Panchakarma no Sri Lanka e o elixir da imortalidade

Sri Lanka, uma ilha no Oceano Índico ao sul da Índia, é conhecida como a Ilha das Especiarias (Spice Island). O Ceilão, seu antigo nome, é famoso pela qualidade de seus chás, por suas lindas paisagens e pela sua biodiversidade. Depois de um período monárquico, esse território passou 500 anos como colônia de Portugal, Holanda e Inglaterra, tornando-se independente somente em 1948.

O Sri Lanka tem uma população majoritariamente budista, diferentemende da Índia, onde o budismo é quase insignificante diante da maioria hindu. E é conhecido pela tradição de sua versão da medicina ayurvédica integrada com fundamentos budistas, um dos sistemas de saúde mais antigos do mundo e que originou-se na Índia, há mais de 5 mil anos. A palavra “Ayurveda” vem do sânscrito e é uma combinação de “Āyus”, que significa “vida” ou “longevidade”, e “Veda”, que significa “conhecimento”, e pode ser traduzida como “conhecimento sobre a vida e a longevidade”.

Passei as últimas semanas imerso em um processo de cura chamado Panchakarma. Uma sequência de tratamentos, oleações, massagens, banhos de ervas, nutrição especial e remédios feitos de plantas locais. Nesse processo, surgem observações claras sobre como, na medicina ocidental, negligenciamos o toque e a totalidade do corpo. Na Ayurveda, muito mais holística, curar uma doença se faz ao equilibrar as três energias vitais do corpo. A cura somática considera o corpo não apenas como um recipiente para a mente, mas como um participante ativo no processo de cura. Ela explora como o trauma, o estresse e as emoções são manifestadas e armazenadas no corpo. A ideia de somatização vem da corporificação de todos os males.

Eu pensei que o Panchakarma seria um detox de toda a vida agitada e entorpecida do mundo ocidental mas, para minha surpresa, essas ervas medicinais têm um poder alucinógeno enorme. Somado à vida sem álcool, sem carne e com poucos açúcares, torna seu organismo ainda mais sensível à sinais que, de outra forma, se confundiriam com os ruídos do dia a dia. Imagens se formam fotograficamente nítidas na visão, o imaginário vem forte. O isolamento geográfico e pessoal também te faz ouvir cada respiro. O corpo, para curar, purga. Os sabores fascinantes dos vegetais só podem ser sentidos se distanciados das proteínas animais, que carregam com elas outras memórias que se confundem com as nossas. Panchakarma é uma experiência das ervas, dos temperos e das medicinas de um conhecimento outro, de como entender a linguagem das plantas atuando sobre o corpo e a mente.

Um dos ritos mais antigos mencionados nos textos védicos é a bebida Soma, o Elixir da Imortalidade e que tem uma conexão intrigante com o nascimento do conhecimento ayurvédico. No Veda Rigveda [documento mais antigo da tradição hindu], Soma é descrito como uma planta oferecida aos deuses, cercada de grande misticismo e poder espiritual. Era tão reverenciada que chegou a ser considerada uma divindade. Várias plantas e substâncias eram identificadas como “Soma” em diferentes textos, sugerindo que Soma era mais um conceito holístico do que uma planta específica.

Acredita-se que várias plantas tinham qualidades “Soma-like”, incluindo ephedra, marijuana, cevada e darbha (kusha ou durva). Além disso, o grande médico ayurvédico Sushrut mencionou vinte e quatro plantas Soma, principalmente ervas nervinas que cresciam em lagos do Himalaia, indicando que Soma era parte de uma ciência inteira de preparações sagradas de plantas.

No contexto do yoga e das práticas espirituais, Soma é visto como um néctar secretado pela glândula pineal durante estados profundos de meditação, conhecido como amrita. Esse néctar é pensado para escorrer e se misturar com o chakra do coração, alinhando coração e mente. Soma, neste nível, refere-se ao chakra da coroa, que é aberto por indra (insight ióguico) e libera uma enxurrada de felicidade por todo o corpo. Este “Soma interno” é o principal assunto dos hinos védicos, embora os Somas externos também fossem importantes.

Coincidentemente ou não, a palavra grega para “corpo” é “σώμα” pronunciada “sóma”, e daí derivam termos médicos como ‘somatização’ e ‘psicossomático’. O termo ‘psicossomático’ refere-se à interação e influência mútua entre a mente (psique) e o corpo (soma). Na medicina e psicologia, ele representa como fatores psicológicos podem afetar o corpo físico, causando ou contribuindo para manifestações físicas de doenças ou condições de saúde. A compreensão holística da saúde era presente tanto na Grécia Antiga quanto na Índia Antiga. Ambas as sociedades desenvolveram bebidas psicoativas sagradas e secretas; na Índia, o Soma, e na Grécia, o Kykeon. Estas eram usadas em rituais de cura e de iniciação. As receitas do Soma e do Kykeon, por várias razões, foram perdidas e hoje, além de não mais aplicadas, difundem-se muitas especulações sobre do que essas bebidas poderiam ser feitas.

Aqui no Sri Lanka, a medicina ayurvédica é o serviço básico de saúde. A expectativa de vida do Sri Lanka [77 anos], um país muito mais pobre, é superior à do Brasil [75 anos] e igual a dos Estados Unidos [77 anos]. A cura e a longevidade são a razão da vida aqui; o segredo da vida pode estar em uma especiaria.

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