Curriculum Vitae -- CV: Rosa Moraes — Gama Revista
Divulgação Anhembi Morumbi

CV: Rosa Moraes

Criadora do primeiro curso de gastronomia do país e representante brasileira da lista The World’s 50 Best Restaurants, ela acredita que sempre é tempo de inovar

Daniel Vila Nova 28 de Outubro de 2021

Rosa Moraes divide sua vida em capítulos. Aos 64 anos, a educadora acaba de ser nomeada presidente da região do Brasil para o The World’s 50 Best Restaurants, o “Oscar” da gastronomia. “O prêmio traz muita gente para o país, roda a economia. O meu papel é fazer com que essa lista traga visibilidade para o Brasil”, ela afirma. O novo capítulo, no entanto, é só mais um em uma série de episódios de inovações e renovações — profissionais e pessoais — que marcam a trajetória da educadora.

MAIS SOBRE O ASSUNTO
Gastronomia de coleta, direto da natureza selvagem
A história afro-americana contada pela comida
Feirinha badalada do Rio vai de cesta a mercadão

Rosa foi responsável pela criação do primeiro curso de gastronomia de ensino superior do Brasil, em 1999. Essa etapa da carreira, que ela define como o melhor momento de sua vida, foi iniciada aos 42 anos. “É tão bom perceber que a vida te traz inúmeras possibilidades de carreiras completamente diferentes, independente da sua idade.” Ela, que começou atuando na área de biblioteconomia graças a um teste vocacional, já foi ceramista, dona de casa e jornalista. Em todos esses ambientes profissionais, entretanto, nunca lhe faltou uma coisa: o amor pela transformação.

A comida sempre foi uma paixão da educadora, mas foi somente em 1989, em Los Angeles, que esse amor encontrou sua trajetória profissional. “A Califórnia era um celeiro de ideias novas sobre cozinha, falava-se muito sobre alimentos frescos e naturais. Lá, comecei a estudar gastronomia.” À época, os Estados Unidos ainda eram tidos como um lugar onde “não se comia bem”, mas Rosa presenciou a transformação desse estigma. “Foi nesse período em que começaram as grandes escolas de gastronomia americanas, como The Culinary Institute of America, a CIA. Eu vi o começo da história dessa história e me apaixonei.”

É tão bom perceber que a vida te traz inúmeras possibilidades de carreiras completamente diferentes, independente da sua idade

Em sua estadia nos EUA, Rosa escreveu uma coluna para a revista Gula, detalhando os mais badalados restaurantes americanos. Foi essa experiência que lhe rendeu um convite inusitado, mas empolgante: fundar o primeiro curso de gastronomia de ensino superior no Brasil. “No começo achei que era uma loucura, nunca havia trabalhado na academia. Mas a Anhembi Morumbi me convidou e eu topei, acabou sendo a aventura da minha vida.”

Durante um ano, Rosa viajou por vários estados norte-americanos e fez uma detalhada pesquisa sobre as escolas de gastronomia do país, se conectando com chefs, professores e especialistas, até que encontrou a California Culinary Academy (CCA). “Fizemos um convênio com a CCA, eles nos ajudaram com a montagem do curso, o design das cozinhas, o treinamento dos professores.” O curso no Brasil foi aberto em 1999 com 48 vagas, divididas em turmas da manhã e noite, que foram totalmente preenchidas. “Era uma demanda reprimida”, ela lembra. O curso foi um sucesso e abriu portas para a profissionalização de chefs e restaurantes no país.

Rosa acompanhou de perto a formação de toda uma geração de chefs profissionais, muitos dos quais são seus amigos, e o desenvolvimento do mercado. Ficou dois anos longe da academia e foi morar em Ilhabela no começo da pandemia, mas um convite para ser embaixadora de Turismo e Hospitalidade do grupo Ânima Educação a fez voltar. “É na educação que vejo a transformação. A verdade é que eu não consigo parar, não quero. Com 64 anos, eu até podia, mas trabalhar é a missão da minha vida.”

A Gama, a educadora que também atua com a ONG Gastromotiva, contou sobre os desafios no mundo da cozinha, sua capacidade de se reinventar e o poder transformador da educação.

  • G |Quais são os principais desafios na sua área e como você lida com eles?

    Rosa Moraes |

    A educação muda vidas. Um diploma universitário é importante, estudar, ler e se informar é capaz de transformar a história de alguém. Quantos relatos existem de pessoas que só conseguiram mudar suas vidas graças à educação? O meu principal desafio é continuar promovendo essas transformações, tocando a vida das pessoas. Em relação a cozinha, o principal problema está na área de serviços. Um dos grandes desafios que temos é mostrar que esse departamento é tão importante quanto a própria comida. Às vezes saem uns pratos perfeitos da cozinha, mas o serviço é péssimo, uma catástrofe. A carreira de serviço é importante, mas no Brasil ela não é valorizada. Por fim, o meu desafio internacional é mostrar a nossa culinária brasileira para o mundo. Já o pessoal, é fazer muita ginástica para ficar magra, porque está ficando cada vez mais difícil.

  • G |Qual é a importância de uma boa formação acadêmica nessa área?

    R.M. |

    Muitas pessoas desistem do curso porque acham que vão só cozinhar, mas um curso superior de gastronomia não é só isso. Para ser um bom dono de restaurante, você precisa saber ganhar dinheiro e fazer com que o seu estabelecimento seja lucrativo — restaurante no vermelho fecha. É a coisa mais comum da área, restaurantes fechando e pessoas quebrando, o mercado é bem difícil para quem não o conhece. A diferença do ensino superior é que a pessoa sai do curso dominando recursos humanos, contabilidade e logística, não só a parte de cozinhar. A academia te dá uma formação completa, algo essencial para administrar um restaurante.

A educação muda vidas. Um diploma universitário é capaz de transformar a história de alguém. O meu principal desafio é continuar promovendo essas transformações

  • G |Que conselho você daria para os profissionais que estão começando agora e que pretendem seguir carreira na sua área?

    RM |

    Uma vez, fui dar uma palestra para alunos no começo do semestre letivo. O auditório estava lotado. Olhei para eles e disse que comecei a etapa profissional que me encontro hoje em dia aos 42 anos. Ao longo desse período, vivi carreiras completamente diferentes. É muito bom estar aberto a tudo o que a vida pode lhe oferecer e entender que tudo sempre pode começar de novo. Agora, com 64 anos, começo uma nova etapa como presidente da região Brasil no 50th Best. É gostoso perceber que a nossa história não para, nunca me senti tão jovem.

  • G |O que você acha que um bom profissional precisa saber para atuar nessa área?

    RM |

    É necessária uma grande estabilidade emocional e intelectual. A disciplina e a motivação caminham lado a lado, é necessário ter isso em mente para não deixar o estresse ganhar. Depois do choque da pandemia, a ficha de muitas pessoas caiu e elas começaram a entender que comida também é responsabilidade social. Na hora de trabalhar com cozinha e alimento, é essencial ter isso na cabeça.

  • G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido?

    RM |

    É duro. Mais do que nunca, é importante estar aberto para todas as novidades que estão acontecendo. Ser muito curioso e provar de tudo, não há nada como conhecer uma região nova através da sua comida. É a história daquele povo e daquela cultura. Seja na educação ou na gastronomia, é importante ter passado pelos dois lados do balcão. Não adianta só ter estudado na academia e não ter colocado a barriga no fogão.

  • G |Você chegou a enfrentar machismo no mercado de trabalho?

    RM |

    Infelizmente, ele ainda se faz muito presente. Estamos tentando combater em todos os âmbitos, inclusive na gastronomia. No mundo, chef ainda é uma profissão muito masculina. O 50th Best, por exemplo, tem o prêmio de melhor chef mulher. Muita gente não gosta disso, mas eles entendem que é uma forma de destacar mulheres nessa posição. Há tantos homens que, caso não exista um prêmio específico, nenhuma mulher será premiada. Dentro da cozinha, há bastante machismo. Mas cada vez mais temos grupos de mulheres falando e denunciando essas situações. Não é fácil e ainda há muito o que se fazer, mas nossas vozes passaram a ser ouvidas.

Dentro da cozinha, ainda há bastante machismo. Mas cada vez mais temos grupos de mulheres falando e denunciando essas situações

  • G |Você considera que trabalhar é a sua missão de vida?

    R.M. |

    Sim. Fiquei dois anos afastada da academia, mas recebi o convite da Ânima para voltar. Durante a pandemia, fui morar em Ilhabela e fiquei o dia inteiro de maiô. Confesso que, no começo, achava muito gostoso e me perguntava se voltaria ao mundo da educação. Mas quando o convite veio, fiquei tão feliz. É na educação que vejo a transformação. A verdade é que eu não consigo parar, não quero. Com 64 anos, eu até podia, mas trabalhar é a missão da minha vida.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação