CV: Bárbara Colen
Formada em direito e ex-funcionária do Ministério Público, a mineira apostou na carreira de atriz e, há sete anos, reúne sucessos no currículo, como o filme “Bacurau”
Em sete anos, a vida da mineira Bárbara Colen, 36, foi chacoalhada e deu uma grande guinada: formada em direito pela UFMG, ela deixou o trabalho estável como servidora do Ministério Público e entrou em uma montanha-russa, como descreve sua carreira de atriz.
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Logo no primeiro longa-metragem, “Aquarius” (2016), do diretor Kleber Mendonça Filho, filmado um mês depois de pedir demissão, ela interpretou a personagem Clara na juventude, vivida por Sônia Braga, e foi ao Festival de Cannes, onde participou de um ato político contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Após a estreia nas telonas, com direito a tapete vermelho internacional, Bárbara fez alguns outros filmes, como “Dia de Reis” (2018), de Marcos Pimentel, “No Coração do Mundo” (2019), de Gabriel e Maurílio Martins, e “Breve Miragem de Sol” (2019), de Eryk Rocha, até estourar com “Bacurau” (2019), numa nova parceria com Kleber Mendonça. A obra, codirigida por Juliano Dornelles, venceu o Prêmio do Júri em Cannes.
De lá para cá, a atriz participou das séries “Onde Está Meu Coração” e “Hit Parade”, ambas de 2021, e “Sentença” (2022), além de ter feito a sua primeira novela, “Quanto Mais Vida, Melhor!”, de Allan Fiterman, da TV Globo, finalizada em maio.
Apesar de tantos trabalhos exitosos em pouco tempo de currículo, ela não tira os pés do chão.
A carreira de atriz é isso: você faz projetos imensos, vai a Cannes e, meses depois, não tem dinheiro para o aluguel
No papo abaixo, Bárbara Colen fala à Gama sobre transição de carreira, altos e baixos da vida artística, sonhos profissionais e realizações.
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G |Como você migrou do direito, do emprego estável como servidora no Ministério Público de Minas Gerais, para a carreira de atriz?
Bárbara Colen |Depois de me formar em direito, passei sete anos trabalhando no Ministério Público (MP), levando uma vida quadradinha de concursada, com uma carreira estável, toda moldada para ficar para sempre ali. Mas quando completei 29 anos, tive um estalo e decidi que seria atriz. Nessa mesma época, eu me formei no curso do Cefar (Centro de Formação Artística) e resolvi fazer uma transição de carreira. Eu já tinha juntado um dinheiro porque sou doidinha, mas nem tanto [risos], e pedi demissão. Lembro que foi uma coisa maluca e especial. Marquei minha saída do MP para 20 de julho de 2015 e uma semana antes, no dia 13, recebi a ligação da produção do filme “Aquarius”, do Kleber Mendonça Filho, me chamando para integrar o elenco. Eu havia feito o teste em junho, mas estava desesperançada. Vi a oportunidade pelo Facebook, só tinha feito um curta-metragem como atriz., mas mandei meu currículo, até fiz um bom teste, saí de lá feliz, tranquila, porém, muito resignada, sabendo que não tinha a menor chance, e daí me chamaram. Fiquei tão feliz, senti que aquilo era uma confirmação de que eu estava no caminho certo. São esses sinais, essas sincronicidades que acontecem na vida. Fui chamada para um grande filme, para interpretar a personagem da Sônia Braga na juventude. Que ótimo sinal verde, né? Agora, estou com 36, já se passaram sete anos e, desde então, fiz muitas coisas, uma atrás da outra. Foi uma boa transição.
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G |Após a primeira experiência com o Kleber Mendonça Filho, você esteve em outros filmes, menores, como “Dia de Reis” (2018), e, em seguida, emplacou outro sucesso, “Bacurau” (2019), também de Mendonça, codirigido com Juliano Dornelles. Qual balanço você faz desse período?
BC |Pela experiência em “Aquarius”, fui convidada a fazer “Bacurau”. Um aspecto feliz da minha carreira é repetir parcerias. Eu geralmente volto a trabalhar com quem já trabalhei uma vez. Aposto muito nesse tipo de parceria artística porque é difícil encontrar criativos com quem você realmente se alinha e se dá bem, a pessoa fala, você entende, existe uma comunhão de propostas. Quando isso acontece, é ótimo, principalmente no ambiente do set de cinema, em que as coisas acontecem rapidamente. Entrar em um set tendo certa intimidade com as pessoas faz com que o trabalho já saia de outro patamar. Também comecei a fazer algumas produções mineiras, com o pessoal da produtora Filmes de Plástico, grandes parceiros de vida. Foi legal ir diversificando as coisas. Eu não queria ficar restrita a uma região. E, com o Kleber, foi uma loucura porque eu cresci no Recife. Morei lá dos 6 aos 13 anos, por conta do trabalho do meu pai. Então, tinha toda uma história com Pernambuco também. Foi um período muito definidor, da infância que eu tenho memória. Além disso, sinto que Pernambuco e Minas Gerais têm culturas complementares, são opostos que se complementam.
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G |Você foi ao Festival de Cannes com “Aquarius” em 2016, quando a equipe do filme fez um protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff e, três anos depois, voltou ao evento com “Bacurau”, obra que ganhou o Prêmio do Júri. Como foram esses dois momentos?
BC |Acho que a ignorância nos ajuda nesses momentos [risos]. Eu não tinha ideia de como seria, como funcionava um festival de cinema porque nem no Brasil eu havia ido a um. Cannes foi o meu primeiro. Quando fiz “Aquarius”, já tinha a sensação de que seria um grande filme, sentia por tudo ali, pela maneira como estava sendo feito, pelo Kleber, pela Sônia. Lembro que cheguei toda humilde no estilista, o Luiz [Cláudio Silva], da Apartamento 03, contando que iria para Cannes e perguntando se ele tinha uma roupa para mim. Eu estava totalmente sem grana, num esquema precário, um contraste que até tornou a experiência mais bonita. Aproveitei bastante o momento, o ato político que fizemos em Cannes foi muito forte. Os filmes do Kleber têm um timing perfeito de estreia. Tanto “Aquarius”, que saiu na época do impeachment da Dilma, e era um filme sobre uma mulher forte e toda aquela temática dele, quanto “Bacurau” depois. Além da grandiosidade de estar em Cannes, havia o sentimento de estar representando a cultura brasileira, de ver a nossa cultura sendo reconhecida naquele contexto, internacionalmente, num dos eventos cinematográficos mais importantes do mundo. Tive essa sensação sobretudo com “Bacurau”, um filme imenso daquele, e, ao mesmo tempo, no Brasil, tudo estava em destruição.
Além da grandiosidade de Cannes, havia o sentimento de representar a cultura brasileira. Ao mesmo tempo, no Brasil, tudo estava em destruição
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G |Como foi fazer televisão, na Globo, começando logo em um papel de destaque, a personagem Rose, da novela “Quanto Mais Vida, Melhor!”?
BC |Depois de cinco anos de cinema profissional, fazendo um filme atrás do outro, me veio o desejo de fazer uma novela. Primeiro, porque eu queria conhecer a linguagem, muito típica do Brasil, e entender a dimensão da TV, principalmente de chegar a um grande público. Um dia, conversando com amigos de Belo Horizonte, eles falaram: ‘Poxa, a média de exibição desse filme foi de 15 mil pessoas’. “Bacurau”, que foi um fenômeno, teve 700 mil espectadores no cinema. Com a novela, em uma noite, 20 milhões de pessoas assistem você, e elas te acompanham por meses. Eu sempre lembro de uma história que a Sônia Braga contou. Ela estava no Pará e estacionou de barco perto de uma casa de palafita, que tinha uma TV pequenininha, e quando ela viu, o pessoal estava ali reunido assistindo a uma novela dela. Essa imagem ficou na minha cabeça.
Com essa minha cara, com todo o meu tipo, a minha negritude, é muito importante estar na televisão também
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G |Quais são os grandes desafios da sua carreira?
BC |A carreira de atriz é uma grande montanha-russa. Gravei “Bacurau” em 2018 e, logo depois, fiquei completamente sem dinheiro. Estava sem trabalho e sem grana. Foi o primeiro momento da minha vida que isso aconteceu porque eu trabalho desde os 18 anos e já tinha minha independência financeira. Naquela época, eu fiquei sem dinheiro até para pagar o aluguel. Foi o momento de maior perrengue e bem depois de ter feito um grande filme. O que essa carreira traz para a gente é isso: você pode fazer projetos imensos, pode ir para Cannes em um ano e, meses depois, não ter dinheiro para o aluguel. Por isso, eu tenho os pés no chão e a consciência do quanto as coisas são transitórias. Tanto que, um ano depois, não parei de trabalhar um minuto: fiz a série “Onde Está Meu Coração”, do Globoplay, participei das pré-estreias de “Bacurau”, atuei em “Hit Parade”, série do Canal Brasil. De certa forma, esses problemas servem para a gente entender que as coisas não vão ficar ruins para sempre. O ator precisa ter calma, respirar. E, principalmente, ter projetos próprios para não trabalhar apenas quando alguém chama. É preciso ter outras coisas para além dessa grande espera por um casting, um projeto.
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G |Você já tem algum projeto próprio?
BC |Ajudei uma amiga com um roteiro, escrevi algumas cenas, e, agora, estamos tentando inscrever o material em editais. É um filme que eu quero muito fazer. A escrita ainda me intimida, tenho grande respeito por ela, mas sinto vontade de compartilhar as coisas que venho aprendendo com outros atores, as experiências e vivências de set. Não sei como faria isso, mas tenho um desejo. O Brasil tem pouca organização desses materiais, como livros de atores, cursos. Gostaria de desenvolver algo no âmbito da formação de atores, principalmente para a área do audiovisual porque eu, por exemplo, tive que aprender muita coisa na marra. Penso em escrever algo, organizar um podcast, de repente. Eu sou muito apaixonada pela atuação, por essa profissão, e fico querendo pensar sobre ela, falar mais a respeito, analisá-la.
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G |Você tem mentores na atuação?
BC |Eu admiro milhões de atores e atrizes, mas não tive nenhum mentor. Minha trajetória no audiovisual foi muito solitária. Fui aprendendo várias coisas errando, batendo cabeça. Apesar disso, me inspiro, sim, em algumas pessoas. O Irandhir Santos sempre foi uma grande referência. É muito louca e bonita minha história com o Irandhir. Quando saí do cinema após assistir à “História da Eternidade” (2014), eu olhei para o céu e falei comigo mesma que queria ser atriz e um dia dividir o set com ele. Isso foi em maio, em agosto eu estava no set de “Aquarius” com o Irandhir. Eu não consegui conversar com ele direito ali, mas na pré-estreia do filme no Rio de Janeiro a gente se sentou perto e, ao fim da sessão, ele veio até mim, me deu um abraço e me parabenizou. Eu trabalho para ser uma atriz como ele, no sentido dessa delicadeza, da atenção, do comprometimento. O Irandhir tem uma carreira muito coerente, ele sempre foi um norte para mim.
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G |A sua família te apoiou na transição de carreira?
BC |Meus pais são daquela geração da vida estável: casar, comprar um apartamento, ter um emprego para toda a vida. No início, eles tinham muito medo, mas entregaram para Deus porque viram que desde sempre eu tentei essa vida, fiz direito, trabalhei no Ministério Público e não rolou para mim. Tem uma hora também que os pais falam: “Vai, filha, ser o que você quiser na vida”. Quando eu me decidi de vez, eles me apoiaram demais. E as coisas foram dando certo, né? Imagina, a filha já começa em Cannes, toda linda, de vestido [risos]. Hoje os dois vibram, curtem. Minha mãe, sempre que pode, me acompanha nos festivais, conhece todo mundo, ela adora.
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G |Quais são os seus próximos passos profissionais?
BC |Estou filmando “O Silêncio das Ostras” em Minas Gerais. Não posso falar sobre o enredo, mas é um filme que me fez voltar a Minas. Está sendo muito forte andar pelo interior e ver tudo o que acontece, a destruição ambiental. É uma equipe pequena, um filme menor, esse cinema que eu gosto tanto de fazer, de entrar numa pequena vila, ficar conversando, e poder ser um pouco a cara daquelas pessoas ali, emprestar o corpo para ser um daqueles seres humanos do interior do Brasil. Uma experiência muito tocante, profunda e transformadora. Depois, acho que vou precisar de férias [risos]. No segundo semestre, deve estrear outro trabalho, o longa “Fogaréu”, da Flávia Neves, filmado em Goiás, em 2019. Estou ansiosa para ver a reação das pessoas porque estamos em ano eleitoral e “Fogaréu” fala sobre política e agronegócio. Além disso, estou esperando para ver se teremos a segunda temporada de “Sentença”, série da Amazon que adorei fazer. Ah, e estou maluca para fazer teatro, nunca fiz, só na escola. Como o cinema foi me tomando e o teatro exige uma presença maior, ainda não consegui, mas estou sentindo que logo vem. Acho que o teatro tem essa coisa de o ator ser o grande criador e estou com esse desejo de trabalhar mais na coisa artesanal, vamos ver.