#Pãodemia: o novo vício por assar pão em casa — Gama Revista

Comida e bebida

#pãodemia

©Gettyimages

Em meio ao isolamento causado pelo coronavírus, farinha e fermento viraram a tábua de salvação (e de ostentação)

Manuela Stelzer 27 de Maio de 2020

Nunca se viveu tamanha curiosidade por fermento e farinha. Seja por escapismo, necessidade de confraternização, busca por aprendizado ou apenas para reduzir ao máximo as saídas de casa – deixando de lado o hábito comezinho de ir à padaria –, o Brasil (e talvez o mundo) pegou uma nova febre: assar pão. A mania alcançou até quem não era chegado à cozinha. “Em tempos de redução de compras e supérfluos, e de cuidado com a saúde física e mental, valorizam-se os processos artesanais. E o pão caseiro se transforma numa alternativa nutricional, mas também de passatempo”, diz Luiz Américo Camargo, consultor gastronômico e autor dos livros “Pão Nosso” (Ed. Panelinha/Senac, 2013) e “Direto ao Pão” (idem, 2019).

O Google Trends confirma a tese: perguntas relacionadas a como fazer pão mais que dobraram a partir de março até maio, em relação ao ano anterior. O Instagram corrobora com 4 mil postagens marcadas com a #Pãodemia. Durante o pico de buscas por informações sobre pão na internet, em meados de março, as tentativas nem sempre foram bem sucedidas. Hoje, mais de dois meses depois, estão aprimoradas e a rede social parece ter se tornado a padaria dos novos tempos, com imagens de crostas crocantes e enfarinhadas que contrastam com miolos elásticos cheios de alvéolos.

Agora que receitas de pão caseiro se multiplicam, assim como posts de quem se aventurou na cozinha de casa, quem ainda não aderiu à “pãodemia” fica na dúvida de como começar. Abaixo, dicas e receitas que podem servir de atalho e até contatos preciosos de onde pedir um belo filão para o dia em que o fermento não cooperar.

Por que todo mundo está fazendo pão?

A resposta tem um pouco de psicologia – afinal, gastronomia e terapia conversam. Para além do conforto que traz o ato de cozinhar, o pão tem um elemento a mais: “Ele evoca lembranças, perfuma a casa enquanto vai ao forno”, diz a psicóloga e cozinheira Tatiana Romano, autora de “Panelaterapia” (Belas Letras, 2015), para quem os novos padeiros querem resgatar o clima de união e afeto. O fermento e a farinha, deste modo, são os ingredientes perfeitos para relembrar e reviver bons momentos.

“De um modo geral cozinhar é terapêutico e o pão tem muito disso, são muitas etapas para atingir um objetivo”, diz ela. O preparo de receitas em casa requer tempo e paciência, quase uma virtude em tempos de tamanha ansiedade e incerteza. E parece que o pão virou o principal meio para conseguir lidar com isso.


Ele evoca lembranças, perfuma a casa enquanto vai ao forno

Como começar?

“Se você nunca fez pão, comece por alguma receita com fermento biológico”, aconselha Luiz Américo Camargo. Criador do evento Pão com Pão, Camargo dá palestras e aulas sobre panificação caseira, em que sugere como ponto de partida receitas com hidratação mediana ou o pão sem sova, que é bem hidratado e leva pouco fermento. A dica de ouro do consultor, entretanto, precede qualquer ingrediente ou modo de preparo: ler a receita, do começo ao fim, antes de começar. Tempos de descanso e outros detalhes do preparo podem ser complicadores.

Além de receitas e sugestões que compartilha em seu perfil do Instagram, o especialista desmente o mito de que não é possível fazer pão com equipamento caseiro, e incentiva a produção mesmo sem o material e ingrediente dito “ideal”. Sovar e modelar, de acordo com ele, são menos complexos do que se imagina. É preciso ter paciência, aguardar o descanso da massa, respeitar o tempo do fermento, ficar sempre de olho nas temperaturas. E, acima de tudo, recomenda: “Divirta-se. O pão foi feito para alimentar, compartilhar, entreter, aprender”.


Precisa mesmo de levain?

Não necessariamente. Mais importante que o fermento é o tempo para o pão caseiro, explica a padeira Papoula Ribeiro, ex-Padoca do Maní e Cór Bakehouse. Claro que, entre o uso do fermento natural e o do biológico, existem diferenças no resultado final. O fermento natural, conhecido também por levain ou massa madre, carrega uma colônia de bactérias que produzem ácidos acético e láctico, os responsáveis pelo aroma e sabor intenso do pão. Já o biológico, por trazer uma colônia de fungos, não produz esses ácidos. “Há uma grande diferença em sabor e textura”, diz Papoula.

Apesar do gosto pelo fermento natural (que demonstra em seu perfil do Instagram), ela explica e reitera o tempo como a parte mais importante no processo de produção. “No nível microbiológico, a farinha, seu amido e enzimas, precisam de tempo depois da hidratação para que a mágica ocorra”, diz. Os fungos do fermento biológico agem no consumo de açúcar e produzem gás carbônico, o que traz leveza ao pão. Mas, se usado em grande quantidade, acelera a fermentação, e não dá o tempo que a microbiologia precisa. Por isso, “é possível fazer pães muito gostosos com o fermento biológico, desde que se use em pequena quantidade e que se permita a ação do tempo”, conclui Papoula.


Como não errar?

A resposta é, basicamente, aceitar que o erro faz parte da trajetória – ou melhor, que o erro é o caminho. E mais ainda: o melhor jeito de começar é, ao contrário do que se pensa, errando, afirma a jornalista e padeira Hanny Guimarães, que ficou conhecida pela padaria do Futuro Refeitório, em São Paulo. “O erro é acerto porque te ensina, e te faz aprender”, diz. Além disso, Hanny aconselha a ter em mente exatamente o que se quer, e qual pão deseja. De acordo com ela, “entender o que se busca e quais são as expectativas ajuda a guiar o caminho e equilibrar as expectativas”.

A dica da padeira é focar em uma única receita por algum tempo, trabalhar nela e, aos poucos, aprimorar a técnica de preparo. “Vale focar em uma única e evoluir com ela, torná-la sua, com os ajustes que funcionam para si.” Incentiva, ainda, a utilização dos sentidos como ferramenta essencial na hora de fazer o pão.


Vale focar em uma única e evoluir com ela, torná-la sua, com os ajustes que funcionam para si

Receitas

A lista de possibilidades é grande. Recorrer à busca online pode trazer diferentes caminhos e talvez alguma confusão mental: afinal, qual será a melhor?

Quem ama uma boa casca crocante, e procura uma receita menos trabalhosa, pode tentar fazer o pão italiano caseiro da Rita Lobo – um ótimo acompanhamento para sopas e caldos durante o inverno, por exemplo. Outro caminho é o no-knead bread, receita mais acessada do New York Times Cooking.

Para quem quer ousar um pouco mais e tentar entrar no mundo do levain, aqui há um passo a passo de como fazer o fermento natural do zero. A nutricionista e maga das PANCs (plantas alimentícias não-convencionais) Neide Rigo também compartilha da sua mágica, ensinando a fazer do fermento até o pão assado.

Para trazer variedade ao lanche da tarde, os pães de leite de Letícia Zandomenichi, padeira do restaurante Président, de Erick Jacquin, são uma ótima pedida. Na quarentena, além de passatempo, o pão caseiro funciona a qualquer hora do dia, em qualquer refeição.


Onde comprar

A mania pode até ser a panificação, mas talvez a sua onda seja mais comer do que fazer. Se falta um pouco de coragem, ou tempo, ou mesmo vontade para por a mão na massa, essas padarias assam boas receitas para entrega ou retirada.

A Fabrique Pão e Café faz delivery todos os dias, e entrega em até 6 km de cada unidade que possui. A Toast também manteve as encomendas, enquanto a Assaz organizou o atendimento de segunda a sábado, no formato de fazer o pedido e retirá-lo na própria padaria, que fica na Vila Buarque, em São Paulo. O Futuro Refeitório continua com o trabalho de delivery por telefone ou WhatsApp, de terça a domingo, das 9h às 16h. A padaria Marie Marie Bakery, no bairro do Tatuapé, também mantém as entregas pelo site ou telefone, durante seu horário de funcionamento.

No Rio de Janeiro, a Slow Bakery aceita pedidos em um dia para serem entregues no outro. Em Porto Alegre, a Levain Club também faz entregas e funciona com retirada, e em Belo Horizonte, a Casa Bonomi oferece os mesmos serviços.

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