Walter Firmo: “Sonhar é uma verdade”
Fotógrafo que registrou e engrandeceu nomes da cultura negra brasileira como Pixinguinha, Clementina de Jesus e Paulinho da Viola fala a Gama sobre sua obra
Os retratos assinados por Walter Firmo costumam ser pensados por ele antes do momento exato da foto. Daí a associação entre sonho e verdade, que ele costuma fazer. “Sou o engenheiro [da foto], aquele que trabalha com arco, régua e compasso. Trabalho com a luz, escolho se a foto vai ser vertical, horizontal”, diz a Gama. Aos 85 anos, o fotógrafo é conhecido pelas imagens coloridas que, com sua luz e direção características, acabam por engrandecer seus personagens. Firmo clicou nomes importantes da cultura negra brasileira. Pixinguinha, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola estão entre seus retratados.
Walter Firmo, Rio de Janeiro, RJ, 1968 Walter Firmo/Acervo IMS
As imagens produzidas ao longo de seus 70 anos de carreira podem ser vistas na exposição “Walter Firmo: no verbo do silêncio a síntese do grito”, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Até 9/10.
O carioca passou pelos principais veículos de imprensa do país. Começou no jornal Última Hora, aos 15 anos, com uma câmera Rolleiflex que ganhou do pai. Depois, o Jornal do Brasil, as revistas Realidade, Manchete — onde foi correspondente em Nova York — e Veja. “Sua fotografia foi sendo engendrada ao longo dos anos num verdadeiro estúdio a céu aberto, sob a intensa luz tropical”, escreve o curador Sergio Burgi no livro que leva o nome da exposição.
No dia 8 de outubro, às 11h, Firmo fará uma visita guiada à exposição. Estão expostas cerca de 266 imagens, produzidas por ele desde a década de 1950, início de sua carreira, até 2021. Será um evento aberto ao público e com entrada gratuita. As vagas são limitadas.
Firmo conversou com Gama em um café no Instituto Moreira Salles, entrevista que foi interrompida seguidas vezes por visitantes-fãs que pediam uma selfie com o fotógrafo. Confira alguns trechos.
A verdade na fotografia
“Existe várias verdades, não apenas uma. O que é verdade? É aquilo que meu amigo [o fotojornalista] Evandro Teixeira faz? Aquela é a verdade verdadeira. A que trabalha com movimento, com instantaneidade. Mas existe o sonho também, que é uma verdade. Você sonhar é uma verdade, embora não seja existente. Eu só fui fazer fotografia para mudar a realidade. Porque era muito chato pra mim essa verdade verdadeira. A vida não é feita só de sangue, não é feita só desse tipo de instantaneidade. Se o homem não sonhar ele não vai sobreviver.”
Cantora Clementina de Jesus, Walter Firmo Walter Firmo/Acervo IMS
Uma nova proposta
“Quando eu tinha 15 anos, quis fazer fotografia para mudar a sistemática. Quis conflitar o sonho com a realidade. Na minha tese, sou o engenheiro [da foto], aquele que trabalha com arco, régua e compasso. Trabalho com a luz, escolho se a foto vai ser vertical, horizontal; se vou trabalhar com a coisa do background e com a composição.”
Deixei meu cabelo crescer como o dos negros americanos e comecei a politizar meu trabalho
Tempo de politizar
“Em 1968, fui trabalhar na sucursal da revista Manchete, em Nova York, onde fiquei seis meses. Foi numa época em que os negros americanos se conflitavam lá com a sociedade branca e deixavam o cabelo crescer, o movimento ‘black is beautiful’. Um dia, o diretor da sucursal me chamou e disse que tinha chegado um fax que dizia assim: “Como é que vocês foram contratar um homem que é mau profissional, analfabeto e negro?”. Logo depois eu voltei para o Brasil, deixei meu cabelo crescer como o dos negros americanos e comecei a politizar meu trabalho de uma forma mais diretamente, a fotografar os cantores, Paulinho da Viola, Clementina de Jesus, Pixinguinha. Depois eu fui para as ruas, fotografei as festas folclóricas, as que aconteciam diante da igreja e fui para as fábricas. Deu no que está na exposição.”
Bumba-meu-boi, São Luís, 1994 Walter Firmo/Acervo IMS
Caminho para a profissionalização
“Minha mãe não queria que eu fosse fotógrafo. Ela dizia ‘eu e seu pai educamos você para ser um outro tipo de profissional’, querendo dizer talvez que o filho único fosse engenheiro, advogado, médico, aquelas coisas que sempre as mães preferencialmente querem que o filho seja dentro de uma sociedade. Não querem saber se o filho vai ser infeliz fazendo uma coisa só para agradar o papai e a mamãe. É porque a fotografia naquela época não valia de nada. Quem ia ser fotógrafo não tinha onde cair morto. Mas eu tinha essa coisa de querer mudar a sistemática, eu era muito imperioso, até hoje aos 85 anos quando eu quero uma coisa eu consigo.”
Eu sou um fotógrafo de rua, um cara que sai pela estrada, um pé de poeira
Fotógrafo de rua
“Sempre houve uma certa discriminação entre o fotógrafo que faz produtos e ganha muito bem, porque faz no estúdio, e o fotógrafo de rua. Eu sou um fotógrafo de rua, um cara que sai pela estrada, um pé de poeira. O filme ‘Blow-Up’ [lançado em 1967, mostrava a vida glamurosa de um fotógrafo de moda em estúdio] foi uma consagração para os filhos de papai que podiam ganhar uma câmera Hasselblad e um fundo infinito… porque o aparato de estúdio é caro. O meu era o fundo infinito do azul, da linha do mar, das coisas tangíveis. Eu estava lidando com o meu fundo infinito e poderia colocar as pessoas dentro dessa linhagem da natureza, da naturalidade.”