COLUNA

Vanessa Rozan

Burnout da beleza

Quantos produtos de beleza você tem hoje? E, desses, quantos você realmente usa ou vai usar até o final?

07 de Fevereiro de 2025

Quantos produtos de beleza cabem no seu nécessaire? Quantos produtos de beleza você tem hoje? E, desses, quantos você realmente usa ou vai usar até o final? De quantos mais você precisa?

Os primeiros sinais de um burnout da beleza começam aparecer aqui e ali, em especial em uma reportagem publicada recentemente na revista Dazed. Paira uma certa exaustão sobre o que nos é vendido como autocuidado e que parece gerar mais ansiedade (e dívidas) do que prazer. Após a queda nas vendas durante a pandemia de covid-19, as marcas de beleza readequaram seus posicionamentos sob o rótulo do autocuidado e toda sorte de item que entrou debaixo desse guarda chuva serviu como artigo de indulgência em tempos de distanciamento social. Em nome do autocuidado, era possível vender velas, cremes, vibradores, complexos vitamínicos e espumas de banho, o que direcionava o desejo do consumidor para esse momento de relaxamento e de tempo para si que, na maioria das vezes, ficou mesmo no mundo das ideias e nunca se concretizou.

Durante o período da pandemia, também observamos o aumento vertiginoso do interesse em harmonização facial. Isso foi revelado pelo crescente número de pesquisas sobre o assunto na plataforma de busca do Google. E um dos motivos que impulsionou parte da população a buscar procedimentos dermatológicos foi o fenômeno chamado “Zoom boom”, que nada mais é do que o aumento do tempo de tela e da constância em ver-se refletido e distorcido nas videochamadas. Sem dados brasileiros, a sociedade americana de cirurgia plástica relatou o aumento de 64% nas consultas virtuais ou presenciais desde o início da pandemia. Vocês souberam dos drive-thrus de aplicação de toxina botulínica em Miami? Sim, eles aconteceram. Você entrava de carro, abria a janela e um médico executava a aplicação em minutos.

Quando os eventos sociais voltaram com força, a moda e a beleza retomaram a roda do consumo, em especial com a velocidade das múltiplas trends do Tik Tok, e até trouxeram técnicas já conhecidas com novos nomes: o “espresso eyes”, nada mais era do que um olho esfumado marrom; e com certeza você também já conhecia a Clean Girl, nome dado para uma maquiagem mais leve, já usada nos desfiles desde antes do surgimento do Instagram, mas que ironicamente precisa de mais de 50 produtos e muitos procedimentos estéticos pra chegar lá.

A democracia da beleza depende da quantidade de tempo e de dinheiro disponível para construir sua imagem e moldá-la da forma mais próxima ao padrão

Eu vejo vídeos e mais vídeos de reviews e novidades que não param de chegar ao mercado, como se fosse possível consumir na velocidade desses lançamentos. Assisto, em choque, conteúdos de influenciadores arrumando seus armários de itens de beleza, gavetas com todos os tons de blush desses que viralizaram. Eu, que sou profissional, tenho duas cores desse blush líquido que atualmente estão em uso na minha maleta e não dei conta de acabar com elas.

Fico imaginando como alguém pode ter 15 itens abertos ao mesmo tempo e conseguir usar todos eles. E daí, todos eles passam da validade no mesmo período, são descartados para a lata de lixo mais próxima e não desaparecem da face da Terra por pelo menos uns cem anos.

Recentemente, muitas celebridades que embarcaram no excesso de preenchedores lá em 2020 passaram a optar por dissolvê-los e buscar procedimentos indetectáveis ou com resultados menos dramáticos, o que poderia ser lido como um tipo de burnout da beleza. Mas, ao mesmo tempo, temos uma nova trend chamada undetectable beauty. Cirurgias plásticas e feitos dermatológicos que não sabemos nomear e nem identificar no rosto de mulheres como Lindsay Lohan e Christina Aguilera, parece coisa de poção do filme “A Morte lhe Cai Bem”.

Se vamos ver um declínio nas vendas dos itens de beleza ou se a indústria vai dar um jeito de ressignificar o consumo, nós saberemos em breve. Mas já sabemos que mulheres são acossadas pelos padrões de beleza e assombradas pela ideia de ter a juventude eterna, e que isso determina suas oportunidades de emprego, o tratamento que recebem, sua vida afetiva e sua autoestima profundamente. Desde o surgimento do Estado, o ideal de beleza esteve atrelado às classes sociais mais altas e, a partir de 1930, depois com a força da publicidade, em 1950, vendeu-se a ideia de que todas mulheres poderiam ser belas, bastava se esforçar.

Com a conquista do tal padrão, viria tudo o que foi colado à ideia dele: riqueza, reconhecimento, felicidade, amor e sucesso. Carmem Álvaro Jarrín reforça que a beleza não é uma categoria neutra e, sim, um regime biopolítico que as pessoas se sentem obrigadas a seguir. Ou seja: essa democracia da beleza, vendida lá atrás e ainda hoje, que a princípio parecia ser para todos, dependia e depende da quantidade de tempo e de dinheiro disponível para construir sua imagem e moldá-la da forma mais próxima ao padrão. A beleza nunca foi de fato democrática. Se as pessoas se sentem obrigadas a seguir os padrões, quanto dinheiro e tempo estamos colocando para atingi-los? Quanto mais vamos investir, uma vez que a lógica do padrão é se tornar cada vez mais excludente? Você aí, já sentiu o burnout da beleza chegar?

Vanessa Rozan é maquiadora, apresentadora de TV e curadora de beleza e bem-estar. É proprietária do Liceu de Maquiagem, uma escola e academia de maquiagem e beleza profissional, aberta há 13 anos. Fez mestrado em comunicação e semiótica pela Puc-SP, onde estudou o corpo da mulher no Instagram.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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