Ana Bavon é consultora de diversidade para empresas — Gama Revista
Bruna Rossifini

CV: Ana Bavon

Com a consultoria B4People, ela quer transformar a cultura de grandes empresas sobre diversidade e inclusão

Betina Neves 14 de Outubro de 2021

Ana Bavon, 42, nunca teve dúvida dos seus objetivos. “Meu eixo sempre foi a busca por justiça social, eu só não sabia o que eu ia botar no mundo para isso.” Nascida em Santos (SP) e desde a adolescência leitora ávida de filosofia e psicologia, escolheu o direito como primeiro caminho para tentar revolucionar as estruturas que já a incomodavam.

Durante passagens por escritórios pequenos, teve contato com direito tributário e contratual e descobriu o mundo das grandes empresas. “Vi que elas movimentavam muita gente e muita grana. Aí quis chegar mais perto disso porque era o que mais me irritava, mais me indignava.” Depois de passar um ano no exterior para aprender inglês, trabalhou participando de audiências para acordos judiciais em relações trabalhistas, lidando com grandes “players” do mercado. Ganhou destaque e foi contratada por um escritório em São Paulo para estruturar a mesma área. “Ali, chegando em um cargo de poder, me deparei com o machismo de forma muito forte. E aí me dei conta da estrutura da qual eu fazia parte e que precisava agir de outra forma para transformá-la.”

Nunca acreditei nesse mundo do jeito que ele se apresenta: um lugar em que nem todas as pessoas podem fazer escolhas e se sentir à vontade sendo quem são

Em 2016, saiu da empresa e foi tateando um novo caminho. A vontade de se conectar com outras mulheres a levou a criar um grupo de Facebook para empreendedoras, que acabou juntando mais de 8 mil pessoas. “Nessa rede, me aprofundei no feminismo e também em outras questões de equidade de gênero, raça e classe no ambiente de trabalho”, conta. Dali, chegou a criar um coworking para mulheres em São Paulo (“pior coisa que eu fiz, eu não sabia nada de gestão de comércio”), e, pouco tempo depois, estruturou o que se tornaria a B4People, sua consultoria de diversidade que cria estratégias de mudança de cultura para multinacionais como Bayer, Lide e Alpargatas (dona da Havaianas).

“Não é só contratar mulheres, pessoas negras e LGBTs. Precisa transformar o ambiente, que ainda é hostil, antes que elas cheguem lá. E para isso é necessário um trabalho complexo, longo, custoso e dolorido”, explica. A consultoria, que conta hoje com uma equipe de dez pessoas, realiza um diagnóstico completo da empresa e, a partir daí, desenvolve programas educacionais, na maioria das vezes direto com as lideranças. “Todas as engrenagens precisam ser observadas para que elas rodem na mesma lógica. Então trabalhamos com as presidências e diretorias para que isso cascateie para o resto da empresa.”

A Gama, ela contou mais sobre os desafios desse trabalho e sobre sua capacidade de se reinventar.

  • G |O que te trouxe até aqui?

    Ana Bavon |

    Insatisfação e indignação. Eu nunca acreditei nesse mundo do jeito que ele se apresenta: um lugar em que nem todas as pessoas podem fazer escolhas e se sentir à vontade sendo quem são. E na minha vida eu fui tendo várias tomadas de consciência que foram me levando adiante. Quando fui para Dublin estudar inglês, por exemplo, me descobri como mulher preta. Então foi muito mais uma jornada interna do que externa. O momento mais maravilhoso da minha carreira foi quando eu entendi quem eu sou na minha complexidade e aí vi que eu posso usar a minha própria experiência para enfrentar as estruturas.

  • G |Quais os seus maiores desafios nesse trabalho com a diversidade hoje?

    AB |

    As empresas estão distantes de chegar nesse lugar acolhedor, inclusivo e propositivo para todas as pessoas. Então, eu não vou ver o resultado do meu trabalho no meu tempo de vida. Talvez o maior desafio seja lidar com o fato de que eu faço algo que não deveria precisar existir por um resultado que eu sequer vou ver. Mas é algo que me movimenta do momento em que eu acordo até a hora que eu fecho os olhos para dormir, porque se confunde com o meu estilo de vida, com quem eu sou e com o jeito que eu vejo o mundo.

  • G |Como você enxerga os recomeços na vida profissional?

    AB |

    Embora o desconhecido dê medo, eu gosto de mudanças, elas me atraem, me estimulam. Eu quero saber o que vem depois. Então recomeçar não é um problema para mim. E o que sempre me manteve motivada no trabalho é que eu quero ver o mundo diferente, eu quero romper paradigmas. Então, nunca tive dúvida dos meus objetivos, sempre acreditei que poderia fazer isso, eu só não sabia como. E, no fim, foi o mercado que achou meu “como”, pela urgência dessa pauta de diversidade hoje.

  • G |Como as empresas têm encarado o trabalho com a diversidade?

    AB |

    Antes esse assunto era muito uma questão de causa, de bandeira, coisa de voluntariado. Era uma pauta encarada com superficialidade, um lugar muito mais de “parecer” do que de “ser”. Hoje eu vejo o interesse das empresas aumentou muito, meu crescimento na pandemia foi exponencial. Muito porque a gente tem um ambiente de negócios que não admite mais que não haja investimentos em gestão de diversidade. Agora há necessidade de transparência – situações como a da XP [a empresa postou uma foto da equipe só com pessoas brancas e poucas mulheres e foi amplamente criticada e até alvo de processo] não passam mais incólumes. Temos as redes sociais para denunciar aquilo que entendemos como contraditório. E isso obriga as empresas a olharem para dentro e verem que precisam fazer um investimento sério, robusto e de longo prazo nisso.

  • G |Você acha que falhou em algum momento na sua carreira?

    AB |

    Eu aprendi muito nas minhas buscas, nas tentativas e erros. Acho que a gente fica buscando uma permanência e uma estabilidade que não existem na vida. O mundo é incerto e caótico e o imperativo é transformação. Então, quando a gente aceita que é a dúvida e a incerteza que nos movem – e as perguntas, muito mais do que as respostas –, a gente relaxa e entende que o erro faz parte. Fracasso nem existe.

  • G |Você se considera uma pessoa otimista?

    AB |

    Muito. Eu sou otimista porque confio no trabalho que eu estou fazendo. E só sou otimista porque eu estou trabalhando pela mudança. Claro que, olhando o mundo como ele está, dá um desespero. Acho que nada vai mudar se ninguém fizer nada. Mas sou otimista pensando que, se eu consigo operar mudanças, um monte de gente consegue. Então dá para fazer melhor.

  • G |Motivação e paixão andam juntas?

    AB |

    A paixão vem da ordem da pulsão: o que é que me move para frente? Meu trabalho é uma ferramenta que viabiliza aquilo que me move, que é mudar o status quo: eu quero mais e quero melhor para um mundo, e essa expansão é minha paixão. Eu acredito que nós, seres viventes, estamos aqui para uma melhoria contínua e, quando eu falo isso, quero dizer que a cada dia devemos entender melhor quem somos. E é isso que me motiva, é o que eu estou deixando para o futuro. Dá pra ver isso pelo jeito que eu falo, né? Sou uma pessoa empolgada na vida.

Quando a gente aceita que é a dúvida e a incerteza que nos movem – e as perguntas, muito mais do que as respostas –, entende que o erro faz parte. Fracasso nem existe

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