Coluna da Maria Ribeiro: Às mulheres, um leão por minuto — Gama Revista
COLUNA

Maria Ribeiro

Às mulheres, um leão por minuto

Quando decidi ser atriz, antes dos 20, não tinha a menor ideia de que teria que me especializar em conjugar um verbo caro a todas nós: agradar

23 de Maio de 2024

Eu apaguei a mensagem e logo me arrependi. Porque escrever por impulso não deixa de ser um ato de rebeldia. Um gesto político. Uma coragem com enorme probabilidade de parecer — ou ser — mais uma tolice que não precisava ser dita. E não é isso a vida? Palavras certas e outras nem tanto?

Não mais. Afinal, tudo sempre pode ser encaminhado. Ou lido muitas vezes. Ou mal interpretado. E esse negócio de sentimento tá meio ultrapassado, né? Coisa de adolescente. O lance agora é viver sem riscos. Nada de improvisos ou excessos. Sem essa de “alma”, pelo amor de Deus. É muita cafonice, quase um grito da Cindy Lauper, um total déjà vu.

É hora de limites e arestas, silêncios e espaços, menos “is the new black”. Portanto, meu amigo, organiza direitinho antes de mandar um áudio no WhatsApp. Vê se suas palavras passam no crivo das respostas que não dizem nada. Ou então, manda logo um emoji genérico. Um coração amarelo, uma folha suave, um passarinho fofo. Na dúvida, abstenha-se.

Já era para eu ter entendido que ser livre é uma propaganda de refrigerante, uma mentira embrulhada para maquiar o capitalismo

Talvez eu esteja sendo irônica. Ou apenas expondo minha luta com a maturidade. Porque é claro que a essa altura da vida, com tantas selfies acumuladas, já era para eu ter entendido que ser livre é uma propaganda de refrigerante, uma mentira embrulhada para maquiar o capitalismo. O certo é ser “calma” (e as aspas ficam como protesto para, quem sabe, desenvolver na terapia).

Uma das melhores coisas do tempo — e olha que a palavra nem sempre vem, assim, fácil e “azul” — é poder finalmente ser quem se é. Independentemente do que o mundo, ou a rua, ou os domingos em família dizem. Certo?

Sabe nada, inocente…Mais errado impossível. Quando decidi ser atriz, um pouco antes dos 20 anos, eu não tinha a menor ideia de que, além de estudar interpretação, eu teria que me especializar em conjugar um verbo muito caro a todas as mulheres: agradar. A gente tá caminhando, claro, mas posso falar? Ainda temos um leão por minuto. Essa é a letra das minas, por mais chocolates que apareçam.

De modo que quando eu vejo mulheres como a Ministra Carmem Lúcia, falando naquele tom — que peço a Deus todo dia para que uma hora seja o meu — falando de desinteligência artificial, sei lá, me dá vontade de chorar de alegria. Cate Blanchett, em Cannes, dando números do desequilíbrio de poder no cinema, idem. Anitta bancando sua religião em um clipe para milhões? Tô pedindo em casamento.

Eu apaguei a mensagem e logo me arrependi. Porque a minha voz é só o que eu tenho.
Você, também.

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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