O sucesso do rap acústico no Brasil
Série de vídeos “Poesia Acústica” conta com mais de 2 bilhões de visualizações e une o rap nacional à sonoridade acústica
Do “MTV Unplugged” à versão brasileira “Acústico MTV”, o formato acústico movimenta a indústria musical há anos e atrai a atenção de fãs de música de todos os gostos. Afinal, como não se interessar por versões mais “limpas” de bandas como Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains? Se a série da MTV não tem mais a mesma relevância que tinha na década de 90, outros programas seguem o mesmo caminho da atração e apostam no formato como forma de aliar uma nova sonoridade a outros gêneros.
É o caso da série “Poesia Acústica”, produzida pela gravadora independente Pineapple Storm, que une o rap brasileiro (e o funk, em menor medida) à sonoridade acústica. Ao todo, a série é composta de 11 vídeos que contabilizam mais de 2 bilhões de visualizações, com os episódios mais populares beirando a casa de 500 milhões. Nomes grandes do rap e do funk nacional como Mv Bill, Djonga, Negra Li, Projota e Ludmilla já participaram do projeto, que une artistas tradicionais do mundo do rap e do funk à figuras emergentes na cena nacional. Os episódios costumam a ser lançados em um intervalo de seis meses e cada um apresenta uma nova formação de cantores e cantoras.
O Poesia aposta em um formato conhecido como cypher, onde vários MCs se juntam e cantam uma música em conjunto com a mesma temática. Cada vídeo costuma ter de seis a oito MCs , rimando lado a lado sobre romance e amor. A produção musical do projeto é realizada por Lucas Malak, um dos fundadores da Pineapple.
Na última terça-feira, o décimo primeiro episódio da série foi lançado, intitulado “Poesia Acústica #11 – Nada Mudou”. O elenco é composto por L7NNON, CHRIS, Ryan SP, Lourena, Xamã, Azzy, Mc Poze, Cynthia Luz. Já com 14 milhões de visualizações na primeira semana, a música está em primeiro lugar no “Em Alta” do Youtube brasileiro, seção que destaca e recomenda os conteúdos mais assistidos na plataforma.
O sucesso da série não é novidade para Paulo Alvarez, o CEO da gravadora. A série, que começou em 2017, estabeleceu o nome da Pineapple como uma das principais produtoras no cenário nacional do rap e permitiu a realização de inúmeros outros projetos dentro do selo. De turnês internacionais à produção de álbuns originais, a Pineapple se tornou relevante graças ao Poesia Acústica. “O sucesso financeiro e o alcance da série nos abriu um leque de possibilidades infinitas”, afirma Alvarez. “Somos capazes de realizar investimentos que jamais teríamos condições de fazer não fosse o Poesia.” Gama conversou com Paulo Alvarez para entender como o projeto surgiu, como ele funciona e qual o segredo para tamanho sucesso.
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G |Como a Pineapple surgiu?
Paulo Alvarez |A Pineapple começou como uma marca de roupa lá em 2015. Tinha um amigo que fazia importação de bonés e tênis para o Brasil e que desejava criar uma marca de roupa. Eu, que estava sem perspectiva de vida na época, acabei entrando nessa empreitada. Fizemos a primeira camisa e lançamos a marca em um evento de rap, um cenário musical que eu sempre conheci bem. Vendemos as 300 camisas que fizemos, mas não produzimos mais. No início de 2016, eu conheci o som do Froid e sabia que tinha que trabalhar com ele. Ele não era conhecido na época, mas eu fiquei fascinado. Entrei em contato com ele e disse que poderia ajudá-lo. Junto ao Lucas Malak, começamos a pensar em projetos que pudessem alavancar a carreira do Froid. Sabia que estava vendo o surgimento da nova geração brasileira do rap de mensagem. Em conjunto com outros rappers, ADL, Sant, Raillow, produzimos a cypher “Favela Vive”. Ajudei na produção de tudo, na equipe de filmagem, na passagem, na hospedagem. Ali, senti que amava aquilo. Depois da experiência, chamei o Malak para ser o meu sócio e criamos a PineappleStorm, junção da minha marca de roupa Pineapple Supply e do estúdio dele Brainstorming.
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G |E o Poesia Acústica?
P.A. |Na época, lá pra 2016, o cypher estava muito em alta. O primeiro projeto que fizemos para o canal foi um cypher chamado “Poetas no Topo”, que deu muito certo logo de cara. Além do cypher, o rap acústico também estava bombando com o crescimento da 1kilo. Nós sempre tivemos essa ideia, um projeto mais acústico e orgânico. O Malak sempre foi músico de MPB, ele tem uma conexão bem forte com o violão. Aproveitamos que já estávamos trabalhando com a ideia de poeta e poesia e colocamos o nome de Poesia Acústica.
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G |Qual o segredo do sucesso da série?
P.A. |Trabalhamos com um instrumental mais suave, não é aquele beat tradicional do rap que nem todo mundo gosta. Falamos sobre amor, um tema que é universal e que todo mundo se identifica. Além disso, o projeto conta com artistas do rap que estão em alta e, geralmente, artistas do rap tem uma lírica mais avançada do que outros gêneros. É uma combinação bem interessante e até quem não é fã de rap vai gostar de algum acústico. Quando lançamos um Poesia, não estamos dialogando só com quem consome rap, falamos com um público muito maior.
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G |Existem aqueles que criticam o Poesia Acústica, dizendo que o projeto não representa o rap de verdade. Como você encara essas críticas?
P.A. |Eu não ligo. Sei da importância e do tamanho do projeto e não me importo com esse tipo de crítica.
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G |Como é o processo de escolha dos MCs que vão participar do vídeo?
P.A. |Geralmente chamamos pessoas próximas da gente, amigos e conhecidos. Alguns naturalmente criam uma identificação muito forte com o projeto e acabam voltando para mais de uma participação, gente como CHRIS, Xamã, Azzy, L7NNON. Outros surgem e, mesmo sem terem participado de um Poesia, sabemos que tem a cara do projeto. Nós procuramos mesclar MCs do rap com artistas do funk e, a partir do Poesia Acústica 11, decidimos que teremos ao menos 3 mulheres em cada episódio. Essa é uma demanda antiga, mas que por questões de logística só conseguimos estabelecer agora. No fim, procuramos chamar rappers que se identifiquem com o projeto, sempre com alguém que retorna, com alguém do funk e com presença feminina.
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G |E da composição da letra?
P.A. |É sempre complicado organizar, são muitos artistas. Tentamos fazer uma sessão musical com quatro ou cinco dos nomes, onde eles se conhecem e cantam juntos. Temos um grupo no WhatsApp e ali os participantes vão mandando ideias e versões, criando a música e montando os versos. Às vezes, uma pessoa muda o verso para interagir melhor com o verso de outro participante ou por conta de outra rima que surge no grupo. Cada um escrever sua parte e manda , depois nos reunimos e fazemos outras sessões mais focadas na interação entre os músicos. Pegamos alguma melodia que foi criada em uma das rimas e sugerimos que os artistas façam algo semelhante, seguindo a mesma linha e respondendo ao que foi proposto. Essa melodia cria uma identificação na cabeça do público e se torna um espécie de “refrão” da música.
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G |Qual o futuro da série?
P.A. |Além de continuar com os vídeos no YouTube, nós gostaríamos de participar de grandes festivais. Um festival como o Rock In Rio poderia dar a oportunidade para a gente levar um grande show, com vários artistas. Também procuramos produzir outros produtos da franquia, como EPs e versões internacionais. O objetivo do Poesia é sempre se manter em alta como um dos principais projetos musicais do Brasil.