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Bloco de notasDez poemas novos
Uma seleção de poemas lançados em livros recentes que inspiram e trazem um breve panorama da produção atual
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Uma seleção de poemas lançados em livros recentes que inspiram e trazem um breve panorama da produção atual
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Microcontos sobre a solidão
de mulheres negrasUma amiga passou seis anos sem beijar durante a
adolescência
Outra transou pela primeira vez aos 27 anos
Outra dormiu de conchinha com o cara de quem havia
acabado de levar um fora
Outra foi tratada como cachorro pela primeira mulher
que amou
Outras tantas foram pioneiras em suas vidas artísticas
e acadêmicas, mas morreram pobres e esquecidas
Outra (…)
Outra, outra, outra, outra e outra
E tantas dessas outras sou eu
E tantas dessas somos nós umas nas outras“Desamada: Um Corpo À Espera Do Amor” (Rosa dos Tempos, 2023), de Midria
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gravata
para meu pai
imagina sair pra trabalhar
todo dia
com um nó na garganta?
“Todo O Resto É Muito Cedo” (Bazar do Tempo, lançamento 2024), de Luiza Mussnich -
Eu, o Poema
Hoje — que hoje? Que o hoje,
só seu, não é o mesmo que o meu.
Eu, o poema, não vibro
no ar, se ninguém me leu.
Não deixa que o livro te engane:
foi corpo o que me aconteceu,
e se hoje eu, cantando, sou canto,
seu corpo é que me reviveu:
por este ectoplasma estranho
de som, de inscrição, de sonho,
seu corpo bate no meu.
Hoje, quem diz o poema
não sei se sou eu ou eu.“Coisa de Mamíferos” (Editora 34, 2023), de João Mostazo
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príamo
em português se diz destrua e não destroia
nem no verbo na aniquilação total
a cidade sobrevive
não conseguimos te proteger
testículos arremessados aos cães
um ancião conta drops no semáforo
sabíamos desde o começo
a) eles falam a mesma língua
b) definem o que é clássico
c) os píncaros são altos demais pra voz humana“Também Guardamos Pedras Aqui” (Nós, 2021), de Luiza Romão
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rodagem
ogum vem ou não vem logo assim virá
cedo ou tarde espalhar brasa de corrergerminar refeição vir a ser forja
matagal de outra cor nunca mais cresceusegredou ao vulcão pretovirgular
quando vir matará preço de viverjá banhei meus irmãos falta o céu quebrar
rechamei pra lembrar guerrear valeuogum vem ou não vem logo saberá
“Pretovírgula” (Círculo de Poemas, 2023), de Lucas Litrento
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Mary Jane Watson
lembro que fiquei intrigada com o beijo do homem-aranha
com a mary jane.
embaixo da chuva e de cabeça pra baixofiquei um tempão me perguntando a sensação
e me imaginando dando aquele beijo…na mary jane.
eu sentia vontade
de dar beijos de cinema em garotas
antes mesmo de me dar conta
de que daria nelas
beijos de qualquer coisa“Oxe, Baby” (Galera, 2021), de Elayne Baeta
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Sem fingir algo a mais.
Sem dizer que quer, sem querer.
Sem despertar propositalmente expectativas
que não pretende cumprir.
Ser pouco, se só puder ser pouco.
Ser muito, se realmente tiver muito para dar.
É mais do que responsabilidade afetiva,
é bondade.“Pra Você Que É Emocionado” (Academia, 2024), de Victor Fernandes
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1989
infância é ganhar
uma lu patinadora
de natal e depois da ceia
quitar a dívida
no quarto de menina
uma lâmina de luz lhe cortava o rosto
e a língua na boca se movia
bruna
faz aquilo que o papai gosta.
“Ninguém Quis Ver” (Companhia das Letras, 2023), de Bruna Mitrano -
Quaresma
No ano em que brinquei de ser católica
lamentei que as semanas passassem tão devagar
até o Sábado de Aleluia;
o padeiro reclamando —
ninguém mais compra pão —
a adega do mercado cheia de vinho.
Eu passava o dia faminta por algo mais que comida.Na volta para casa a menina de que eu gostava
não abriu a boca nenhuma vez, o asfalto virando areia
a estrada se estreitando, esburacada e suja.
Dois corpos murmurando alto na noite silenciosa.A fome aguçou o desejo
aos poucos a intenção virou cinzas na boca,
então erguemos as mãos e nos tocamos brevemente,até que a ladainha materna
numa rua não escura o suficiente
mediu a distância entre nós.“A Costureira Descuidada” (Círculo de Poemas, 2023), de Tjawangwa Dema
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toda cicatriz é um
rastro de históriaperdemos: dente, roupas, melhores amigos,
filmes, aulas, tudo. e que dádiva é saber perder.
que dádiva é noticiar a presença de outro dente
nascendo ao redor da boca, ao lado da cura,
no infinito de tudo.“Textos Para Tocar Cicatrizes” (Globo, 2022), de Igor Pires