O Divo das Libras ressignifica a linguagem inclusiva
Dramático e colorido, o intérprete Daniel Thorn vem roubando a cena em festivais como Primavera Sound e Lollapalooza
Quando pensamos em tradutores de libras, as imagens que vêm à nossa mente são geralmente as de pessoas usando camisetas básicas, pretas, o semblante sério, os movimentos contidos. É exatamente por isso que a figura de Daniel Thorn, 37 anos, se destaca tanto onde quer que ele esteja trabalhando: olhares intensos ou mesmo desesperados, movimentos amplos com os braços e a cabeça e longas unhas pintadas — cores diferentes em cada mão — são algumas das marcas do rapaz que já ganhou um codinome: é o Divo das Libras.
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@splash_uol O maioral do festival 🤩 Daniel Thorn, intérprete de libras, roubou a cena no show do The Cure no #PrimaveraSoundSãoPaulo e viralizou nas redes sociais. A animação e entrega do intérprete pra apresentação da banda britânica deixaram todo mundo hipnotizado. “Eu tô sendo seduzida no show do The Cure”, disse uma tuiteira. 📹: angelica_al/Twitter #uol #uoloficial #splash #splash_uol #splashnoprimaverasound #thecure #entretênews ♬ som original – Splash
Thorn, nascido no Rio de Janeiro, conseguiu ofuscar em alguns momentos até mesmo a estrela principal do último festival Primavera Sound: suas interpretações das canções da banda The Cure, vistas em enormes telões, fizeram com que muita gente passasse a olhar para ele, em vez de mirar no vocalista Robert Smith. Resultado: uma leva de entusiastas do rapaz (como a atriz Mel Lisboa). No Instagram, o perfil @jaovem sintetizou, brincando: “o intérprete do show do the cure é a única esperança que temos de Oscar”.
O set list do Cure (quase três horas de show que o Divo e seu time precisaram encarar):
Com sua figura esfuziante, o intérprete, graduado e pós-graduado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trouxe um ponto importante do debate sobre a acessibilidade: a necessidade de uma maior diversidade entre estes e estas profissionais e, além disso, um entendimento mais amplo da qualidade e da força das interpretações para quem não escuta.
“Parabéns pelo trabalho. Não sabia se chorava pelas músicas, se assistia ao show ou se via a sua tradução em libras. Mil vezes parabéns por levar a inclusão a outro nível” (mensagem de uma fã no Instagram de Thorn)
“Eu uso meu corpo como uma imagem. Eu quero que as pessoas surdas curtam o show como todo mundo curtiu, como você curtiu”, me diz Thorn em uma conversa pelo Meet (eu, que estive no Primavera Sound, era uma das suas novas fãs). Seu interesse em estudar libras vem da infância, quando morou perto de uma igreja evangélica na qual havia uma comunidade de pessoas surdas. “Às vezes, era mais fácil do que aprender português”, lembra ele.
Um comentário comum sobre a sua apresentação no Primavera — ele ainda interpretou músicas de Beck, Carly Rae Jepsen, Cansei de Ser Sexy — é sua notável capacidade de traduzir em libras o que ouve em inglês. Para driblar esse desafio, sua parceira no festival lia as canções traduzidas enquanto Daniel tanto a ouvia quanto ouvia as canções sendo tocadas e cantadas ao vivo. Um trabalho delicadíssimo, mas que ele segurou bem. “O show do The Cure foi especial, porque gosto da banda, gosto do movimento gótico, então me entreguei, me emocionei. São músicas que têm relação com nossas alegrias, com nossos traumas”, diz ele, que trabalha para a All Dub, empresa de acessibilidade que mira na multiplicidade da população que acessa recursos como as libras.
Thorn — que também já dividiu o telão com Maria Bethânia, Caetano, Gilberto Gil, Emicida, Duda Beat, etc. — quer aproveitar o momento para chamar atenção não só para a necessidade da diversidade na interpretação das libras, mas ainda para a qualidade das performances que serão entregues ao público. Isso também depende de um tempo maior com o set list das músicas que serão executadas, para estudo e assimilação. “Mas às vezes recebemos a lista das músicas dez minutos antes dos shows”, revela.