Trecho de Livro:A Mulher em Mim, de Britney Spears — Gama Revista

Trecho de livro

A Mulher em Mim

Em livro de memórias, a Princesa do Pop quebra recordes de vendas e acumula revelações polêmicas

Leonardo Neiva 03 de Novembro de 2023

Nos últimos dias, o mundo descobriu uma avalanche de detalhes a respeito da carreira de Britney Spears, sua criação, além dos abusos da mídia e da família. Também recebeu revelações bombásticas sobre seus relacionamentos com estrelas como o ator Colin Farrell e o cantor Justin Timberlake — com quem a artista viveu um namoro conturbado, marcado por traições e um aborto realizado a pedido do então namorado. A fonte de todas essas notícias em torno de Britney é o lançamento recente de seu livro de memórias, “A Mulher em Mim” (Buzz Editora, 2023), que vem quebrando recordes de vendas pelo mundo.

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Porém, muito mais do que um catalisador de fofocas e polêmicas, a obra traça um relato intensamente pessoal de uma das estrelas que tiveram sua vida longe das câmeras e sua saúde mental exploradas de forma quase sempre preconceituosa e excessiva. Um dos maiores fenômenos da história da música pop, a cantora foi sexualizada e tratada por boa parte da carreira como má influência para os jovens, uma mãe problemática e uma artista incapaz de lidar com os percalços da fama — padrão cujas cicatrizes, como o livro deixa claro, não tem sido fáceis de apagar nem mesmo a simpatia generalizada que Britney vem angariando.

A recente repercussão gerada por uma coreografia da artista nas suas redes sociais, em que Britney empunhava um par de facas falsas, revela que a indignação com a forma como seu pai tolhia sua liberdade não reduziu a preocupação do público com a saúde mental da cantora. Com os direitos de adaptação para cinema e TV disputados a tapas, “A Mulher em Mim”, no entanto, nos apresenta outros lados de Britney, uma pop star que ousou compartilhar seus problemas e dificuldades com o mundo: desde uma jovem ingênua, sonhadora e um tanto deslumbrada com a fama repentina até uma mulher que encontrou a coragem para se rebelar contra a exploração familiar a que foi submetida ao longo de quase toda a vida.


Justin Timberlake e eu mantivemos contato depois de O Clube do Mickey, e curtimos passar um tempo juntos durante a turnê do NSYNC. O fato de termos vivido aquela experiência juntos quando éramos tão jovens nos aproximou bastante. A gente tinha muito em comum. Nos encontramos quando eu estava em turnê e começamos a sair nos dias que antecediam os shows, e então depois dos shows também. Logo percebi que estava perdidamente apaixonada por ele — tão apaixonada por ele que chegava a ser patético.

Quando Justin e eu estávamos em qualquer lugar nos mesmos arredores — a mãe dele até chegou a dizer isso —, éramos como ímãs. A gente se encontrava imediatamente e ficava junto. Não dava para explicar como éramos juntos. Era estranho, para ser sincera, quão apaixonados estávamos.

A banda do Justin, o NSYNC, era, como as pessoas costumavam dizer na época, metida. Eram todos jovens brancos, mas que amavam hip-hop. Para mim, era isso que os diferenciava do Backstreet Boys, que parecia bem consciente ao se posicionar como um grupo branco. O NSYNC andava com artistas negros. Às vezes, eu achava que eles se esforçavam demais para se encaixar. Um dia, J e eu estávamos em Nova York, indo a partes da cidade que eu nunca tinha visitado. Vimos um cara caminhando em nossa direção, usando um medalhão grande e chamativo. Ele estava acompanhado por dois guarda-costas gigantes.

J ficou todo empolgado e disse bem alto: “Oh, yeah, fo shiz, fo shiz! Ginuwiiiiiine! What’s up, homie?”¹

Depois que Ginuwine se foi, Felicia tirou uma com a cara do J: “Oh, yeah, fo shiz, fo shiz! Ginuwiiiiiine!”.

J nem ficou sem graça. Apenas ouviu e olhou para ela como quem diz O.k., foda-se, Fe.

Foi nessa viagem que ele comprou seu primeiro colar — um T gigante de Timberlake.

Todo mundo insistia em fazer comentários estranhos a respeito dos meus seios, querendo saber se eu tinha ou não tinha feito cirurgia plástica

Foi difícil para mim ser tão despreocupada quanto ele parecia ser. Não pude deixar de perceber que as perguntas feitas pelos apresentadores dos talk shows para ele eram bem diferentes das perguntas que faziam para mim. Todo mundo insistia em fazer comentários estranhos a respeito dos meus seios, querendo saber se eu tinha ou não tinha feito cirurgia plástica.

A imprensa podia ser desconfortável, mas, nas premiações, eu sentia uma alegria genuína. A criança em mim ficou empolgadíssima ao ver Steven Tyler, do Aerosmith, pela primeira vez no MTV Video Music Awards. Eu vi Steven chegando atrasado, vestindo uma roupa fantástica que parecia uma capa de um mago. Fiquei sem ar. Pareceu surreal vê-lo de perto. Lenny Kravitz também chegou atrasado. E, mais uma vez, eu pensei: Lendas! Lendas para onde quer que eu olhe!

Comecei a encontrar a Madonna no mundo inteiro. Eu faria shows na Alemanha e na Itália, e acabaríamos nos apresentando em uma mesma premiação na Europa. Nós nos cumprimentávamos como amigas.

Em uma premiação, bati na porta do camarim de Mariah Carey. Ela abriu a porta e fez resplandecer a luz mais bela e transcendental. Você já sabe que todos nós temos ring lights agora, certo? Bem, há mais de vinte anos, só a Mariah Carey sabia o que eram ring lights. E não, não posso falar só o primeiro nome dela. Para mim, ela sempre será Mariah Carey.

Perguntei se poderíamos tirar uma foto juntas e tentei tirá-la bem onde estávamos, mas ela disse: “Não! Vem aqui, querida. Esta é a minha luz. Este é o meu lado. Eu quero que você fique aqui, assim posso posar do meu lado bom, garota”. Ela continuou falando isso com aquela voz profunda e linda: “Meu lado bom, garota. Meu lado bom, garota”.

Eu fiz tudo o que a Mariah pediu, e tiramos a foto. Claro que ela estava completamente certa em relação a tudo — a foto ficou incrível. Sei que ganhei um prêmio naquela noite, mas nem consigo lembrar qual foi. A foto perfeita com Mariah Carey — esse foi o verdadeiro prêmio.

Enquanto isso, eu estava quebrando recordes, me tornando uma das artistas femininas que mais venderam em todos os tempos. As pessoas continuavam me chamando de Princesa do Pop.

Parecia que, toda vez que eu ligava a TV para assistir alguma coisa, alguém estava me criticando, dizendo que eu não era “autêntica”

No VMA de 2000, cantei “(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones, e em seguida “Ops!… I Did It Again” enquanto tirava um terno e um chapéu para ficar de top brilhante e calça justa, com meu longo cabelo solto. Wade Robson tinha coreografado — ele sempre soube como fazer eu parecer forte e feminina ao mesmo tempo. Durante as pausas na coreografia na gaiola, algumas das minhas poses faziam eu parecer delicada no meio de uma performance agressiva.

Mais tarde, a MTV colocou um monitor na minha frente para que eu assistisse a várias pessoas desconhecidas na Times Square opinando sobre a minha apresentação. Algumas disseram que eu tinha feito um bom show, mas muitas delas pareciam mais atentas ao fato de eu ter usado pouca roupa. Comentaram que eu estava usando uma roupa “sexy demais” e, assim, sendo um péssimo exemplo para as crianças.

As câmeras, direcionadas a mim, aguardavam a minha reação às críticas, se eu levaria numa boa ou se iria chorar. Eu fiz alguma coisa errada?, me perguntei. Eu só havia dançado com todo o meu coração naquela premiação. Nunca disse que era um modelo a ser seguido. Tudo que eu queria era cantar e dançar.

A apresentadora da MTV continuou insistindo. O que eu achei das pessoas dizendo para mim que eu estava corrompendo a juventude da América?

Por fim, respondi: “Alguns deles foram muito gentis… mas eu não sou os pais das crianças. Eu só tenho que ser eu mesma. Sei que vai ter gente por aí… eu sei que nem todo mundo vai gostar de mim”.

Isso me abalou. E foi a primeira vez que realmente senti o gosto amargo de uma reação negativa que duraria anos. Parecia que, toda vez que eu ligava a TV para assistir alguma coisa, alguém estava me criticando, dizendo que eu não era “autêntica”.

Nunca entendi muito bem o que todos esses críticos achavam que eu deveria fazer — imitar Bob Dylan? Eu era uma adolescente do Sul dos Estados Unidos. Meu autógrafo tinha um coração. Eu gostava de parecer fofinha. Por que todos me tratavam, mesmo quando eu era adolescente, como se fosse perigosa?

Enquanto isso, comecei a notar que cada vez mais havia homens mais velhos na plateia, e às vezes eu ficava assustada ao vê-los olhando para mim como se eu fosse uma espécie de Lolita, principalmente quando ninguém parecia achar que eu era sexy e competente, ou talentosa e atraente. Se eu fosse sexy, as pessoas pareciam pensar que eu devia ser estúpida. Se eu fosse atraente, não poderia ser talentosa.

Meu autógrafo tinha um coração. Eu gostava de parecer fofinha. Por que todos me tratavam, mesmo quando eu era adolescente, como se fosse perigosa?

Eu gostaria de naquela época já saber aquela piada da Dolly Parton: “Eu não me sinto ofendida por todas as piadas de loiras burras, porque sei que não sou burra. E também sei que não sou loira”. Meu cabelo, na verdade é escuro.

Enquanto tentava encontrar maneiras de proteger meu coração das críticas e me manter focada no que era importante, comecei a ler livros religiosos como os da série Conversando com Deus, de Neale Donald Walsh. Também comecei a tomar Prozac.

1 “Oh, sim, o.k., o.k.! Ginuwine! E aí, mano?” [n.t.]

Produto

  • A Mulher em Mim
  • Britney Spears
  • Buzz Editora
  • 280 páginas

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