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Conversas

Maria Prata: “Somos reféns dessa máquina de vender coisas chamada rede social”

A comunicadora aponta possibilidades para um futuro em que as tendências devem se acelerar ainda mais

Tereza Novaes 12 de Outubro de 2025

Maria Prata: “Somos reféns dessa máquina de vender coisas chamada rede social”

Tereza Novaes 12 de Outubro de 2025
Foto: Divulgação

A comunicadora aponta possibilidades para um futuro em que as tendências devem se acelerar ainda mais

Se você estava no planeta Terra nos últimos meses, certamente sabe o que é o Labubu, um bichinho feio para pendurar na bolsa; o Bobbie Goods, um livro de colorir com desenhos fofos; e o morango do amor, a fruta envolvida em caramelo vermelho, perfeito para destruir os dentes. E, mesmo que você fosse um astronauta fora de órbita, não faria tanta diferença assim, desde que estivesse nas redes sociais.

Essas três modas se tornaram onipresentes no mundo digital e, com a mesma rapidez que se tornaram incontornáveis, tiveram o seu fim decretado. Para a comunicadora Maria Prata, esses exemplos são sintomáticos dos nossos tempos, de múltiplos e efêmeros hypes.

A jornalista dirigiu a revista “Harper’s Bazaar Brasil”, esteve à frente do programa “Mundo S/A”, na GloboNews, coordenou projetos de inovação e tendência em diferentes frentes do mercado, e é hoje colunista do UOL e sócia da agência criativa Out of Office.

“Antes, as tendências de consumo poderiam valer por até dois anos e marcavam uma geração. Agora, há modas que duram literalmente uma semana”, afirmou em entrevista à Gama.

Impulsionada pelos algoritmos, as tendências redefiniram não apenas o mercado da moda e da beleza, mas também a forma como nos relacionamos com os outros, como lidamos com o pertencimento a um determinado grupo e a construção da nossa identidade.

Nesta entrevista, Maria Prata analisa o poder das plataformas, “verdadeiras máquinas de vender”, das quais é quase impossível escapar, e aponta possibilidades em um cenário que, ela prevê, deve se acelerar ainda mais. A comunicadora defende também que o consumo consciente pode se converter em ato de resistência — e, da mesma forma que o voto, uma contribuição individual capaz de mudar o mundo.

Se votarmos certo, conseguimos mudar um pouco o mundo. Se comprar certo, também. Quanto mais consciência tivermos, mais vamos conseguir frear o consumo

  • G |O que caracteriza algo se tornar uma tendência hoje — e como isso difere das modas ou febres das eras pré explosão das redes sociais?

    Maria Prata |

    Tendências de consumo eram muito mais longas, com ciclos mais duradouros. Na moda, as mudanças de estilo eram de seis em seis meses e em outras áreas de consumo, como maquiagem, elas duravam até mais do que isso. A grande diferença da pré-rede social para agora é a velocidade. As tendências foram aceleradas de um jeito nunca antes visto, e esses ciclos, absolutamente diminuídos. O que faz elas também perderem a força, porque sobem – e descem – na mesma velocidade, muito rápido. As tendências que antes valiam por um ano, às vezes, dois, eram capazes de marcar uma geração, uma época. Hoje, vemos tendências que duram literalmente uma semana. Então, acho que esta era será conhecida como a dos “cores” [sufixo usado para nomear tendências, como Barbiecore, por exemplo] não importa qual ele seja.

  • G |É possível dimensionar a importância do algoritmo hoje para a construção de tendências? Dá para fazer algo se tornar relevante sem começar pelas redes?

    MP |

    O algoritmo é muito fundamental para a construção de tendências. Isso fica muito claro quando a gente fala de política. É só olhar para a onda da extrema-direita, com todos os donos dos algoritmos sendo personagens da extrema-direita. Dá para fazer algo se tornar relevante sem começar pelas redes? Sem começar por elas, sim, mas tudo hoje necessariamente passa pelas redes. Não conseguimos mais dividir o que é online do que é offline. A moda da ginástica olímpica para meninas é um bom exemplo. A geração que acompanhou o nosso time vencedor na Olimpíada, está louca para fazer ginástica artística, nunca houve tanta procura por aulas dessa modalidade. Vejo isso na minha casa, minhas filhas amam e entendo que faz parte de uma geração inteira que se inspirou por aquelas meninas. E essa febre, que começou no offline, foi absolutamente impulsionada pela força das redes sociais. Acompanhamos o backstage da vida dessas ginastas – uma fazendo o uniforme, a outra passando batom etc. Elas viraram personagens muito fortes destes tempos. Então, acho que dá, sim, para algo se tornar relevante sem começar pelas redes, mas é impossível hoje alguma coisa ser isolada desse mundo digital.

  • G |Como você vê o caminho de um hype? Onde ele começa e onde termina? Ainda temos grupos que quando adotam é garantia de sucesso, como as “it-girls” do passado?

    MP |

    Não conseguiria delimitar dessa forma, de começo e fim, porque o que nós vemos é uma tendência nascer a partir de inúmeros fatores diferentes: há uma configuração social, um desejo coletivo e, às vezes, algo que nem sabemos, mas que acaba aparecendo quando aquilo vira tendência ou quando a coisa bomba. Hoje, esses hypes podem ser mais macros, como o Labubu, o Bobbie Goods e o morango do amor, que extrapolaram todas as bolhas, com todo mundo falando sobre eles, até os absolutamente específicos, pertencentes a grupos e nichos. E nicho não precisa ser um grupo pequeno, pode ser um nicho com milhões de seguidores, de participantes. Há muitos influenciadores que a gente nunca ouviu falar com milhões e milhões de seguidores. Temos ainda os grupos que, quando adotam algo, é garantia de sucesso, como eram as “it-girls” do passado – antes, elas tinham um papel mais macro e falavam com todo mundo. Hoje, pensando de novo em nichos mais delineados e restritos, temos os microinfluenciadores, com muito poder de retorno porque geram conversão, ou seja, fazem com que as pessoas passem a comprar um produto. Já os grandes influenciadores produzem “brand awareness”, eles fazem com que todo mundo conheça uma marca. Por isso, do ponto de vista publicitário, é muito importante que as marcas desenvolvam suas estratégias conhecendo bem o seu público alvo, para quem eles estão olhando, para entender como lançar seus produtos.

Os microinfluenciadores têm muito poder de retorno porque geram conversão, ou seja, fazem com que as pessoas passem a comprar um produto

  • G |Como vê a moda inserida nesse novo tipo de consumo, mais acelerado?

    MP |

    Os mercados de moda e beleza foram dois dos mais impactados pelas redes sociais. Primeiro a moda, com o que a gente chamou de “democratização da moda” – antes, o conhecimento da passarela até o consumidor final, era muito “top down”. Saía da passarela e passava pelos jornalistas, que assistiam os desfiles e editavam as revistas dos próximos seis meses, trabalhando em cima daquelas tendências. Os consumidores compravam as revistas e iam até as lojas, era assim que as tendências chegavam às ruas, até que outras fossem lançadas de novo para os próximos seis meses. Com a internet, o acesso a essas imagens de passarela passou a ser imediato para todos, não só para os jornalistas. Ao mesmo tempo, vimos os influenciadores entrando nos desfiles e postando loucamente.

    O desejo de consumo se acelerou muito, ninguém quer mais esperar seis meses para uma coleção estar na loja, as pessoas precisam consumir já. As marcas foram colocando coleções com muito mais rapidez nas vitrines. O fast fashion ganhou muito destaque, porque eles conseguem colocar peças novas semanalmente, às vezes, diariamente nas araras. Esse ciclo de consumo da moda foi muito acelerado e o mesmo aconteceu com o mercado de beleza. Esse ciclo de trabalho da moda que era semestral foi substituído agora por essas tendencinhas de TikTok, que também duram semanas, como Tomato Girl, Latte, todas essas “aesthetics”, que a gente vê nascer e morrer com muita rapidez.

  • G |Vamos ter uma “even faster fast fashion”?

    MP |

    Já temos as “even faster fast fashion”, que são as redes de “ultra fast fashion”, como Shein e Temu, que estão atropelando, inclusive, as de fast fashion, vendendo produtos com muito mais rapidez, muito menos qualidade e a preços muito baixos – justamente porque elas não jogam limpo nem seguem as regras.

  • G |Nesse contexto de tanta velocidade, como fica a tendência de um consumo mais consciente?

    MP |

    Hoje, há duas forças antagônicas operando de forma intensa. Uma é a necessidade de um consumo consciente. Já há muita informação sobre a crise climática e pesquisas indicam que todo mundo sabe que ela é real e causada pelo homem. Essa consciência cresceu ao mesmo tempo que as redes sociais. As redes, por sua vez, construíram tecnologias capazes de anunciar para mais gente e com mais rapidez, tornando o consumo rápido e fácil, sem atrito. Ao que parece, as redes sociais não vão nos salvar de nada, muito pelo contrário. A única coisa que pode nos salvar é a consciência de que existe uma força gigantesca, uma indústria bilionária, por trás das redes sociais, que nos fazem ter vontade de consumir. Então, a cada palito que você for comprar, é bom se lembrar disso, porque a partir daí, talvez, a gente consiga consumir de uma maneira um pouco mais consciente.

O que pode nos salvar é a consciência de que existe uma força gigantesca por trás das redes sociais, que nos fazem ter vontade de consumir

  • G |O que a enxurrada de microtendências revela sobre os nossos tempos?

    MP |

    Revela que estamos completamente viciados em rede social e em sermos impactados com anúncios o tempo inteiro. Somos reféns dessa máquina de vender coisas chamada rede social, com a facilidade de comprar tudo em um clique e a sensação de que, se não comprarmos, vamos perder e ficar de fora – a gente não vai ser tão legal quanto a pessoa que eu estou vendo que já comprou. O cérebro humano não estava preparado para essa “brincadeira” das redes sociais, de eu tenho, você não tem, ou eu sou, você não é. Estamos comprando loucamente para ser igual aos outros.

  • G |O consumo da Geração Z é maior ou o foco que é diferente? Atraí-la é mais fácil ou mais difícil?

    MP |

    ⁠Não tenho dados para afirmar se eles consomem mais, mas tenho certeza de que a Gen Z consome com muito mais rapidez, está muito mais acostumada a consumir em um clique, enquanto gerações anteriores, talvez pensem um pouco mais, talvez gostem de ir ao ponto de venda para conhecer um pouco melhor o produto. Se atraí-la é mais fácil ou mais difícil, também é difícil de responder porque são muitas camadas, como atrair para que lugar, para qual marca e com qual estratégia.

  • G |O que fenômenos como o Labubu nos dizem sobre desejo e consumo?

    MP |

    É mais um fenômeno dentro dessa enxurrada de microtendências. Vivemos a inveja da grama alheia, do Labubu alheio. De alguma maneira, o gatilho pode ser um vídeo específico de um influenciador, ou vários vídeos ao mesmo tempo de um grupo, às vezes, é um tiro de canhão de um mega influenciador e aquela tendência, por algum motivo, explode com muita rapidez. O algoritmo, que não é bobo nem nada, entende o poder daquilo, ainda mais se a empresa que faz o produto a ser vendido está pagando, aquele produto vai ser muito mais anunciado. Então, estamos consumindo loucamente, sem pensar, só porque vimos alguém consumindo. Depois aquilo vai se acumular em casa, a pessoa vai olhar e pensar em tudo o que comprou. E aí? É só um vazio enorme, que nunca vai ser preenchido.

  • G |O que você vê como tendência para o consumo das próximas décadas?

    MP |

    É aquela pergunta de US$ 1 milhão. Se alguém disser que sabe, duvide, questione. Acredito que isso ainda vai se acelerar mais, mas a gente pode e deve ficar cada vez mais consciente das nossas escolhas. É um pouco como votar. Se votarmos certo, conseguimos mudar um pouco o mundo. Se comprar certo, também. Quanto mais consciência tivermos, mais vamos conseguir frear o consumo. Agora, se a gente vai ter essa consciência com a inteligência artificial chegando com força e impactando todos os mercados possíveis, isso são cenas dos próximos capítulos.

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