A campanha por uma ministra negra no STF
De outdoors a mostra de arte, organizações do movimento negro no Brasil realizam campanha internacional por uma indicação inédita ao Supremo
“Em 132 anos, o Brasil nunca teve uma mulher negra no STF (Supremo Tribunal Federal)”. Foi sob uma série de outdoors com dizeres como esse que o presidente Lula desembarcou na Índia, no dia 8 de setembro, para o último encontro do G20, fórum internacional que engloba 19 países no topo da economia mundial, acrescidos da União Europeia.
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Em agosto, foi a vez de a Avenida Paulista ser tomada por um mar de cartazes que pediam a indicação de uma mulher negra ao Supremo. Mais recentemente, na última terça-feira (12), o telão da Times Square, em Nova York, um dos endereços mais famosos e visados no mundo, exibiu um teaser do curta “Todo Mundo Tem um Sonho”, em que a narração de Taís Araújo apontava para o fato de que o Brasil nunca teve uma ministra negra no Supremo.
Realizadas por órgãos como a Coalizão Negra por Direitos, que reúne mais de 250 entidades do movimento negro, a rede Nossas e o Instituto de Defesa da População Negra, ações como essas vêm fazendo pressão sobre o governo para a indicação inédita de uma mulher negra à vaga deixada pela atual presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, que se aposenta no início de outubro. A campanha também se baseia no fato de que a população negra representa 56% dos brasileiros, com o número de mulheres negras chegando a 28%, de acordo a PNAD Contínua 2022, o que tornaria a falta de uma indicação à principal corte do país ainda mais desequilibrada.
Protagonizado pelas atrizes Mariana Nunes e Lua Miranda, o curta “Todo Mundo Tem um Sonho”, dirigido pela cineasta Mayara Aguiar, coloca frente a frente mãe e filha, numa conversa sobre sonhos para o futuro da jovem. Se a garota tem a possibilidade de visualizar uma carreira de escritora, como Conceição Evaristo, ou esportista, a exemplo da ex-ginasta Daiane dos Santos, o vídeo enfatiza que a falta histórica de uma representante na instância máxima do Judiciário brasileiro ainda limita os sonhos de jovens negras no país.
Presente no Brasil e no mundo, a campanha inclui também a mostra de arte “Juízas Negras para Ontem”, cujas obras, produzidas por 24 artistas negros, vêm tomando as ruas de 14 estados brasileiros desde semana passada. As ações também englobam um podcast focado no assunto e um abaixo-assinado com mais de 31 mil assinaturas, assim como um bombardeio de e-mails questionando os órgãos da Presidência sobre o assunto.
“Além de dar início a uma necessária correção no enorme desequilíbrio sociodemográfico nas cortes superiores, uma ministra negra no STF daria mais fôlego às reflexões sobre garantias e efetivação de direitos no Brasil”, aponta a coordenadora política do movimento Mulheres Negras Decidem, Tainah Pereira. “O debate sobre justiça está contaminado por um populismo penal profundamente racista e elitista.”
A organização, integrante da Coalizão Negra por Direitos, lançou uma lista tríplice de mulheres negras aptas a ocupar um lugar no Supremo, que inclui as juristas Adriana Alves dos Santos Cruz, Lívia Sant’anna Vaz e Soraia Rosa Mendes. Nas redes, por meio da campanha “Toma um café com ela, Lula!”, a instituição vem pressionando o presidente a conversar com essas e outras candidatas em potencial para o cargo.
Segundo Pereira, apontar nomes é necessário para superar as acusações de que se trata de uma campanha vazia. No entanto, listas como essa não devem ser vistas como exclusivas nem excludentes. “O que não faltam são juristas negras com condições de ocupar uma cadeira de ministra no STF”, afirma.
Para a ialorixá Iyá Sandrali Bueno, coordenadora da Renafro (Rede Nacional de Religiões Afrobrasileiras e Saúde), há desigualdade inclusive nas cobranças pelo currículo dos candidatos à vaga. Enquanto, segundo ela, a qualidade intelectual e visão progressista de juristas brancos não têm sido objetos de debate público, esses argumentos estão sendo usados como impeditivos quando se tratam de candidatas negras.
“Esta dinâmica social traz embutida a noção falaciosa de que entre homens brancos sempre é possível encontrar não só um, mas vários progressistas e com capacidade técnica; entre mulheres brancas e homens negros, raramente; e, entre mulheres negras isso é absolutamente impossível”, declara Bueno, para quem a visão traz no bojo o racismo estrutural embutido em nossa sociedade.
Os apelos por uma ministra negra se intensificaram depois que Lula indicou seu ex-advogado Cristiano Zanin, em junho, para a cadeira deixada por Ricardo Lewandowski. Desde então, alguns votos de Zanin, vistos como de orientação conservadora, acabaram elevando a pressão
Lula não respondeu oficialmente aos pedidos de movimentos e ativistas negros, mas indicou em junho a advogada Edilene Lobo como ministra substituta do TSE (Ttibunal Superior Eleitoral), primeira mulher negra a integrar o tribunal. Em setembro, nomeou a advogada negra Marcelise Azevedo para a Comissão de Ética da Presidência, também a primeira a compor o colegiado.
Apesar de reconhecer que o governo Lula traz mais abertura do que as gestões Bolsonaro ou Temer para discutir pautas raciais, a ativista e articuladora política Ingrid Farias, da Coalizão Negra por Direitos, cobra que isso se traduza em políticas efetivas — o que, segundo ela, ainda não aconteceu. “O Ministério da Igualdade Racial é um dos que têm menos dinheiro, estrutura, pessoal e peso político em relação aos outros. Para nós, existe uma lacuna muito grande no governo Lula, que tem presença negra, mas sem representatividade no desdobramento de políticas efetivas para a população negra”, declara.
A ativista também não alimenta grandes esperanças de que a campanha leve à nomeação de uma ministra negra ao STF. “De acordo com as próprias falas do presidente, não temos certeza de que a indicação aconteça agora”, considera. Já que a próxima mudança no quadro de ministros deve acontecer apenas em 2028, com a aposentadoria de Luiz Fux, para Farias, isso representa um adiamento considerável da demanda. “É importante ter essa nomeação agora e também dar margem para que a sociedade continue debatendo essas ausências.”
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