CV: Helena Nader — Gama Revista
Divulgação/Cristina Lacerda

CV: Helena Nader

Aos 74 anos, biomédica que desenvolveu as pesquisas iniciais sobre a heparina, fármaco inibidor da trombose, é a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Ciências

Ana Mosquera 28 de Setembro de 2022

Mais de um século se passou até a presidência da ABC (Academia Brasileira de Ciências) ser ocupada por uma mulher. Foi só em maio de 2022 que a biomédica, pesquisadora e professora universitária, Helena B. Nader, deixou de ser vice do físico Luiz Davidovich para assumir a liderança do órgão.

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Bacharel em Ciências Biomédicas pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é também lá que Nader atua como professora titular e realiza pesquisas acadêmicas há cerca de meio século. A mais recente revelou que o heparam sulfato reduz em 70% a entrada de coronavírus nas células.

Foi no mesmo laboratório, na década de 1970, que desenvolveu as primeiras pesquisas sobre a heparina (anticoagulante inibidor da trombose), ao lado de seu orientador e companheiro, o professor Carl Peter von Dietrich. “Foi fácil? Não, mas foi muito divertido. Inclusive porque a gente fez as descobertas quando tínhamos poucos equipamentos.”

Devo o que sou à universidade pública, aquela que está sob ataque, que não conseguem ver para que serve

Adepta da educação para a cidadania, é da infância a recordação de seus primeiros formadores: os professores do ensino primário e a família. A universidade pública é sua segunda casa e é a ela que também dispensa esperança e gratidão. “Eu devo à universidade quem eu sou e espero ter retribuído um pouco.”

Detentora de prêmios e honrarias, como os mais atuais “Prêmio Carolina Bori Ciência&Mulher” (2020) e o título de Doutora Honoris Causa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em entrevista a Gama, Helena Nader fala sobre a importância da universidade pública, a presença das mulheres na ciência, a falta de representatividade nas instituições, o ensino integral e o homeschooling.

  • G |Qual a importância da universidade pública, para você e para o país?

    Helena Nader |

    Sou uma pessoa muito realizada e devo isso à universidade pública, aquela que está sob ataque, aquela que não conseguem ver para que serve, porque não enxergam ou são mal intencionados. O mundo venera Paulo Freire e o Brasil resolveu que ia tirar até o busto dele da frente do MEC (Ministério da Educação). São absurdos que a gente está vivendo e eu espero que seja um momento que passe. A universidade pública responde por pelo menos 90% da ciência produzida no país. Se a ciência gera tecnologia, que vai gerar inovação, o Brasil deveria dizer: “Obrigada, universidade pública!”.

  • G |Quais os desafios de trabalhar com pesquisa científica no Brasil atual?

    HN |

    É um super, mega desafio. Eu tenho sorte de ter um laboratório que estava montado e estruturado. O pessoal fala muito em fuga de cérebros, mas ela não é só pro exterior. Há uma muito mais grave, a fuga interna, em que as pessoas não estão mais indo para a ciência. O país não tem um número de cientistas e engenheiros que precisa, como nos países ditos mais avançados. O Brasil quer muito ser membro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mas ele deveria olhar o quanto os países membros investem em ciência, tecnologia e em educação, e quantos pesquisadores eles têm por milhão de habitantes. O maior desafio é manter esse laboratório vivo, com muitos jovens e levar para eles uma palavra de confiança, fazer com que não abandonem os sonhos. Não está escrito em nenhuma lei, mas, na minha visão, cortar a esperança do jovem é um crime. Eu sou o passado, eles vão ser o futuro.

  • G |Qual o papel da escola na vida do indivíduo?

    HN |

    A escola tem que despertar a curiosidade e não matá-la. Vejo que a escola integral pode fazer isso, porque ela pode trabalhar os conceitos de forma conjunta, coisa que as crianças e os adolescentes muitas vezes não conseguem juntá-los. Mas se você tiver uma escola em que os conceitos são agrupados via experimentação, pode ser diferente. Por que acho que entender o método científico é importante? Porque ele te faz enxergar o que deu resultado do que não deu. Não é ao acaso. Você tem uma hipótese e você comprova ou não, via dados. E isso é muito importante para a cidadania. Como é que em pleno século 21 alguém diz que a terra é plana? Como é que se nega a idade do universo? Estão aí as últimas imagens. São falsas? A evolução é mentira? Uma coisa é a fé, que não tem explicação e não é para ter, e é de foro íntimo, outra é o dado científico.

  • G |Como a ciência pode ser estimulada na escola?

    HN |

    Eu tenho que ensinar cidadania, e o método científico está imbuído disso. Eu não posso querer que todo mundo vá ser cientista. O que eu vou ensinar em um lugar pode ser ensinado de outra forma em outro. É isso que a escola integral pede: usar o seu entorno para ensinar, e muitas vezes as pessoas não têm nem noção da cultura local. Eu vejo que dá pra gente fazer essa revolução da educação, mas também temos que fazer uma revolução ao dizer: “Mestres, vocês são importantes!”. Temos que ter uma escola do respeito, não da farda. Uma escola da ética, que diga ao professor: “Obrigada!”. Ninguém tem o direito de não oferecer o que há de melhor para o jovem, para a criança. Eu acho que precisa dar uma liberdade para cada local e realmente fazer chegar o recurso à base. Tem tantos exemplos positivos, feitos por vários grupos ideologicamente distintos. Só não podemos esperar, porque o Brasil perdeu décadas nos últimos anos.

  • G |Qual a sua opinião sobre o homeschooling?

    HN |

    A não ser em condições muito excepcionais, eu não sou favorável, porque a escola, além de alfabetizar e de dar conhecimento, ensina a convivência com o outro, o respeito, o viver em sociedade. Sou totalmente favorável à escola integral, que não quer dizer jogar a criança lá dentro por oito horas. Integral quer dizer ela viver em contato com a natureza, compartilhar com os colegas suas experiências, fazer esportes, aprender artes, literatura. Aqueles [os pais] que vão fazer a mediação podem até ser capazes, mas não sei quem vai verificar. Onde é que fica a educação com o controle do Estado? Está na Constituição. E essa criança vai conviver com quem? Na hora que você puser ela em contato com a sociedade, qual vai ser seu comportamento? É tão cópia do modelo americano que não conseguiram colocar as palavras em português. E é para um grupo muito seleto? Não, é para um grupo muito segregador, que está se baseando em ideologia. Ideologia cada um pode ter a sua, mas as pessoas esquecem que o país é laico.

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