Motel Destino fisga espectador com personagens que transbordam tensão e desejo
Novo filme do premiado cineasta Karim Aïnouz celebra o desejo e o encontro em meio à opressão e à violência
Sexy, tenso, violento e profundamente brasileiro. Motel Destino, novo filme de Karim Aïnouz, que estreia nos cinemas em 22 de agosto, mira no cinema noir e na pornochancha para contar a história de uma paixão inesperada sob cores vibrantes e alta temperatura. A obra segue o extremo oposto do trabalho anterior de Aïnouz, Firebrand (2023), um drama histórico britânico, e marca o retorno do cineasta cearense a uma produção em sua terra natal, o Ceará, uma década após a realização de Praia do Futuro (2014).
Aplaudido durante doze minutos em sua exibição no Festival de Cannes deste ano, onde concorreu à Palma de Ouro, o longa batizado pela imprensa de “thriller erótico” acompanha o jovem Heraldo (Iago Xavier). Em dívida com criminosos, ele acaba encontrando refúgio no estabelecimento que dá nome ao filme, situado em Beberibe, a 80 km de Fortaleza.
O local é de propriedade de Dayana (Nataly Rocha) e seu marido Elias (Fábio Assunção), um ex-policial miliciano que fugiu do sudeste e sujeito extremamente abusivo com a esposa. A chegada de Heraldo, que passa a ajudar nos serviços de manutenção do motel, desestabiliza a ordem do ambiente. Não demora muito para que o jovem e Dayana se apaixonem e decidam buscar um novo caminho para suas vidas fragilizadas pelas diferentes opressões e violências.
A sintonia do trio central é uma das qualidades mais marcantes do filme. Com os corpos quase sempre à mostra em performances físicas, exalando suor e uma sensualidade despretensiosa, Dayana, Elias e Heraldo formam um triângulo impregnado de desejo quase mútuo, que é bastante convincente na tela. Os atores tiveram um mês de ensaios antes das gravações e contaram também com uma coordenadora de intimidade — profissional recente no mercado, responsável por “coreografar” e acompanhar cenas de sexo, nudez ou que exijam maior contato físico.
Assim como Praia do Futuro, em Motel Destino o local onde a narrativa se desenrola também assume quase o papel de personagem. A produção do longa visitou mais de 50 motéis até escolher o que o espectador vê na tela, todo colorido e com um corredor providencial para as filmagens, o único existente em Beberibe. A atmosfera inicial de luxúria e voyeurismo, com gemidos e gritos ecoando pelas frestas, dá lugar lentamente a um ambiente sufocante, onde toda sorte de crimes e delírios se torna possível. As cores saturadas e as belíssimas texturas são resultado do trabalho da premiada diretora de fotografia francesa Hélène Louvart, que fez a captação película Super 16 mm.
A estreia visceral de Iago Xavier no longa-metragem é possivelmente o primeiro passo de uma carreira promissora. O jovem poeta slam de 23 anos passou por uma série de testes antes de conquistar o papel. Em coletiva de imprensa após a pré-estreia do filme em São Paulo, ele contou que recebeu sinal verde para imprimir sua personalidade na leitura de monólogos e textos do roteiro durante as avaliações, o que torna o personagem final ainda mais interessante. Xavier também tem uma trajetória marcada por privações, assim como seu Heraldo. Nascido e crescido em Pirambú, considerada a maior comunidade de Fortaleza, ele já precisou fazer vaquinha para pagar o aluguel.
Há quem possa ver alguma incoerência no desenvolvimento do roteiro ou considere o desfecho da história insuficiente em relação ao alto nível de tensão construído ao longo de 112 minutos. Ainda assim, Karim Aïnouz consegue oferecer ao público um filme original, deliciosamente nordestino, que evoca a celebração do desejo, aquilo que nos impulsiona para a vida, apesar das circunstâncias.
