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Ler, ouvir, ver10 livros recentes sobre os horrores da ditadura no Brasil
Um grande clássico sobre a luta contra a opressão, uma HQ francesa e até livro para os pequenos… veja o que ler nestes 60 anos do golpe
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10 livros recentes sobre os horrores da ditadura no Brasil
Um grande clássico sobre a luta contra a opressão, uma HQ francesa e até livro para os pequenos… veja o que ler nestes 60 anos do golpe
Nestes 60 anos do golpe militar de 1964, o assunto já foi alvo de um riquíssimo acervo de estudos, filmes, telenovelas, obras de arte, programas de TV, podcasts e, é claro, de uma vasta literatura, seja por meio de um tratamento ficcional ou histórico. Num ano que marca a distância de seis décadas do início de um longo período de repressão política, policial e social no país, mas também um recrudescimento da censura na arte e até a sobrevivência de um saudosismo em relação aos mais de 20 anos da ditadura no Brasil, a produção literária continua viva, abordando de forma ampla esse capítulo traumático da nossa história.
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Além de obras como “Rebeldes e Marginais” (Bazar do Tempo, 2024), de Heloísa Teixeira, e “A Torre” (Companhia das Letras), de Luiza Villaméa — abordadas em outros textos nesta Semana especial sobre o tema —, Gama traz outros dos grandes lançamentos literários recentes que tratam do período ditatorial brasileiro.
Seja a revisita a um clássico sobre o golpe, uma história em quadrinhos com um olhar de fora sobre o período e até um conto familiar baseado em memórias reais, voltado para os mais jovens, confira as obras escolhidas a seguir.
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“A máquina do golpe, vol. 1: Engrenagens militares e apoio externo”
de Heloísa Starling (Companhia das Letras, 2024)
Para abrir a lista, nada mais relevante do que o primeiro livro da nova série da historiadora Heloísa Starling, uma das maiores autoridades quando o assunto é a ditadura brasileira. E, no volume de estreia, a autora mergulha de cabeça na mobilização nacional, política e militar que levou ao golpe de 1964. A obra transita pelas movimentações de governadores em todo o Brasil na época, a articulação entre políticos e militares e também a participação política crucial dos Estados Unidos, personificada nos esforços anticomunistas do embaixador Lincoln Gordon (1913-2009). A partir de acontecimentos como esses, Starling explora nos mínimos detalhes os tijolos que ajudaram a construir o movimento de derrubada de João Goulart (1919-1976) da presidência, pavimentando o caminho para uma ditadura militar que durou 21 anos.
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“Tempos Extremos”
de Míriam Leitão (Intrínseca, 2024)
Que mistérios uma antiga fazenda escondida nas serras de Minas Gerais pode guardar? E como sua própria história espelha uma trajetória de exploração, injustiças e autoritarismo que caracteriza a construção do Brasil? A nova edição comemorativa do romance de estreia da jornalista e escritora Míriam Leitão, finalista do Prêmio São Paulo de 2015, refaz uma linha direta entre duas das maiores feridas da história do país: a escravidão e a ditadura militar. Na pele da protagonista Larissa, o leitor se vê cada vez mais imerso no passado de uma família dividida por conflitos afetivos e políticos, numa jornada que perpassa os tormentos dos escravizados e as torturas nos porões da ditadura. Marcas que sobrevivem ainda hoje na sociedade, até mesmo nas relações entre pais e filhos, entre irmãos e irmãs.
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“Na Corda Bamba: Memórias ficcionais”
de Daniel Aarão Reis (Record, 2024)
Pesquisador e professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense, Daniel Aarão Reis se lança pela primeira vez na ficção em “Na Corda Bamba”. Mas faz isso numa jornada que deve muito à própria memória do autor como ex-integrante da luta armada. Dividida em três segmentos — ditadura, exílio e retorno —, Reis reconstitui na obra as experiências de uma geração de jovens que viveram as repressivas décadas de 1960 e 1970 num Brasil militarizado. Na pele de personagens contra ou a favor do golpe, seja aqui no Brasil ou exilados em lugares como Argel, Paris ou Havana, essa série de contos, que carrega muito de autobiográfica, devolve à luz do dia as dores de uma geração em que sonhos e ideias foram parar no subterrâneo.
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“Chumbo”
de Matthias Lehmann (Nemo, 2024)
Publicada primeiro na França, a elogiada obra do quadrinista Matthias Lehmann faz muito mais do que recontar a história da ditadura no Brasil para um público internacional. Encarnadas nos membros da família Wallace, o autor recria através do microcosmos de uma cidadezinha do interior de Minas Gerais as dinâmicas do autoritarismo à brasileira ao longo do século 20. Com tradução de Fernando Scheibe e Bruno Ferreira Castro, a graphic novel em parte inspirada na história da família de Lehmann — em especial do tio, o escritor mineiro Roberto Drummond — constrói uma saga familiar de destinos que se afastam e se entrecruzam ao longo dos anos. No centro, dois irmãos que não poderiam ser mais diferentes: um apoiador do regime militar e um militante de esquerda, jornalista e escritor. Usando como inspiração a publicidade, as caricaturas e o design gráfico típico do período, Lehmann mescla vida pessoal e uma sociedade em profunda crise para narrar um relato histórico impactante e aterrador.
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“Era uma Vez um Quintal”
de Andreia Prestes (Pallas, 2023)
O quintal de uma casa de família aparentemente comum se transforma rapidamente de um ambiente cheio de vida, planos e brincadeiras de crianças para algo totalmente diverso. Escrito por Andreia Prestes, neta de Luís Carlos Prestes e João Massena Melo, o livro infantojuvenil conta a história do segundo, dirigente do Partido Comunista Brasileiro desaparecido durante a ditadura militar. Deixando de ser um lugar alegre, ponto de encontros familiares constantes, o quintal da casa dos avós se transforma numa rota de fuga e também captura para Melo em meio ao endurecimento do regime. Foi por ele que, certo dia, os “homens maus” levaram o avô de Andreia para nunca mais voltar. Desaparecido em 1974, a família só recebeu um atestado de óbito de Melo em 2019, com a responsabilização oficial do Estado brasileiro. Voltado para crianças e adolescentes, o livro apresenta aos jovens um capítulo da história do país em que muitas famílias como as suas foram violentamente desfeitas.
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“A Transição Inacabada: Violência de Estado e direitos humanos na redemocratização”
de Lucas Pedretti (Companhia das Letras, 2024)
No novo livro da longeva coleção Arquivos da Repressão no Brasil, o historiador e doutor em sociologia Lucas Pedretti lida com a redemocratização do país. Apesar de ter sido um processo marcado pela indignação contra a violência e o autoritarismo das mais de duas décadas de ditadura, o autor argumenta que sua aplicação foi imperfeita e desigual. Com um aumento aterrador ao longo dos anos da violência policial e do encarceramento em massa, esse retorno orquestrado pelos próprios militares e a elite usou as justificativas da conciliação e do esquecimento para permitir que o Estado continuasse fazendo milhares de vítimas todos os dias nas favelas e entre populações marginalizadas. Levando em conta o saudosismo de parte da população em relação a esse próprio regime militar, é essa transição parcial que o autor analisa, sob o viés dos direitos humanos e do combate à violência estatal. Com isso, mostra que, se por um lado a abertura política devolveu à população o poder do voto, ela não foi capaz de romper com muitas práticas do período de exceção.
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“Codinome Daniel”
de Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia (Ercolano, 2024)
Único texto da lista voltado para os palcos teatrais, “Codinome Daniel” é um musical totalmente brasileiro que leva o leitor a enveredar pelo labirinto de memórias, desejos e sonhos do ativista Herbert Daniel (1946-1992). Hoje reconhecido como um dos maiores símbolo da luta contra o preconceito voltado para pessoas com HIV, Daniel foi um homem gay que abriu mão de si para aderir à luta contra a ditadura ao lado de figuras como Lamarca (1937-1971) e a ex-presidente Dilma Rousseff. O texto do dramaturgo Zé Henrique de Paula entrelaça realidade e ficção para resgatar a trajetória de um homem marcado pela resistência às inúmeras injustiças. Da prosa às canções compostas por Fernanda Maia, a peça narra desde as origens de Daniel até o exílio em Paris ao lado do companheiro, com quem viveu até a morte precoce aos 45 anos.
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“O Girassol que nos Tinge”
de Oscar Pilagallo (Fósforo, 2023)
Se os antecedentes do golpe formaram uma clara escalada rumo à ditadura militar, dá para considerar, no polo oposto, um movimento a exemplo das Diretas Já como um dos passos mais importantes em direção à redemocratização. E é essa, que se tornou uma das maiores manifestações populares da história do Brasil, que o jornalista Oscar Pilagallo esmiúça em “O Girassol que Nos Tinge”. Com o título retirado diretamente de um manifesto da classe artística brasileira pelo voto direto, a obra mostra como a indignação e o desejo de votar para presidente nas várias esferas da sociedade civil levou à campanha que tomou as cidades do país. Reunindo políticos, músicos, artistas, estudantes, jornalistas, publicitários e atletas, alguns dos quais seguem na vida pública até hoje, o autor narra numa linguagem leve e instigante o grande momento de convergência democrática que dominou o Brasil. Ainda que não tenha sido imediatamente bem-sucedido, Pilagallo argumenta que as Diretas Já garantiram a participação popular no processo que em breve botaria ponto final em mais de duas décadas de repressão.
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“A Esquerda e o Golpe de 1964”
de Dênis de Moraes (Civilização Brasileira, 2024)
Lançada originalmente em 1989, o jornalista, escritor e professor Dênis de Moraes revisita sua obra clássica nos 60 anos do golpe militar, onde trata de um dos períodos mais sombrios da história do país por meio das vozes daqueles que o viveram. Com um mosaico ainda mais amplo de depoimentos de figuras como Leonel Brizola (1922-2004), Luís Carlos Prestes (1898-1990), Marly Vianna, Betinho (1935-1997) e Jânio de Freitas, o autor faz um inventário dos espólios dos derrotados, partidários da democracia e da legalidade. Com novas informações que enriquecem a reconstituição histórica da época, além de uma babel de críticas, cobranças, teses e antíteses de uma esquerda brasileira que então buscava identificar seus erros, trata-se de um importante guia do passado para, em tempos de ascensão do autoritarismo e da extrema-direita, evitar a todo custo repeti-lo.
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“Sobre o que Não Falamos”
de Ana Cristina Braga Martes (Editora 34, 2023)
Envolto numa embalagem de romance de formação, o belo livro da socióloga Ana Cristina Braga Martes conta parte da experiência de viver sob o jugo da ditadura através da jornada de uma pré-adolescente tentando se encontrar no mundo. A jovem, que nunca conheceu os pais, habita uma casa rodeada de segredos, onde é criada pelos avós. Crescendo durante os anos da ditadura, numa vila que enfrenta diariamente as autoridades locais, o amadurecimento da protagonista se confunde com a descoberta das palavras, da história política do país e de sua própria identidade. Abordando, para além das heranças da ditadura, outros problemas persistentes da sociedade brasileira, como a injustiça, a violência contra as mulheres e as desigualdades raciais e de gênero, esse delicado romance faz um retrato fiel de uma época e um lugar, mesclando sociologia, história e um raro olhar para as relações humanas.
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