Eu respiro fundo e clico no ícone de imagem sensível — Gama Revista
COLUNA

Luara Calvi Anic

Eu respiro fundo e clico no ícone de imagem sensível

O esforço de registro e denúncia por fotojornalistas e civis não para a guerra. Mas não registrar seria o cúmulo da inércia

09 de Novembro de 2023

Um mês de guerra. Você viu imagens horríveis. Eu também vi. Repetidamente até me dar uma pré-crise do pânico. Aí eu parei um pouco. Mas a guerra continuou. O que é minha pré-crise de pânico diante daquele menino tremendo e coberto de pó? Então, depois de uma pausa, voltei a ver aqueles vídeos.

Em 1999 foi lançado um livrão chamado “Century“. Um compilado de fotografias do século 20 – e de muitos conflitos. O livro tem 1120 páginas e quase seis quilos. Ali, o peso da história aparece em imagens de guerra que você tem a impressão de já ter visto. Não porque as conheça realmente, mas porque as escolhas dos fotojornalistas tinham uma certa repetição de enquadramento e temas — o tanque, o soldado, a trincheira, uma pessoa estilhaçada no chão, uma bandeira, as mulheres e crianças. O preto e branco de Robert Capa.

Agora vemos mais ângulos, mais gente regidtrando a catástrofe. “A guerra mudou ou foi a imagem de guerra que mudou?”, pergunta Arthur Lubow, no New York Times. “Muitos americanos já não consideram a guerra um empreendimento justo – e a fotografia de guerra desempenhou um papel na mudança da nossa perspectiva.”

Mudou mas o esforço de registro e denúncia por parte de fotojornalistas e civis não impede que a guerra continue a se repetir. Ainda assim, não registrar seria o cúmulo da inércia. “Isso, em Gaza, tem se tornado uma estratégia muito importante porque a imagem vocaliza a dimensão da violência que está acontecendo”, me disse Giselle Beiguelman em uma entrevista aqui pra Gama.

Entre não ver, e ver, eu respiro fundo e clico no ícone de imagem sensível. O problema é que, quando vemos demais, o resultado pode ser uma gradual falta de interesse. É quando viver em um mundo em guerra se torna normal. “Não podemos imaginar como é pavorosa, como é aterradora a guerra; e como ela se torna normal”, escreveu Susan Sontag no livro mais citado nos textos sobre imagens de guerra, “Diante da Dor dos Outros”.

No fim, ao ver esses registros penso muito na perpetuação do ódio como resultado desse conflito. Que, imagem após imagem, vai se consolidando a cada nova geração. Perdem os inocentes de hoje e do futuro.

Luara Calvi Anic é jornalista, editora-chefe da Gama revista, onde coapresenta o Podcast da Semana. Foi livreira, editora de cultura e comportamento da ELLE e de outros títulos da Editora Abril, repórter da Trip/Tpm e colaborou com Folha de S.Paulo e Marie Claire. Atualmente, cursa mestrado em ciências da comunicação pela ECA-USP

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação