Coluna da Vanessa Rozan: Velhas indomáveis — Gama Revista
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COLUNA

Vanessa Rozan

Velhas indomáveis

Com sorte, todos nós envelheceremos, a outra opção é morrer. A diferença é que o esforço para conter o avanço do tempo para nós, mulheres, é hercúleo, afinal, é um baita elogio não parecer velha

10 de Junho de 2022

Esses dias, estreou a sequência do clássico “Top Gun” (1986), que trouxe novamente Tom Cruise no papel de mocinho and galã, no alto dos seus 59 anos. Talvez você já tenha visto o filme. Caso não tenha assistido, esse texto não contém spoilers. No primeiro longa, em 1986, o rapaz se envolvia com a personagem Charlie, formando um dos casais mais icônicos do cinema.

A atriz Kelly McGillis, a Charlie, quando foi questionada sobre as filmagens da sequência do filme, em entrevista em 2019, disse: “Estou velha, estou gorda e tenho uma aparência apropriada para a minha idade“. Kelly está com 64 anos. Sou de humanas, mas concluo que cinco a mais que Tom.
Bom, são tantas camadas a serem discutidas nessa frase da atriz – e na sociedade – que nem sei se temos espaço na internet.

Podemos começar por “estou velha”. Até quando uma mulher não é velha o suficiente para ser o par romântico de alguém? Ou, melhor, tem idade limite ou aparência específica pra ser a “mocinha do filme”?

Vamos voltar um capítulo e chafurdar na palavra usada: velha.

A gente sabe que aqui nessa cultura ocidental, que prioriza a imagem acima de tudo, “velha” vem sempre acompanhada daquele pesão pejorativo de algo que já não tem mais muito valor e nem capacidade. E pior, bem diferente de “velho” que, lá no dicionário, é algo que não é jovem, que tem muito tempo de existência e que data de época remota, mais ligado ao antigo, a palavra “velha” é, em sua definição, “mulher de idade avançada”, “a morte” e “a mãe”. Que delícia, só fica melhor.

Tem um termo no cinema chamado de Hagsploitation, que virou um subgênero do terror a partir dos anos 30. Atrizes da indústria, depois de “certa idade”, começavam a ficar escanteadas nos castings, perdiam papéis, e a única saída para seguir trabalhando era topar ser a bruxa, descontrolada, psicótica, má, insana e assustadora. Posso fazer uma lista de filmes e de atrizes que entraram nessa categoria, mas você pode pesquisar aí na internet por si só. Norma Desmond, Jane Crawford e vale até o ícone Nazaré Tedesco, personagem vivida por Renata Sorrah, que virou meme, se você quiser chegar mais próximo dos dias de hoje e da nossa realidade.

O par romântico do mocinho pode até ser velha, mas nunca mais velha que o herói e jamais imprimir velhice. Velha só a louca mesmo

Então, para viver o par romântico do “mocinho”, a mulher deve sempre ser mais jovem. Ela pode até ser velha, mas nunca mais velha que o herói e jamais imprimir velhice. Velha só a louca mesmo. Ou aquela velha vovozinha do sapato ortopédico e meias de compressão; a vovó fofa. São essas as únicas opções de ser velha. A caracterização da velhice.

A partir de 2050, pela primeira vez, o número de idosos irá ultrapassar o número de crianças no Brasil e parece que em 2030 teremos a quinta população mais idosa do mundo. Dentro e fora da indústria da beleza, muito tem se falado no fim dos rótulos anti-idade para o uso do termo pró-idade, mas independente da escolha o foco do mercado é retardar ou reverter sinais da passagem do tempo, deixando a pele com aspecto rejuvenescido e viçoso. A previsão é que esse mercado passe de US$ 60 bilhões em 2021 para US$ 119 bilhões em 2030. Isso sem tocar nos números de procedimentos estéticos. Sendo pró ou anti, os ingredientes “milagrosos” e a busca pela juventude seguem em alta.

Por falar em milagre, Kim Kardashian, 41 anos e 315 milhões de seguidores no Instagram, em recente entrevista ao New York Times, disse: “Se você me dissesse que eu literalmente tinha que comer cocô todos os dias para parecer mais jovem, eu poderia“. Eu poderia julgá-la por isso? Eu poderia. Seria fácil rolar os olhos para trás e achar um absurdo. Só que meu teto é de vidro e vivo numa sociedade em que o capital da mulher é a beleza, não à toa as únicas profissões que mulheres costumam ganhar mais do que homens são: modelo, atriz pornô ou influenciadora. Como disse a personagem Rebeca vivida pela fantástica Andrea Beltrão em “Um Lugar ao Sol”: “A maneira mais segura de envelhecer é ser homem”.

Com sorte, todos nós envelheceremos, a outra opção é morrer. A diferença é que o esforço para conter o avanço do tempo para nós, mulheres, é hercúleo, afinal, é um baita elogio não parecer velha, é como se você tivesse tirado A+ na prova final. “Ah, mas você está ótima, nem parece que tem essa idade”. Pronto, ainda dá pra ter o papel secundário do filme, o da mocinha, afinal o do herói já está ocupado. Muitos estudos de gênero comprovam que mulheres sofrem mais discriminação de idade no mercado de trabalho, sem contar os impactos nos relacionamentos, na autoestima e na invisibilização. Nem falei de menopausa, hein? Fica a dica do documentário “Miss Representation” (2011), que tem uma fala de Gloria Steinem: “Um sistema dominante masculino valoriza as mulheres enquanto reprodutoras, por isso limita seu valor no momento em que elas são sexualmente e reprodutivamente ativas e se tornam muito menos valiosas depois disso”.

Tava querendo terminar com um final feliz, mas não temos o que comemorar (ainda). Enquanto discutimos a palavra velha e a imagem da mulher, nem tocamos na palavra “gorda”, usada por Kelly sobre o seu (não) papel na sequência do filme. Fica para uma próxima.

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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