COLUNA

Maria Ribeiro

Algumas existências são obras de arte em si

No dia em que o Brasil se despede de Preta Gil, penso na imensa sorte que tivemos de testemunhar sua força e aprender com suas falas

25 de Julho de 2025

A primeira vez que eu estive com a Preta — isso nos anos 90 — eu percebi, imediatamente, estar diante de um acontecimento. De um frame para sempre. Sabe quando você conhece uma figura marcante, e, na mesma hora, tudo em volta entra no cérebro? Como cena de filme, em um lugar da memória que o tempo não tira.

Estávamos em Olinda, com uma equipe de filmagem de uma campanha para a Fundação Roberto Marinho. Em meio a bonecos gigantes e dezenas de figurantes, iniciamos uma parceria que teria capítulos inusitados.

Nesse capítulo um, ainda sem intimidade, ela, como produtora, eu, como modelo de meia-tigela, não chegamos a ter grandes trocas, embora eu jamais vá esquecer de alguns diálogos. O primeiro, ainda no avião que nos levava do Rio ao Recife, onde, entusiasmada, ela falou do filho Francisco, ainda um bebê.

O segundo, já na labuta e debaixo de um sol de meio-dia, quando, com um misto de paciência e incompreensão, ela, em vão, tentou me ensinar a dançar o Maracatu (sem saber, obviamente, da minha total incapacidade com todo e qualquer movimento carnavalesco).

Coragem era com a Preta e, mais do que cantar, ela decidiu finalmente ser quem era. Quem sempre havia sido, quem sempre vai ser

Anos mais tarde, começamos a nos encontrar com frequência. Casada com um de seus ex-namorados e dividindo uma grande amiga, passamos a compartilhar um sentimento de cumplicidade que costuma juntar quem, entre tantas possibilidades de laços que a vida oferece, acaba optando pelos mesmos personagens.

A essa altura, Preta já tinha decidido cantar — o que, de cara, já era uma atitude de extrema coragem, visto que a comparação com seu pai seria inevitável. Mas coragem era com a Preta e, mais do que cantar, ela decidiu finalmente ser quem era. Quem sempre havia sido, quem sempre vai ser.

Hoje, dia em que o Brasil se despediu de seu corpo, a duas semanas do instante em que, há 51 anos, ela nasceu, penso na imensa sorte que tivemos, de testemunhar sua força e aprender com suas falas. Algumas existências, assim como grandes livros ou grandes filmes, são obras de arte em si.

Preta é uma obra de arte com nome próprio. Uma boneca gigante. Um farol a ser perseguido. E um amor maior que a morte.

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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