive isso na minha vida e carreira.
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G |Quais lições você tirou do período em que trabalhou em outras empresas, como Ambev e Unilever?
MM |Foi muito rico. A Ambev foi uma grande escola de gestão e a Unilever uma super escola de marketing, uma empresa que olha com muito cuidado para as expectativas e necessidades do consumidor. A RBS, como um grupo de mídia, me ajudou a olhar para o que é tendência, o que é notícia e consumo. Já estive do outro lado da mesa no espectro patrocinador/patrocinado. Cuidei de marcas em que eu avaliava se colocaria dinheiro de investimento num projeto de esporte ou de cultura, o que construiria mais valor. Com certeza essa experiência me ajuda a lidar com o patrocinador. Cheguei com a visão de que a gente não pode vender espaço na camisa ou em placa, até porque a visibilidade nacional do rugby ainda é restrita. Na verdade, ainda está muito abaixo em visibilidade até do que clubes de futebol dos níveis mais baixos. Nesse sentido, venho com uma cabeça para agregar ao time comercial e de marketing, entender do que um potencial patrocinador precisa, que tipo de atributo de marca ele quer e que tipo de história a gente consegue construir em conjunto. As empresas em que trabalhei me trouxeram uma visão de gestão e planejamento orçamentário. O esporte precisa muito disso. A CBRu, se a gente pegar a média do esporte brasileiro, está bem acima da maioria das grandes entidades esportivas, mas ainda tem muito o que crescer em termos de gestão.
O esporte brasileiro é um ambiente bem masculino. Não digo que é uma coisa que me intimida. Já estive em outras realidades muito masculinas
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G |Como é ser uma líder mulher na sua área?
MM |São muito poucas. Eu mais a Adriana Behar, do vôlei, e a CEO do remo, Magali Moreira. Inclusive, quando a Adriana e a Magali foram nomeadas, bati um papo com cada uma. O esporte brasileiro é um ambiente bem masculino. Não digo que é uma coisa que me intimida. Já estive em outras realidades muito masculinas, como a área de vendas, e não era uma coisa que me incomodava. Agora acho que as empresas já entenderam que precisam atuar com diversidade e inclusão. A sociedade pede isso delas e está cada vez mais difícil ignorar esse assunto. Para mim, tem sido muito legal. As Yaras, a nossa seleção feminina, me inspiraram muito a vir para cá. Talvez elas sejam um dos poucos casos no esporte brasileiro em que as mulheres dominam uma modalidade por tanto tempo. São quase duas décadas de hegemonia no continente sul-americano. O rugby é um esporte de contato, de força física. A maioria das pessoas que não conhece associa à masculinidade. Quando a gente mostra para a comunidade que tem um time de rugby feminino mais vencedor do que os homens, inspira meninas e mulheres a sonhar com um universo que vai além dos estereótipos. Não dá mais para o esporte brasileiro ignorar isso, as empresas pedem. Pensando nos movimentos e nas causas da sociedade, as marcas estão cada vez mais engajadas e proativas. Dois de nossos atuais patrocinadores, Bradesco e Tim, por exemplo, têm o fortalecimento de liderança femininas como um dos pilares de construção de valor de suas marcas. Dentro de casa, nós temos a história das Yaras que é muito relevante para gerar conteúdo e reforçar o posicionamento destes parceiros.
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G |Como você enfrenta machismo no mercado de trabalho?
MM |Sinceramente, nunca lidei com um caso direto de machismo. O que teve muito foram ambientes em que eu era a única mulher sentada na mesa. Isso aconteceu demais. Mas não era uma coisa que me intimidava, me sentia confortável com isso. Hoje, olhando para trás, acho ruim porque intimida muita gente. É importante que esse movimento aconteça de forma mais forte e estruturada. Que as empresas pensem com mais cuidado sobre isso e reforcem as lideranças femininas. Mas, pessoalmente, não me incomodava.
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G |Como enxerga os recomeços na vida profissional?
MM |Já tive alguns, mudei bastante entre segmentos de atuação. Para mim, é muito saudável. Gosto de aprender e construir coisas novas. Pessoas que vêm de fora, com uma visão diferente, agregam. Outro dia estava conversando internamente com uma pessoa sobre uma vaga. Estávamos muito focadas nessa coisa de não ter experiência no esporte, e questionei por que ela precisava tanto conhecer a área. É importante ter um mix, algumas pessoas do setor e outras que não são, até para tentar coisas diferentes. Lido super bem com esse negócio de recomeços. Empreender foi um recomeço muito importante na minha vida. Foi uma tomada de decisão de me jogar e ver no que ia dar. A decisão de vender a empresa também foi muito importante. Hoje, trabalhando no esporte, tem sido um reencontro com uma missão de vida. Sempre tive uma vontade muito grande de trabalhar com algo que impactasse outras vidas positivamente. Não vou te dizer que tive isso na Ambev ou na Unilever. Na RBS, trabalhei muito com a classe C, e quando a gente traz conhecimento e notícia para esse grupo é uma coisa que muda vidas. Mas não estava tão conectada com a missão. Hoje me sinto muito conectada quando vou para o campo e vejo gente jogando, quando vejo questionamentos aqui dentro sobre o que pregam os valores do rugby. Entendo que estou construindo um Brasil melhor. Claro que dando um passo pequeno a cada dia, mas me reconectando com uma missão pessoal. Estou muito feliz de estar num lugar onde consigo construir isso.
A autocobrança é muito forte na mulher, essa coisa de achar que não é boa o suficiente. Meu maior conselho é: se jogue
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G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido?
MM |Eu tenho uma máxima: nunca estamos 100% prontos. Isso é uma coisa muito importante para o público feminino. Existem estudos que mostram que as mulheres precisam se sentir mais preparadas que os homens para topar um desafio. Gostei muito de um livro que li da Sheryl Sandberg, chefe operacional do Facebook, chamado “Faça Acontecer”. Um dos pontos que ela aborda é esse, nunca estamos totalmente prontos. Ela pega até exemplos de estudos que mostram que homens aplicam mais para funções, mesmo com um percentual menor das habilidades pedidas. As mulheres só aplicam quando têm mais habilidades. A autocobrança é muito forte na mulher, essa coisa de achar que não é boa o suficiente. A gente aprende fazendo, construindo, traz muitos conhecimentos aprendidos de outras realidades e aplica aquilo na prática. Meu maior conselho é: se jogue.
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G |Na sua trajetória, você cometeu alguma falha que não cometeria hoje?
MM |Milhões, o difícil é escolher qual. No começo da carreira, eu era uma pessoa mais difícil de lidar. Queria ser ouvida e falava alto, às vezes sem um traquejo político que é importante em qualquer função e empresa, em alguma mais, em outras menos. Quando entrei na CBRu, esse era um medo que eu tinha. Uma das perguntas que fiz para o headhunter era se não seria muito político ter que lidar com clubes e federações. Hoje me sinto mais preparada, mas no começo de carreira eu era um pequeno trator — bem pequeno até, porque sou baixinha. Mas é um erro que não cometo mais com tanta frequência. A gente erra num dia e aprende no outro, o importante é não errar a mesma coisa todo dia.
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G |Você vive para trabalhar?
MM |De forma nenhuma, consigo dividir super bem. Sou casada, super apaixonada pelo meu marido e tenho dois filhos pequenos. Um tem quatro anos, e a outra, um ano e meio. Temos uma vida em família muito gostosa. À medida que a gente vai crescendo na carreira, precisa fazer algumas escolhas. Eu escolhi focar na família e na carreira. Tenho pouco tempo para sair com as amigas, por exemplo. É uma escolha de vida, no fim das contas. Queria encontrá-las mais, mas não consigo. E tenho pouquíssimo tempo para hobbies, para o que gostava de fazer quando era solteira. O tempo que tenho livre e passo com meu marido, meus filhos, minha mãe e minha irmã já vale para mim. Muitas mulheres acham que é uma escolha entre vida pessoal e profissional. Para mim não é. Exerço muito bem o papel de esposa, mãe e profissional. Essas são minhas prioridades.