Fofoqueiros profissionais

Se vivêssemos na Grécia Antiga, as celebridades seriam como os deuses do Olimpo. É essa comparação que faz a pesquisadora e professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Issaaf Karhawi. Só que, assim como os deuses antigos por vezes desciam à Terra para visitar os meros mortais, nós também precisamos nos sentir próximos das estrelas e famosos de vez em quando. “O que as revistas e os perfis de fofoca fazem é justamente trazer um conforto que vem dessa desmistificação das aparências de uma figura célebre”, afirma Issaaf. Assim, quando percebemos, ainda que por um instante, que as celebridades passam pelas mesmas dificuldades que nós, criam-se pontos de conexão, tornando a idolatria mais igualitária.

Com o tempo e o avanço implacável da tecnologia, o próprio teor da fofoca também vem mudando. Das páginas de revistas, elas passaram a ocupar os posts das redes sociais. Os furos, que antes levavam horas ou até dias para sair na próxima edição, hoje são publicados quase instantaneamente. E os paparazzi — que ainda existem, mas com muito menos destaque do que no passado — foram praticamente substituídos por qualquer pessoa que, munida de uma câmera, esteja presente na hora e no lugar certo. O que, curiosamente, não exclui os próprios famosos.

“Hoje, a indústria da fofoca e do jornalismo de celebridades disputa a atenção dos leitores com as celebridades”, explica a pesquisadora da USP. “Então, se antes a gente tinha as perseguições de paparazzi e invasões da esfera privada, hoje as próprias celebridades abrem a intimidade nas redes sociais, nos stories do Instagram, nos posts que fazem.” Portanto, para garantir o engajamento que alimenta alguns dos maiores perfis de fofoca das redes, uma inocente foto já não basta. É preciso expor violências, segredos familiares e até de justiça, dá como exemplo Issaaf.

Até porque existem sim alguns ingredientes obrigatórios para uma fofoca de qualidade. Segundo os mandamentos de Fabíola Reipert, jornalista de celebridades que comanda A Hora da Venenosa, na Record TV, uma fofoca, para ser boa, tem que ser picante, ter intriga e polêmica. “Assuntos como traição são os que mais chamam a atenção”, exemplifica. Tanto que a melhor fofoca que Fabíola já ouviu envolvia dois atores famosos — ele casado, ela namorando — que se pegaram num carro dentro de um estacionamento. Um fotógrafo chegou a flagrar a cena, mas a história acaba cometendo um pecado mortal para qualquer tipo de fofoca: fica pela metade. Isso porque, conta Fabíola, o ator conseguiu impedir que as imagens vazassem.

Para conhecer melhor esses novos caminhos percorridos pela fofoca profissional, Gama reuniu abaixo alguns dos principais perfis que hoje fazem das redes e do ato de observar a vida alheia com uma lupa seu ganha-pão.

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  Erlan Bastos

  À frente do site de fofoca Em Off e do Balanço Geral Ceará, jornalista caiu no mundo das notícias de celebridades por acaso

  Parece que muita gente já nasce com um dom para comentar a vida alheia. No caso do amazonense Erlan Bastos (@erlan_bastos), foi preciso um pouco mais do que um empurrãozinho para descobrir o seu. Quando trabalhava na emissora de TV Meio Norte, do Piauí, sua vontade mesmo era de apresentar um programa “que falasse de buraco, de segurança pública”. Só que o diretor da emissora não concordou. “Ele olhou para mim e falou: Não, você tem uma cara muito fofinha, não tem como fazer programa policial. Tem que fazer um programa de entretenimento, de fofoca.”

  Pouco depois, Erlan estreou o programa Vida de Artista, e o resto é história. Hoje, nas redes sociais e no seu site Em Off, onde comanda uma equipe de repórteres, ele já é um dos principais nomes a divulgar novidades quentinhas das celebridades. Entre seus principais furos, estão as notícias de que o bispo Edir Macedo contraiu Covid-19, a da suposta paternidade por inseminação artificial de Gugu e uma revelação que caiu como uma bomba no mundo da fofoca: a acusação de que perfis de Instagram recebiam dinheiro para divulgar celebridades. Para Erlan, aliás, os Instagrams de fofoca são um desserviço e emburrecem o público: “Eles não estão preocupados em apurar uma notícia para postar, mas sim com engajamento.”

  No fim, o jornalista, que quando jovem  diz ter morado na rua e trabalhado como catador de latinhas, também acabou realizando seu desejo original. Hoje divide seu tempo entre a fofoca online e o posto de âncora do Balanço Geral Ceará, na TV Cidade, onde rivaliza com a Globo nos índices de audiência enquanto fala, sim, de buracos e segurança pública. “Consegui dosar entre o Erlan da televisão, que o público do Ceará acompanha, e o Erlan fofoqueiro da internet, que o resto do Brasil acompanha pelas redes sociais.”

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  New York Treta

  Matheus Verçosa e Daniel Verçosa são os criadores do canal que conta com mais de 1,4 milhões de inscritos

  Ao abrir um vídeo do New York Treta, a sensação é de familiaridade. A trilha sonora tensa, os letreiros chamativos e os paletós utilizados pelos dois apresentadores, Matheus Verçosa e Daniel Verçosa, não deixam dúvida — trata-se de uma paródia de um telejornal. Em vídeos que costumam ter entre oito e 15 minutos, os dois irmãos contam as mais novas fofocas sobre o mundo dos influencers digitais.

  O canal foi criado no começo de 2016 e já conta com 1,4 milhões de inscritos. Entre os vídeos mais assistidos, flagras de YouTubers combinando pegadinhas e desafios, revelações de identidades de influencers que se mantinham no anonimato e discussões políticas entre celebridades digitais. “Costumamos publicar tudo o que envolve o mundo dos influenciadores, mas evitamos a publicação de notícias irrelevantes”, relata Daniel. Segundo o apresentador, histórias como “Whindersson é flagrado curtindo praia no Rio de Janeiro” não têm vez no canal. Para ajudar na apuração de informações, o New York Tretas conta com um grupo de informantes no Facebook que vasculham a internet em busca de fofocas. Como recompensa por furos, esses usuários são agradecidos nominalmente nos vídeos.

  A máxima “falem bem ou falem mal, mas falem de mim” é verdadeira no ecossistema de influenciadores. De acordo com Daniel, as celebridades e influenciadores vivem gerando conflitos entre si. “É traição pra lá, alfinetada pra cá, indiretas, confusões. Na hora do lazer, o povo quer saber sobre o problema dos outros. Todo mundo gosta de um bafafá.”

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  Virou Festa

  Tiago Fabri e Alexandre Duarte são as mentes por trás do canal com mais de 900 mil inscritos

  Tiago Fabri e Alexandre Duarte estão juntos há oito anos. Insatisfeitos com suas vidas profissionais, o casal criou o canal Virou Festa em 2016, onde ambos comentavam sobre os mais variados assuntos da cultura pop. Com o tempo, uma coisa ficou bem clara: o público amava vídeos sobre os babados das celebridades. Percebendo essa oportunidade, Fabri e Duarte passaram a cobrir reality shows, bastidores de TV e a vida dos famosos. “As pessoas são fascinadas pelos famosos. Elas querem saber se aquela vida perfeita é real ou se existe algum podre bem escondido”, comenta Fabri.

  No começo de 2020, eles publicaram um vídeo sobre a final do reality show Hair, da Record. Nele, Fabri e Duarte apontaram com humor bem ácido um erro na premiação dos finalistas. O primeiro e o segundo lugar, que haviam sido decididos pelo público, aparentavam estar trocados. Para a surpresa de ambos, poucas horas depois da publicação a emissora bloqueou o vídeo no YouTube por violação de direitos autorais. Em seguida, a própria Record soltou uma nota reconhecendo o erro no reality. Eles não têm dúvida de que a exclusão do vídeo por parte da emissora foi uma retaliação pelo erro apontado, mas a polêmica também foi positiva para o Virou Festa, alavancando a fama do canal que hoje já conta com 900 mil inscritos.

  A rotina de vídeos do Virou Festa é intensa e conta com duas produções diárias — uma cobertura do reality show da temporada e uma conversa sobre a fofoca mais quente do dia. “São mais de oito horas de trabalho, sem contar as redes sociais. Além dos vídeos, temos que estar atentos às redes sociais para qualquer atualização sobre uma fofoca”, relata o casal. “Se antigamente os babados rendiam durante toda uma semana nas páginas de revistas, hoje em dia tudo se transforma em menos de 24 horas.”

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  Chico Barney

  O jornalista e colunista da UOL é especialista em reality shows e no mundo da TV e da internet

  Todo ano, reality shows brasileiros como o BBB e A Fazenda anunciam seus participantes em eventos que dominam as redes sociais. E todo ano, assim que os confinados são revelados ao mundo, o jornalista Chico Barney (@chicobarney) crava no Twitter quem será o campeão da próxima edição. O palpite, que já se tornou uma espécie de tradição entre os fãs dos programas, nem sempre é certeiro, mas o colunista brinca e garante que jamais errou um vencedor.

  Seja em sua coluna do UOL ou nos podcasts do portal, o jornalista cobre o mundo da TV, dos realities, das novelas e da internet. “Não falo necessariamente sobre a vida das pessoas. O que me interessa são situações inusitadas e figuras pitorescas”, relata Barney.
  Suas opiniões e análises são sempre recheadas de ironia, fator que o tornou uma das vítimas prediletas das enraivecidas torcidas de reality.

  Apesar das polêmicas, o sucesso de Barney é reconhecido pelos próprios produtores do reality. Na atual temporada da Fazenda, o colunista foi escalado para o quadro A Fazenda – Última Chance, onde jornalistas entrevistam o mais recente participante a ser eliminado do reality. De acordo com ele, o fascínio pelo tema vem de um interesse genuíno misturado com uma curiosidade mórbida. “Não tem ficção que supere a vida real.” Para o colunista, a cobertura dos temas com os quais costuma trabalhar se tornaram uma espécie de commodity na mídia. “O filtro, então, se torna o que eu posso acrescentar de interessante a essa discussão.”

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  Vem Me Buscar Hebe

  O baiano Tiago Tavares comanda o perfil que já alcançou mais de 1 milhão de seguidores no Instagram

  Antes mesmo de criar um perfil oficial focado na boa e velha fofoca, o professor de musculação baiano Tiago Tavares viralizou com posts ácidos sobre novelas e programas de TV em seu Facebook pessoal. Tímido demais para estampar sua cara nas redes assim de uma vez, ele criou outro perfil privado, o Vem Me Buscar Hebe (@vemebuscarhebe), aberto apenas para os amigos. Conforme os números começaram a crescer, não teve mais como segurar: em 2015, Tiago teve que abrir a página para o público geral. O nome, como ele mesmo conta, vem de uma expressão comum na internet para descrever situações bizarras. “Tipo me leva, já deu.”

  Em 2018, o perfil acabava de bater os 700 mil seguidores quando foi sumariamente desativado pelo Instagram. A decepção foi tanta que o baiano passou quase dois anos sem voltar para a rede. Só retomou os trabalhos no início de 2020, quando, segundo ele, a coisa bombou de verdade, a ponto de acabar largando o trabalho na academia para se dedicar exclusivamente ao canal. Hoje com mais de um milhão de seguidores, o dono do Vem Me Buscar Hebe se considera um discípulo direto de Hugo Gloss. “Eu acompanhava desde o fake que ele tinha no Twitter. Achava incrível aquilo de recebidos, eventos, sempre quis estar nesse meio.”

  Além das coberturas de realities como Big Brother e A Fazenda, que geram uma avalanche de likes, ele destaca as notícias que deu em primeira mão do passeio de barco de Gusttavo Lima com sua ex Andressa Suíta e de um show clandestino de Bruno, da dupla com Marrone, lá nos primeiros meses da pandemia. Tiago brinca ainda que um de seus maiores diferenciais, em meio a tantos perfis de fofoca, é o tratamento personalizado que dá para a indicação geográfica em seus posts. Numa postagem recente da página, por exemplo, o dançarino Dynho Alves, participante de A Fazenda, fala sobre como vai passar o réveillon com a esposa Mirella, ainda sem saber que ela abriu processo de divórcio contra ele aqui fora. A marcação indica o local onde a postagem aconteceu: a “Iludidolândia”.

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