Vale o hype?
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Ilustração de Luana Silva

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Reportagem

Como nasce um hype musical

Por trás de cada hit viral nos streamings e no TikTok, há método, marketing e dados — mas também talento, acaso e contexto. A indústria tenta decifrar o que faz uma música explodir, enquanto artistas buscam permanecer no topo

Ana Elisa Faria 12 de Outubro de 2025

Como nasce um hype musical

Ana Elisa Faria 12 de Outubro de 2025
Ilustração de Luana Silva

Por trás de cada hit viral nos streamings e no TikTok, há método, marketing e dados — mas também talento, acaso e contexto. A indústria tenta decifrar o que faz uma música explodir, enquanto artistas buscam permanecer no topo

De repente, uma música que ninguém conhecia está em todo lugar. É trilha de vídeo, trend de dança, meme e legenda de post. Em poucos dias, um refrão viraliza, o artista conquista milhões de plays e a canção vira um hit onipresente, do feed ao bar da esquina. Tudo parece espontâneo — mas raramente é.

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Nos bastidores, existe método: campanhas cuidadosamente orquestradas, acordos com influenciadores, investimentos em storytelling e monitoramento constante de dados. O hype, hoje, é um produto híbrido, feito de emoção e engenharia. É o ponto de encontro entre a criatividade artística e a precisão de um algoritmo.

Mas nem tudo se fabrica. Se o marketing cria o momento, só o público o transforma em movimento. É nessa zona cinzenta, entre o cálculo e as circunstâncias, entre a conexão genuína e o empurrão digital, que nascem os fenômenos musicais de uma era em que a atenção é volátil e o sucesso, cada vez mais curto.

Nesta reportagem, Gama mergulha nesse ecossistema para entender como se cria, se sustenta e se perde um hype musical. Produtores, jornalistas, pesquisadores e empresários ajudam a revelar o que está por trás dos números e a responder à pergunta central: o que faz uma música se tornar irresistível e o que a faz durar quando a maré viral recua?

Não existe fórmula (ainda bem)

“Se alguém tivesse a fórmula exata do sucesso, não existiria one-hit wonder”, diz Braulio Lorentz, editor de cultura do g1 e autor de “Baseado em Hits Reais” (Máquina de Livros, 2025), obra que resgata histórias de pessoas do meio que viveram o auge e depois sumiram das paradas. “Todo artista que lançasse um grande sucesso teria vários outros, mas isso não acontece. Na maior parte das vezes, há um declínio”, comenta.

Para Lorentz, o hype é uma combinação de talento, acaso e contexto — e a tentativa de copiá-lo costuma dar errado. O jornalista recorda o caso do empresário russo Ivan Shapovalov, criador da dupla t.A.T.u., formado por duas garotas que viviam um romance lésbico fake e cantavam sobre a rotina delas. “Após o fim do duo, ele criou projetos que seguiam uma fórmula parecida: hits eletrônicos, imagem forte, controvérsia. Como a cantora n.A.T.o., codinome de Natalya Shevlyakova, mas o projeto durou menos de um ano.”

No Brasil, Marina Sena é um exemplo recente de mudança de degrau. Quando lançou seu álbum de estreia, “De Primeira”, em 2021, a crítica amou, mas poucos acreditavam que a mineira faria tanto sucesso e já naquele disco. “A música ‘Por Supuesto’ viralizou no TikTok, e ela mudou de patamar. Hoje, é do primeiro time do pop brasileiro”, cita.

Se alguém tivesse a fórmula exata do sucesso, não existiria one-hit wonder

Lá fora, Amy Winehouse viveu algo parecido em 2007, no Coachella. A britânica foi anunciada na última linha do cartaz do festival californiano. Mas, meses depois, na hora do evento, conforme conta Lorentz, ela já subiu ao palco como a cantora mais hypada do mundo.

Fabricar relevância X construir carreira

Para o produtor Felipe Vassão, ganhador de vários prêmios do Grammy Latino — como o de melhor engenharia de gravação em 2024, por “Se o Meu Peito Fosse o Mundo”, de Jota.pê —, criar um hype é fabricar relevância. Ele é taxativo: “Odeio o termo hype”, diz. De acordo com Vassão, a expressão parece indicar que é possível fabricar emoção, quando não é.

Na visão do profissional, até existe a possibilidade de construir a importância de alguém no meio musical artificialmente, mas, ao fazer isso, o artista fica dependente da “estratégia”. “E se a música não se sustentar, no final ele só vai ter perdido tempo e dinheiro”, afirma.

Autenticidade é o que sustenta o comercial. Se você só entrega algo que se encaixa na tendência, vai desaparecer no meio da multidão

Investimento e impulsionamento, segundo Vassão, ajudam a colocar uma faixa no mapa, mas a permanência de criador e criatura no topo, ou ao menos no radar, depende de algo que não se compra: conexão verdadeira. “Você pode descarregar um rio de dinheiro num lançamento, mas se a música não ressoar com o público num nível ‘real’, o hype vai ser só hype. Mas mesmo assim a construção real sempre vai começar orgânica e baseada na emoção.”

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Vassão observa que o mercado se tornou dependente de ideias rápidas e descartáveis, em que músicos e redes sociais assumem o risco que antes era das gravadoras. “Autenticidade é o que sustenta o comercial. Se você só entrega algo que se encaixa na tendência, vai desaparecer no meio da multidão”, fala. Ele critica ainda o corporativismo da indústria, sistema que foi se desenhando desde os anos 1990.

“Até então existia uma abertura para experimentação e para investir em artistas que não davam lucro de cara, mas que construíram legado. Óbvio que rolavam sucessos estrondosos que pagavam a conta da gravadora, mas não existia uma mentalidade tão viciada em resultados”, pontua.

Muita coisa antiga que hoje é exaltada como obra-prima, frisa o produtor, nunca teria sido lançada se a métrica fosse a atual. “Tudo isso para dizer: artista tem que criar, transbordar sua verdade nas músicas e experimentar, e a gravadora que se vire para comercializar aquilo. O problema é que ninguém mais quer desenvolver uma carreira porque custa caro e leva tempo.”

O hype como percepção. E a percepção como produto

Doutora em sociologia pela Unicamp, consultora de relações institucionais da Associação Brasileira de Música e Artes, maior entidade de direitos autorais do Brasil, coordenadora do Instituto Abramus e diretora da Sonar Cultural Consultoria, Dani Ribas, analisa que hype é, antes de tudo, um fenômeno de percepção.

Ou seja, o que se busca não é, necessariamente, uma popularidade real, mas a sensação de que algo é popular. Segundo ela, as redes e as recomendações algorítmicas, “que não são exatamente transparentes”, amplificam essa impressão de onipresença, multiplicando conteúdos e criando a ilusão de que todo mundo está falando da mesma coisa.

As gravadoras conseguem perceber rapidamente uma curva emergente. O que é essa curva emergente? É a sinalização do hype

Ribas explica que atualmente os players do setor contam com sistemas sofisticados de monitoramento, como o Chartmetric, que rastreia tendências geolocalizadas e antecipa possíveis virais. “Essas plataformas compilam uma série de dados de diversas mídias ao mesmo tempo — redes sociais, YouTube, plataformas de música, etc. —, e as gravadoras que assinam programas do tipo conseguem perceber rapidamente uma curva emergente. O que é essa curva emergente? É a sinalização do hype.”

Pela geolocalização, a gravadora percebe de onde as movimentações estão vindo. E tentam, inclusive, contratar artistas antes que eles se deem conta do hype que já têm. Foi o que aconteceu com a jovem australiana Toni Watson, conhecida como Tones and I, relembra Ribas. Em 2019, a cantora, que fazia shows na rua, desbancou nomes como Ed Sheeran do topo das paradas de 15 países com o hit mundial “Dance Monkey”.

Estratégia sem desespero

A empresária Kamilla Fialho, presidente da K2L e CEO da Lyons Produções, que esteve por trás da ascensão de nomes como Anitta e Kevin O Chris, é categórica ao dizer que acredita mais no hype espontâneo do que no construído. Para ela, as plataformas são apenas meios de comunicação, não objetivos.

“Antes era a rádio, a TV, o flyer que eu entregava na rua; hoje é o TikTok e o streaming. Mas não dá para depender dessas plataformas e ferramentas. O artista tem de depender da arte, da música, do estúdio, do trabalho, do estudo e do show, que é um contato offline fundamental. Tem muito artista que está no hype e não faz show, e isso é perigoso”, lista Fialho.

Ela defende consistência e planejamento como antídotos ao imediatismo. Apareceu uma onda? Um morango do amor? A dica da especialista é seguir o que já havia sido planejado, sem mudar a rota para inserir esses elementos em uma música nova, só por colocar, por exemplo.

O artista tem de depender da arte, da música, do estúdio, do trabalho, do estudo e do show, contato offline fundamental

“O artista, quando acha que não está acertando uma música, começa a olhar o TikTok e tem a sensação de que é o único que não está criando para lá. Só que ele não precisa fazer música para aquilo. O TikTok vai aderir à sua música caso ela caiba. Não é fazer música para o TikTok, é fazer para o público, que eventualmente está lá”, diz.

Plataformas, nichos e as camadas do sucesso

Para a jornalista musical Isabela Yu, editora da revista NOIZE, o hype mudou de lugar. “Antes, um grupo de jornalistas falava de uma banda, e aquilo se espalhava por outros meios”, comenta. “Hoje, o algoritmo entrega certos tipos de conteúdo para mais pessoas quando entende que há interesse.” No TikTok, um pedacinho de música pode bastar para transformar um desconhecido em fenômeno.

Com a velocidade da internet, o hype é extremamente passageiro. O que era trend ontem não é hoje

“É por isso que surgem músicas que viralizam e você nunca ouviu falar delas ou dos artistas. Mas elas têm três segundos perfeitos para uma trend, e isso escala muito rápido”, descreve. Yu cita como exemplo “Acorda, Pedrinho”, do Jovem Dionísio, que marcou um momento e, ao mesmo tempo, se tornou um rótulo complexo de superar. “É muito difícil para os artistas transcenderem isso porque, com a velocidade da internet, o hype é extremamente passageiro. O que era trend ontem não é hoje.”

O sucesso atualmente, grifa, é construído por frentes diversas: o artista, a equipe de marketing, as plataformas. Tem a estratégia de divulgação, as dancinhas, as parcerias. Ela menciona a britânica Charli xcx com “Brat”. “Tinha a música, o visual, as coreografias, celebridades fazendo lip sync. As coisas têm mais camadas hoje”, fala.

Quem faz o hype — e quem o sustenta

As gravadoras continuam essenciais como amplificadoras de investimento e dados; as assessorias, como tradutoras da identidade artística; as redes, como vitrines; e os empresários, como estrategistas de longo prazo. Mas o público é quem sela o destino. “O único número que importa é o número de pessoas que você consegue arrastar para uma apresentação”, reforça Felipe Vassão. “Sejam cem, 500 ou 50 mil pessoas. Foca em construir isso com o que você tem para oferecer.”

A engrenagem, no entanto, segue complexa. “Hoje as playlists são o que as rádios foram”, lembra Braulio Lorentz. “Há artistas que pagam para entrar nelas ou fazem acordos (para estar em eventos ou lançar conteúdo exclusivo) com plataformas de streaming. Isso seria uma atualização do jabá, quando se pagava para ser bem tocado em rádios.”

Yu aponta também para os fãs, que ajudaram a moldar esse cenário. “Os fandoms entram em batalhas para brigar pelos seus artistas favoritos”, conclui.

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