CV: Rodrigo França — Gama Revista
Márcio Farias

CV: Rodrigo França

Filósofo, ator, diretor de teatro e cinema, dramaturgo e articulador cultural, o multifacetado profissional fala sobre aprendizados, falhas, mentores, mentoras e racismo, que também está nas artes

Ana Elisa Faria 03 de Julho de 2024

Se existe alguém que pode ser chamado de multifacetado esse alguém é o carioca Rodrigo França, 46. Filósofo, ator, diretor de teatro e cinema, dramaturgo e articulador cultural, ele começou ainda criança nas artes plásticas.

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França não pinta nem esculpe mais, mas o artista lá da infância ainda está presente em todos os seus ofícios que, segundo ele, são diferentes, porém se misturam de alguma forma.

Eu vejo tudo como uma grande tela em branco e que precisa ser pintada

Durante a sua trajetória, expôs no Brasil, nos Estados Unidos e em Portugal, e ganhou o Prêmio Shell de Teatro na categoria Inovação, em 2019, pelo Coletivo Segunda Black, do qual é cocriador e curador. Já trabalhou em 42 espetáculos como ator e em nove como diretor. Em 2022, dirigiu para a Netflix o filme “Barba, Cabelo & Bigode”. Também escreveu sete espetáculos teatrais, entre eles o infantil “O Pequeno Príncipe Preto” (2019), que depois virou livro pela Nova Fronteira.

Em bate-papo com a Gama, Rodrigo França fala sobre seus aprendizados, a sua missão com os seus ofícios, as falhas no percurso, os mentores e as mentoras e o racismo que, como diz, está em todas as instituições, até mesmo no teatro.

Você vê uma pessoa que não tem tanta história, nem tanto tempo de carreira, recebendo mais do que você só por uma questão racial

  • G |O que te trouxe até aqui?

    Rodrigo França |

    Comecei como artista plástico. Eu fui uma criança prodígio. Entre quatro e cinco anos, meu pai me matriculou em uma oficina de arte chamada Maria Tereza Vieira, no Rio de Janeiro. Lá, fiz pintura impressionista, escultura em pedra-sabão. Comecei a trabalhar no meio dos adultos da escola. Era a única criança a fazer exposições coletivas e individuais. Com 14 anos, comecei a me desligar das artes plásticas e, ao mesmo tempo, conheci o teatro, a partir da companhia do ator Antônio Pedro Borges. Mais para frente, estudei filosofia, que é a minha formação. Durante a minha trajetória acadêmica, fiz uma pesquisa em segurança pública e fui dar aulas para a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Paralelamente, continuei fazendo teatro. Quando completei 20 anos de carreira, comecei a pensar que aquilo que eu discutia em sala de aula — as questões sociais — eu só não conseguia levar para a minha arte porque eu estava muito ligado ou a projetos correlacionados a musicais ou a projetos correlacionados aos clássicos internacionais. A partir daí, comecei a pesquisar o teatro experimental do negro. E, assim, nasceu o diretor e o dramaturgo, por sentir falta de narrativas que, de uma certa forma, já faziam parte da minha vida. Junto veio o escritor. Já são 32 anos de carreira. O dramaturgo, o roteirista, o escritor, o diretor de teatro e, mais recentemente, o diretor de cinema vieram a partir de uma necessidade de colaborar, porque já tinha gente fazendo, mas senti necessidade de colaborar com novas narrativas, tanto na escrita quanto na direção.

  • G |De tudo o que você faz, tem alguma ocupação favorita?

    RF |

    É tudo tão diferente, mas está tudo tão misturado. O que eu posso dizer é que uma das coisas mais difíceis da vida é atuar. Tem prazer, mas também tem angústia no processo criativo. Costumo dizer que o meu lado de diretor, de dramaturgo, de escritor ou de roteirista ainda é o lado ainda do artista plástico que ficou lá atrás. Eu vejo tudo como uma grande tela em branco e que precisa ser pintada.

  • G |Qual a sua missão com o seu trabalho?

    RF |

    Eu me considero um grande provocador, é aí que vem o filósofo. Não trago respostas, quero provocar questionamentos críticos. Acho que a minha missão está muito nisso. Não dá para a gente se conformar ou naturalizar algumas coisas que fazem mal socialmente.

  • G |Quais foram os maiores aprendizados profissionais que você teve até aqui?

    RF |

    Posso dizer que trabalhei com grandes diretores e diretoras desse país. Aprendi juntando o que eles me ofereceram de melhor e, também com eles, aprendi o que não fazer, principalmente nas relações humanas. Quando estamos na direção de um projeto, não podemos cair em contradição e agir de maneira que sabemos ser errada ou da maneira que sempre questionamos. É preciso escolher o caminho que a gente vislumbra como correto em relação ao outro.

  • G |Acha que falhou em algum momento?

    RF |

    Falhei, mas tentando acertar e está tudo bem. Acho que eu não faria nada diferente. Porque eu aprendi a partir dessas falhas.

  • G |Você enfrenta ou já enfrentou o racismo nas suas áreas de trabalho?

    RF |

    Tem uma máxima na sociologia que eu amo muito. Ela diz assim: “Todas as mazelas que a sociedade tem, as suas instituições terão”. Então, por mais que eu trabalhe com arte ou por mais que eu trabalhe com pessoas ditas progressistas, revolucionárias, algumas até aliadas [ao antirracismo], esse racismo que está na sociedade também está nas instituições em que eu trabalho. A mídia, a arte e o teatro são instituições sociais. Até hoje, por exemplo, é uma luta para os salários serem iguais. Você vê, muitas vezes, uma pessoa que não tem tanta história, nem tanto tempo de carreira, recebendo mais do que você só por uma questão racial. Muitas vezes, eu tenho que fazer uma comparação e dizer: “Se fosse o diretor XYZ, que é branco, vocês tratariam dessa maneira?”. Acho que o meu lado provocador vem nesse sentido. Mas eu não dou mais aula, não sinalizo mais o racismo porque já está tudo tão escancarado. Temos que pegar quem está na ponta da pirâmide, socialmente falando, e colocar um espelho para que o outro entenda que existe distinção.

  • G |Quais foram os grandes pontos de virada na sua carreira?

    RF |

    Foi ter acreditado muito que o teatro poderia me dar uma carreira, e não ficar exclusivamente reivindicando. Foi quando eu dei as caras. O estudo também foi muito importante. Quando eu já tinha 25 anos de carreira como artista de teatro, de palco, fui buscar o estudo do cinema. Então, quando a oportunidade de dirigir bateu na porta, eu já estava pronto.

  • G |Quais são os principais desafios da sua área e como lidar com eles?

    RF |

    Felizmente, eu dirijo de quatro a cinco espetáculos por ano. Talvez eu seja um dos diretores que mais dirigem anualmente. Isso é bom, mas o ruim é que é pela necessidade. Eu preciso estar em quatro, cinco projetos para, financeiramente, valerem como um, por conta dessa desigualdade, da desigualdade de patrocínio, que, inclusive, está no teatro.

  • G |Durante a sua trajetória, você teve algum mentor ou alguma mentora?

    RF |

    Abdias Nascimento, dona Chica Xavier, dona Léa Garcia, dona Ruth de Souza e Aderbal Freire Filho foram mentores para mim. O Abdias por trazer uma nova forma de dirigir, de acreditar que a arte não é para poucos, que a arte é para todos, no sentido até dos múltiplos ofícios. Dona Chica e dona Ruth foram minhas referências em excelência de qualidade na interpretação. São duas mulheres que me ensinaram o que é atuar. E o Aderbal Freire Filho foi o meu último mestre. Ele me ensinou que o processo de criação de uma direção também é intelectual, que o diretor deve estudar muito, consumir muitos livros, consumir muito do cinema e das artes plásticas. O olhar da direção não pode ficar exclusivo no roteiro ou na dramaturgia.

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