Vale o hype?
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Ilustração de Isabela Durão

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Reportagem

Labubu é coisa do passado? Entenda o fenômeno das trends relâmpago

Cada vez mais numerosos, hypes como o boneco adoravelmente feioso e o morango do amor tendem a sumir tão rápido quanto surgiram

Leonardo Neiva 12 de Outubro de 2025

Labubu é coisa do passado? Entenda o fenômeno das trends relâmpago

Leonardo Neiva 12 de Outubro de 2025
Ilustração de Isabela Durão

Cada vez mais numerosos, hypes como o boneco adoravelmente feioso e o morango do amor tendem a sumir tão rápido quanto surgiram

Labubu em crise. Caem as ações da PopMart, empresa chinesa responsável pelo boneco. Fundador perde US$ 6 bilhões com queda na demanda. Alguns meses atrás — quando os bonecos simpaticamente feios dominavam as redes, o imaginário da população e as bolsas das celebridades —, manchetes como essas pareciam impensáveis. Mas elas são a mais recente realidade num mundo em que os Labubus já começam a derrapar para longe dos holofotes, vítimas não só da queda no interesse como de uma certa saturação, sem falar nas falsificações que seguem se multiplicando

E não são os únicos. Qual foi a última vez que você comeu ou mesmo ouviu falar do morango do amor? Uma rápida pesquisa no iFood hoje já traz uma quantidade infinitamente menor de opções dessa que foi a mais recente e estrondosa das febres na confeitaria brasileira.

A história pode parecer nova, mas na verdade é bem antiga. Um novo produto surge de forma arrasadora e, de repente, todo mundo precisa daquilo desesperadamente. As vendas explodem, os criadores ficam riquíssimos da noite para o dia… e, aparentemente do nada, tudo acaba. Até os protagonistas dessas tramas se assemelham.

O fenômeno Labubu já foi comparado à febre do Furby no final dos anos 1990. Os livros de colorir Bobbie Goods, que hoje alavancam o mercado editorial no país, refletem o que aconteceu com a série Jardim Secreto na metade da década passada. E no morango do amor dá para enxergar uma repetição das paletas mexicanas, que viraram sonho de consumo há cerca de dez anos. Só que, quando centenas de casas dedicadas ao doce inundaram o mercado, o interesse já estava minguando.

Como explicar o que leva esses fenômenos culturais da ascensão meteórica à queda brusca no interesse? O que gera a lógica embutida no hype, que tende a fazer tanto barulho para logo deixar um buraco negro no lugar que antes ocupava?

Diferentemente de uma tendência real da sociedade, o sociólogo do consumo Fábio Mariano Borges define o hype como uma febre que começa lá entre os 37ºC e pode até chegar aos 41ºC — mas que inevitavelmente vai se desvanecer ou vitimar o adoentado.

“O hype é um movimento típico de uma sociedade de consumo, ao qual as pessoas aderem muito rapidamente. Em geral, é um item com valor razoável, nem muito caro nem muito barato, porque precisa gerar um certo prestígio momentâneo, uma sensação de distinção”, descreve o sociólogo.

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O mapa do sucesso

Há vários fatores que explicam fenômenos como esses, aponta o professor da ESPM de psicologia e neurociência aplicada aos negócios, Alexandre Michels Rodrigues. A atração inicial, por exemplo, está ligada ao nosso sistema dopaminérgico, aquele caça-recompensas que funciona à base de dopamina, e “gera excitação, sensação de conquista e pertencimento”, explica.

De outro lado, o que entra em ação é uma palavra que também virou uma tendência por si só: FoMO, o medo de ficar de fora. “Ele impacta no efeito manada. Se todo mundo está querendo, alguma coisa deve ter de especial, e eu também preciso estar nesse grupo”. Portanto, comprar um boneco ou provar a mais nova iguaria da moda é como ganhar um crachá de acesso que nos faz sentir pertencentes a algo maior.

Você precisa conseguir explicar em 10 ou 15 segundo para viralizar

Segundo o professor, há uma regra de ouro para que exemplos como esses façam sucesso: ser o mais simples possível. Além de visualmente atrativos, o Labubu ou o morango do amor são facilmente compreensíveis, despertam memórias afetivas apesar de sua aura de novidade, e são muito fáceis de postar e reproduzir nas redes.

“Você precisa conseguir explicar em 10 ou 15 segundo para viralizar”, complementa o consultor econômico e professor de economia da FIA Carlos Honorato. “É uma linguagem universal, você não precisa explicar muito. Ele gera um tipo de viralização lógica que é como um meme, fácil de distribuir e viralizar”, diz Rodrigues.

Para Honorato, as redes sociais hoje são essenciais na hora de fortalecer qualquer hype — afinal, por lá gerar seguidores, engajamento e identidade é o objetivo principal. O docente afirma também que o hype no caso do Labubu, que surgiu na companhia de celebridades como Dua Lipa, Rihanna e Virginia, tem tudo a ver com status social. Além disso, o boneco veio embrulhado numa outra trend importante: a das blind boxes, com diversos influencers fazendo vídeos em que se surpreendiam ao descobrir quais modelos tinham recebido.

Ainda que caros e, no caso brasileiro, necessariamente importados, os bonecos são até acessíveis para parte da população, o que evita torná-los distantes ou exclusivos demais. São, portanto, um luxo ao alcance de muita gente. Honorato reforça que, mesmo para quem não tem condições financeiras ou um desejo tão ardente de botar as mãos no boneco, logo também ficou fácil adquirir uma cópia falsificada pela internet ou em lojas alternativas, dada a proliferação de “Lafufus” e similares.

A escassez é uma coisa que gera impacto. Quem compra um pirata está reafirmando o desejo pelo original e  cria mais valor

“No marketing, a escassez é uma coisa que gera impacto. Então, quem compra um pirata também está reafirmando o desejo pelo original e acaba criando até mais valor, explica. Em comum, boa parte dessas trends compartilha uma estratégia afiada de marketing. Mas além disso, também há um outro fator imprescindível: a aleatoriedade. “Por mais que você siga todo um mapa de regras, tem sempre esse componente aleatório. Se alguém descobrir a fórmula do hype, me conta, porque eu ainda não consegui”, admite Honorato.

In a Barbie world

Cores, referências pop e design infantilizado. Muitos dos produtos que viram hype hoje, como o próprio Labubu, integram uma estética repleta dessas características, que ficou conhecida como kidult — sim, unindo as palavras em inglês para criança e adulto. Uma tendência que o criador de conteúdo e consultor do universo do consumo Alexandre Felix associa a uma suposta síndrome de Peter Pan que caracteriza a sociedade atual.

“As pessoas estão envelhecendo de forma diferente. Hoje o jovem de 30 anos não é mais aquele dos anos 1970 ou 1980. A adolescência vai até mais tarde. É o fenômeno da jovialidade permanente, em que as pessoas querem ser jovens para sempre — até porque a gente está vivendo mais”, explica Felix, que fala sobre a lógica do consumo e o mercado de sneakers no perfil @sneakersmobproject.

Um fenômeno que conversa com questões como a nostalgia, que faz ressurgirem com nova roupagem produtos outrora exclusivamente infantis. O criador de conteúdo cita a versão live action da animação “Lilo & Stitch” (2002), agora voltada para um público que cresceu rodeado de bonecos do simpático alien azulado e frases emblemáticas da trama (“Ohana quer dizer família…”). “A comunicação em torno do filme não foi criada para crianças, mas para adultos que gostam e continuam consumindo aquilo”, aponta.

O enorme burburinho em torno do filme “Barbie” (2023), que encapsulou temas bastante adultos numa embalagem pop e multicolorida, é outro caso que entra para a lista. Para o sociólogo do consumo Fábio Mariano Borges, a repercussão do longa é um exemplo claro de hype. “É sempre algo muito atual, que fala de coisas de agora, que pega o espírito do momento”, diz.

Assim como o chinês Labubu, boa parte desses produtos hoje tem origem na Ásia — em especial no Japão. É o que explica o renovado sucesso das cartas Pokémon décadas após o auge do desenho, assim como bonecos e pelúcias de alguns dos animes mais populares. E nem as bebidas alcoólicas escaparam da lógica dos kidults. Uma colaboração recente do champagne Dom Pérignon com o artista japonês Takashi Murakami resultou em garrafas decoradas com flores sorridentes e multicoloridas, no estilo que virou marca do artista.

Tudo em você é fugaz

Dos dramas às comédias românticas, quase todos os roteiros do audiovisual incluem aquele momento da queda, carinhosamente conhecido como “all is lost” [tudo está perdido]. É quando o mocinho chega ao fundo do poço ou a relação entre o casal que a gente shippa parece sem volta. Na grande maioria dos hypes, a queda também existe. Só fica faltando mesmo o final feliz.

A perda inevitável do interesse é o que separa uma tendência verdadeira de um hype, como explica Borges. Enquanto o primeiro tem ideias mais fortes por trás, e por isso acaba permanecendo, o hype é uma onda que em algum momento deve se chocar contra a areia. “Ele não é uma tendência porque não corresponde a nenhum modelo mental disruptivo ou inovador, que vai gerar novos comportamentos”, acrescenta.

Borges cita os tempos líquidos de Bauman como exemplo, mas com um twist. “Hoje o hype é tão fugaz que não é mais nem líquido, porque o líquido a gente ainda consegue agrupar num recipiente. Eu diria que ele é gasoso, se desfaz muito rápido.”

Assim como as cartas Pokémon ou aquelas figurinhas de jogadores de futebol que ressurgem a cada Copa do Mundo, os Labubus já existiam havia algum tempo — eles começaram a ser fabricados em 2019 —, mas só recentemente romperam a bolha, afirma Felix. Segundo ele, o que deve acontecer após a perda de popularidade não é que o boneco vai sumir da face da Terra, mas sim voltar ao nicho ao qual pertencia originalmente: o de colecionadores de artes e brinquedos.

A graça, a grande característica e a perversidade do hype é justamente a curta duração

Outro ponto que pode explicar a queda é que esse tipo de produto tem um valor estético e emocional muito superior ao funcional, que aqui praticamente inexiste “Todo produto precisa equilibrar as duas coisas. Veja, por exemplo, uma Ferrari, que tem um alto valor emocional, mas também tem a função de te levar de um lugar a outro”, aponta Rodrigues. O professor de neurociência destaca ainda a necessidade de continuar inovando para além do modelo original, de forma a mostrar de maneira contínua porque aquele produto segue relevante.

Por esses fatores é que é tão difícil transformar o hype em algo além: uma marca forte e um produto duradouro, capaz de permanecer no imaginário popular por anos, décadas ou séculos. Pense no exemplo na Coca-Cola, que poderia muito bem ter ficado no passado como uma novidade doce e esquecível. Resta saber se o Labubu, o morango do amor, os livros Bobbie Goods e outros hypes recentes conseguirão realizar salto parecido em direção à relevância.

“Passado o hype, aquele produto precisa se sedimentar. Então, já não é mais hype, virou uma outra coisa”, considera Borges. “Porque o hype é isso. A graça, a grande característica e a perversidade dele é justamente a curta duração.”

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