Sutil e mais natural, panetone chega à versão 4.0 — Gama Revista
Comida e bebida

Sutil e mais natural, panetone chega à versão 4.0

Símbolo do natal, receita é adotada por padeiros da onda artesanal, que se utilizam da longa fermentação, de ingredientes nobres e de recheios selecionados para equilibrar doçura

Isabelle Moreira Lima 20 de Dezembro de 2021
Divulgação/Tujuína

Esqueça aquele aroma perfumado que invade o ambiente assim que se abre o pacote, ou mesmo aquela durabilidade de muitos meses de prateleira: o panetone brasileiro está mudando. A revolução da panificação e a onda artesanal que movimenta padarias de norte a sul do Brasil conseguiu chegar a uma tradição natalina que parecia blindada.

O resultado é uma espécie de panetone 4.0, que apresenta uma massa supermacia e leve; aroma que lembra um cruzamento entre o sourdough californiano e o brioche francês; e um paladar delicado e muito menos doce.

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Essa revolução vem de apaixonados que há anos testam e aperfeiçoam receitas em busca do panetone perfeito, como o chef Ivan Ralston, do Tujuína, que há 12 anos trabalha na sua versão, e o padeiro e empresário José Carlos Gomes, da Fabrique, que trouxe seu fermento do norte da Itália (em duas malas, com medo que uma delas pudesse extraviar) e há quatro anos o alimenta diariamente para que trabalhe bem no Natal.

Estamos em plena febre mundial de panetone, é tendência no mundo inteiro, foi redescoberto

Mas quem come também tem papel importante nessa mudança. “O cliente também aprendeu a consumir, busca um produto de maior qualidade, de mais digestibilidade, de aroma mais natural. A demanda cresceu com a alta do fermento natural e das padarias artesanais”, diz Izabela Tavares da Iza Padaria Artesanal. “Estamos em plena febre mundial de panetone, é tendência no mundo inteiro, foi redescoberto”, afirma Gianluigi Tosches, consultor de muitos produtores artesanais e embaixador das farinhas italianas Petra, usadas na receita por aqui.

Prova disso é que, além da importação da farinha italiana ter aumentado consideravelmente, como afirma Tosches, tem até gente de fora da panificacão vendo oportunidades na receita e inovando com bombons e com sorvete.

As opções são tantas e os preços tão díspares (de R$ 17 no caso dos mais simples e industrializados até R$ 200 no caso dos mais artesanais), que resolvemos fazer um guia para saber reconhecer um bom panetone, contar um pouco da sua história e até dar dicas para quem quer se arriscar na cozinha.

Fabrique  Foto Larissa Mazza

O que é um bom panetone?

Leveza é a característica fundamental de um bom panetone, concordam os padeiros ouvidos pela Gama. A massa tem que ter alvéolos bem abertos, aroma perfumado delicado e equilíbrio de sabor. “Ele tem que ser o mais natural possível. Muitas vezes a gente percebe uma essência de aroma tão forte que traz uma nota química”, lembra José Carlos Gomes, da Fabrique. Ele diz que para fugir disso há de se usar os ingredientes mais básicos e naturais possíveis e fugir de corantes e conservantes, tão utilizados pela indústria.

“O natural é suave, muito sutil, inclusive no paladar. Tem uma textura alveolada, que você puxa e parece um fiapo. É meio elástico: você amassa e ele volta”, ensina o argentino Salvador Letiere, professor da Cordon Bleu em São Paulo.

Quem está acostumado ao industrializado e come o natural talvez ache que não tem tanto sabor. Mas depois da segunda fatia se apaixona para sempre

Latiere, que é pâtissier e boulanger, afirma que é a longa fermentação que desenvolve o sabor mais especial de um panetone e o deixa mais digesto. “Muitos panetones vem da Itália com embalagem linda são produzidos da forma tradicional, mas chegam com meses de antecedência ao Brasil e, portanto, têm um imenso aporte de química para segurar esse tempo de prateleira. Então, o mais legal — e o mais seguro — é procurar um padeiro que trabalhe com fermentação natural ou fermentação longa. Quem está acostumado ao industrializado e come o natural talvez ache que não tem tanto sabor. Mas depois da segunda fatia se apaixona para sempre”, afirma.

Ele também chama a atenção para a umidade do produto, que deve durar em torno de quatro dias. “Quinze dias, como acontece nos industrializados, já não é natural, é sinal de muito conservante”, diz.

 Divulgação/Tujuína

Ouça a palavra de quem faz

Para Ivan Ralston, do Tujuína, o panetone ideal não pode ser muito doce, nem muito ácido, nem ter cheiro de azedo. Por conta do excesso de doçura e de perfume que acabou virando regra nas últimas décadas, tinha uma péssima impressão sobre o pão. Sua cabeça mudou quando foi à Espanha para cursar gastronomia e provou (e amou) um brioche de frutas. Desde então, se vestiu de obstinação para alcançar a receita perfeita, que ele acredita ter conseguido neste ano, depois de uma série de cursos e de muitos testes. Hoje, tem quatro sabores em sua padaria online Tujuína, que buscam um equilíbrio de sabor sem chegar perto da doçura extrema: o clássico de frutas, o amarena com chocolate, o chocolate com pera e o doce de leite com yuzu, fruta cítrica japonesa.

Izabela Tavares faz panetone há sete anos e, nesse período, aumentou muito a produção e afinou a receita, sem modificá-la essencialmente. “Ajustamos açúcar e recheios, mas no geral é sempre a mesma receita”, conta ela, que faz do fermento à laranjinha que o recheia, sem nenhum aditivo ou essência artificial.

“Optei por fazer a fruta para ficar no sabor que eu queria. Tinha muita dificuldade de encontrar laranja no ponto, sem muita química, amargor ou açúcar”, conta ela que faz hoje duas versões: uma com chocolate e laranja e outra com frutas secas e não cristalizadas, como figos e cranberries. Um ponto fundamental para ela é que esses ingrediente estejam distribuídos de forma homogênea na massa.

De onde veio a receita e para onde ela vai

Há muitas versões em circulação sobre a origem do panetone. Algumas incluem um jovem aprendiz de padeiro apaixonado que inventou a receita para impressionar o pai da pretendente ou para substituir biscoitos que ele mesmo queimou. Isso teria ocorrido no século 15, em Milão, na Itália. O nome do pão vem daí também, porque o jovem padeiro se chamava Antonio, cujo apelido era Toni, sendo a receita o Pan di Toni.

A receita original data do século 15 e acredita-se que foi criada em Milão, na Itália. No Brasil, tem na Di Cunto e na Bauducco suas pioneiras

No Brasil, a DiCunto instalou sua fábrica ainda no fim do século 19, em 1896 para ser mais preciso, quando se instalou na Mooca, já fazendo as primeiras versões. A receita ganhou gás nos anos 1950 com o italiano Carlo Bauducco, dono da marca homônima, atingindo alta popularidade nas últimas décadas, tornando-se um dos símbolos do Natal brasileiro.

De lá para cá, além da revolução artesanal, o panetone tem migrado para outras área, virou até bombom. A Danke, de chocolate de origem, por exemplo, tem envolvido a massa de chocotone com castanhas e uma bela cobertura de seu chocolate de origem do Pará. “Foi a primeira vez que fizemos esse produto e vendemos tudo semanas antes do Natal. Ele entrou na categoria presente e, ainda assim, foi uma imensa surpresa porque saiu na frente entre as outras opções”, diz Ernesto Neugebauer, fundador da marca, que já tem planos de aumentar a produção em 2022.

Panetone da Albero dei Gelati recheado com gelato de chocolate  Foto: Bruno Geraldi

Já a a sorveteria paulistana Albero dei Gelati chamou um consultor italiano para desenvolver uma receita executada apenas com ingredientes orgânicos e o recheia de sorvete. Gianluigi Tosches foi o responsável por desenvolver e supervisionar a produção do panetone na fábrica da tradicional Di Cunto, na Mooca, em São Paulo. “Ele não leva um grama sequer de conservante, tem uma vida útil de 40 dias e seu auge nos primeiros 20”, explica. “Na Itália é comum panetone com sorvete. Uma vez, montei para comer assim, com um gelato, e todo mundo me olhou como se eu fosse um ET, mas lá comemos até croissant com sorvete.”

Dá pra fazer em casa?

Todos os padeiros ouvidos pela Gama encorajam os amantes da iguaria a testá-la em casa, seguindo (várias) recomendações. A primeira delas é usar uma boa batedeira planetária, que gira em rotação e translação. Isso porque, para ficar leve, a massa precisa ser muito trabalhada, insistentemente — e, sem essa batedeira, ela ficará densa e massuda. A padeira Izabela Tavares fala com conhecimento de causa: “Já quebrei uma batedeira simples em uma das minhas tentativas de fazer panetone”.

Ivan Ralston recomenda também muita atenção aos detalhes: “Se nos desviarmos deles, perdemos a consistência.”

Para fazer em casa é preciso atenção, paciência e uma boa batedeira planetária. As mais simples podem quebrar, alertam os padeiros

Outra dica aparentemente básica e óbvia determinante para o sucesso da receita é: quanto maior a qualidade dos ingredientes, melhor vai ficar seu panetone. Salvador Latierre alerta então para o tanto de dinheiro que se vai gastar, pois “não é uma receita barata” quando se pensa em farinha italiana e manteiga especial.

José Carlos Gomes, da Fabrique, chama a atenção para a neutralidade dos itens a serem utilizados também. “Há manteigas que são deliciosas para se comer com pão, mas que tem uma característica fermentada e que, portanto, podem alterar o sabor da massa. É preciso encontrar o ingrediente correto”, defende. O tipo de ovo que se utiliza pode também alterar a coloração da massa — para um belo tom amarelado recomenda-se utilizar ovos caipiras.

E, não se engane, fazer panetone não é bolinho. É uma receita trabalhosa e que requer muita atenção do padeiro-amador. “É importante respeitar o tempo dele. Demoramos três dias para fazer o nosso, é fácil de fazer mas difícil de acertar.” Por fim, Gomes dá a dica de como melhorar a fermentação: ter paciência e não ter pressa. “Começar a preparar o fermento bem ativo com 60 dias de antecedência”, recomenda.

  • Panetone clássico

    Veja a receita do chef pâtissier e boulanger Salvador Latiere, da Cordon Bleu

    Ingredientes

    1 kg de farinha de trigo T45
    500 ml de água
    240 g de manteiga
    90 g de fermento biológico fresco
    200 g de gema de ovo
    10 g de sal
    200 g de açúcar
    250 g de frutas cristalizadas
    150 g de uvas passas
    5 g de raspas de laranja
    5 g de raspas de limão

    Modo de fazer

    Para começar, faz-se uma esponja ao misturar 300 g de farinha de trigo, 50 g do fermento e 300 ml de água. Deixe a mistura descansar por 60 min em um bowl coberto com plástico filme. Esta primeira mistura é um pré-fermento que nos ajudara a desenvolver aromas complexos e a força na massa.

    Depois do descanso, leve à batedeira essa “esponja”, o restante da farinha de trigo as gemas, o açúcar e o restante de água. Misture tudo e bata na velocidade mais lenta por cinco minutos. Acrescente o sal e a manteiga. Bata na segunda velocidade por dez minutos. Passe para a primeira velocidade e acrescente as uvas passas, as frutas cristalizadas e as raspas de limão e de laranja. Misture por três minutos ate? o ponto de homogeneização. Deixe a massa descansar coberta por 30 minutos.

    Divida a massa em porções de 500 g, boleie e coloque nas formas. Deixe a massa descansar até que chegue a 2 cm antes da borda da forma. Pincele com gema de ovo, faça um corte em forma de cruz na parte superior da massa e coloque uma colher de chá? de manteiga em ponto pomada (à temperatura ambiente, deve estar como um creme). Leve para assar em forno pré?-aquecido a 180ºC e cozinhar por 35 a 40 min.

    Deixe resfriar em temperatura ambiente.

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