CV: Renata Vanzetto
Dona de sete restaurantes, a chef fala do desafio de abrir uma nova frente de negócios, a Mercearia Maravilha, e da carreira de influenciadora nas redes sociais
Quando decidiu lançar uma linha de peças de decoração, a chef Renata Vanzetto, 34 anos, queria diferenciar muito bem a marca dos sete restaurantes que fundou e comanda em São Paulo. Nascia assim a Mercearia Maravilha, que, diferentemente de alguns de seus espaços gastronômicos, não leva um nome pejorativo. “Entre os restaurantes já tinha o Mi.Ado, o Mico, o Muquifo… Então queria que a minha marca fosse em outra direção e tivesse outro astral”, conta Renata.
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A chef também é dona dos restaurantes Ema, Mé Taberna, Matilda e Megusta, todos parte do Grupo Eme, conglomerado que administra junto com um grupo de sócios — e um dos poucos negócios do ramo gastronômico que não só sobreviveu, mas prosperou na pandemia. “Tivemos um crescimento de 35% investindo forte no delivery e abrimos um novo restaurante. Eu tinha convicção de que, quando tudo passasse, as pessoas estariam sedentas por novidades. E foi o que aconteceu.”
Foi na pandemia também que Renata desenvolveu um novo skill: o de influenciadora digital. “Comecei a produzir alguns vídeos de receitas e foi um sucesso. Não tenho milhões de seguidores, mas acabo sendo interessante para as marcas, porque tenho uma base fiel”, comemora a chef, que hoje acumula mais de 200 mil seguidores no Instagram.
À esq., salada de romana com creme de ervas, pistaches e frutos do mar no azeite do Ema; à dir., Vanzetto morde o sanduíche de brocolis do Matilda Reprodução/Instagram @renatavanzetto
A Gama, Renata conta como concilia a vida de chef, empresária e influencer com as rotinas dos filhos Ziggy, 5, Max, 2, e Suri, 1, fruto da união com o arquiteto Cassiano Bonjardim, recorda o estágio em um dos restaurantes mais famosos do mundo e explica porque conquistar uma estrela no Michelin não está nos seus planos.
Percebi que tenho um grande poder de venda
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G |Você já tinha sete restaurantes quando decidiu abrir a Mercearia Maravilha. Como surgiu essa ideia?
Renata Vanzetto |Sempre quis ter um produto só meu, alguma coisa que o cliente pudesse comprar e levar para casa, com a minha marca. No início seria um mix de molhos, para que todos pudessem dar um up nas receitas, que eu chamaria de “poções mágicas”. Cheguei até a fazer a identidade visual e a decidir o nome da linha, a Mamma Vanzetto. Mas fui atrás e desanimei, porque era tudo difícil. Uma coisa é o consumo imediato, servir o cliente no restaurante e acabou. Outra é o cliente levar a comida para casa. Aí tem que aprovar os conservantes que vão fazer aquele produto durar na geladeira, tem a embalagem adequada para o transporte… Então deixei a ideia meio adormecida. Mas de um tempo para cá, comecei a fazer muita coisa como influenciadora e fui percebendo que tenho um grande poder de venda. Não tenho milhões de seguidores como muitas meninas por aí, mas conto com uma base fiel nas minhas redes. Recebi feedbacks muito positivos das marcas que me contratam e isso me fez retomar o plano de ter essa linha de produtos que fossem só meus. Já que eu vendia tão bem as marcas dos outros, por que ainda não estava vendendo a minha própria? E aí nasceu a ideia da Mercearia Maravilha, que não vende comida, mas sim coisinhas de servir comida.
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G |Que lugar o trabalho como influenciadora digital ocupa na sua vida hoje?
RV |Comecei a levar mais a sério essa história de produzir conteúdo para as redes durante a pandemia. Estava isolada com minha família em nossa casa na Barra do Sahy, em São Sebastião, naquele momento de quarentena. Comecei a compartilhar alguns vídeos de receitas nas minhas redes sociais e uma delas foi a Torta Ridícula, que é ridiculamente fácil de fazer, por isso dei esse nome. Foi um sucesso, gerou muito compartilhamento. Então fui ganhando cada vez mais seguidores, engajamento e as marcas me notaram. E é muito louco como as pessoas não tem noção do trabalho que isso dá. Tem reunião com o cliente para decidir o conteúdo, o orçamento, gravação do conteúdo, mas às vezes o cliente não aprova e aí tenho que regravar… Naquele momento de pandemia, com aquela crise toda, eu pegava tudo o que dava de publicidade, trabalhava feito louca! Hoje tenho uma agência que cuida dessa parte das redes sociais para mim, porque não tenho como dar conta. É uma demanda grande e depende 100% de mim. Nos vídeos sou eu, não tem como um dos meus sócios aparecer no meu lugar. Não dá para eu cuidar de sete restaurantes, uma mercearia, ser influencer e mãe de três crianças. Agora, graças a Deus, consegui chegar a um momento em que escolho as marcas com as quais acho bacana trabalhar. Porque um tempinho atrás neguei um cliente que me deu muita dor de cabeça, pedia refação de tudo e não me deixava gravar do meu jeito. Quando ele quis renovar o contrato, não topei.
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G |Muitos restaurantes fecharam as portas na pandemia, enquanto você expandiu seus negócios. Como você conseguiu ter sucesso na maior das crises para o setor?
RV |Fizemos um investimento muito grande no delivery, em embalagens que faziam as comidas chegarem impecáveis na casa das pessoas. No Matilda fizemos até uma reforma para que o setor de delivery funcionasse de uma maneira mais eficiente. E uma coisa que eu fiz, que foi completamente contra tudo naquele momento conturbado, com a vacinação começando, foi abrir um restaurante, o Miado. Apostei nisso porque eu sabia que quando tudo aquilo acabasse, as pessoas voltariam a frequentar os lugares, sedentas por novidades. Foi exatamente o que aconteceu: o Miado foi uma explosão, lotado todo dia, e esse sucesso impactou os meus outros restaurantes também. Porque quando não dava para entrar no Miado, os outros começaram a dar conta da fila do Miado. Foi um boom para o grupo inteiro, tivemos um crescimento de 35%.
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G |Sendo chef de sete restaurantes, você ainda consegue participar do dia a dia e dos processos criativos dos cardápios de cada um deles?
RV |Não gosto de passar a imagem de mulher que consegue dar conta de tudo, porque isso não é real. Sou mãe, empresária, influenciadora e chef e isso não quer dizer que dou conta de tudo. Neste momento estou muito focada na Mercearia Maravilha e mais distante dos restaurantes. Apareço neles na hora do almoço para ver como estão as coisas, mas agora não estou desenvolvendo novidades nas cozinhas. Já estive na fase em que me dediquei a gravar mais os conteúdos para minhas redes e as outras coisas foram andando sozinhas. Em algum momento, estou pensando em mudanças nos cardápios e aí as outras coisas ficam em segundo plano. Vou trabalhando por módulos para não enlouquecer.
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G |Já sentiu que a sobrecarga de trabalho trouxe prejuízos para sua saúde mental?
RV |Às vezes acho que tenho tanta coisa para pensar e fazer, que nem sinto que estou sobrecarregada, mal e esquisita. Vou apenas fazendo. É muito louco, porque por mais ansiosa que eu me sinta, sem conseguir dormir, não consigo parar. Gosto dessa loucura. Entendo que algumas pessoas achem isso errado, que me enxerguem à beira de um burnout. Minha mãe, meu marido e até alguns seguidores me escrevem falando: “Renata, você precisa descansar”. Comparo com uma droga. Quando uma pessoa fuma e sabe que aquilo faz mal, o primeiro passo para parar de fumar é querer parar, certo? É a mesma coisa comigo: eu tenho que querer descansar, mas eu não quero. Claro que tem vezes em que fico muito cansada, sobrecarregada, de saco cheio… Só que, no geral, eu curto ter mil coisas para fazer, ver o resultado delas. Às vezes me forço a pausar, ler um livro, tirar um dia de folga. Aí começo a achar tudo muito sem graça. Mas dentro dessa minha loucura, de vez em quando, dou os meus perdidos. Trabalho, trabalho, trabalho sem folga, mas aí tiro uma semana com minha família na Ilhabela ou programo uma viagem com meus amigos para a Bahia. Sei dar os meus “foda-se” também. Esse é o equilíbrio que consegui encontrar hoje.
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G |Você trilhou um caminho no qual sempre foi a líder do time, a dona do negócio. Isso te blindou de situações de machismo?
RV |Mesmo sendo a chefe, já vivi sim algumas situações que não passaria se fosse homem. Por exemplo, quando comecei a me destacar no ramo da gastronomia e saíram as primeiras reportagens ao meu respeito, tudo meio que girava em torno do fato de eu ser uma mulher bonita e jovem. As matérias a meu respeito abordavam isso antes de falar da minha competência na cozinha, do meu sucesso nos negócios. Na época, eu não tinha muito essa consciência, mas quando vejo algumas reportagens mais antigas, acho assustador. Outra coisa que acho muito machista é acharem que sou uma patricinha, que meus pais me deram alguns milhões e eu fui abrindo meus restaurantes. Fico revoltada, porque minha história é o oposto disso.
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G |Em que situações você já ouviu esse tipo de insinuação?
RV |Uma vez eu estava saindo do Marakuthai, quando ainda era ali na Alameda Itu, nos Jardins, e sentei em um banquinho para esperar meu carro chegar do vallet. Um casal de clientes estava ali perto conversando e não me viu. Daí escutei o cara falar para a mulher: “A chef desse restaurante é uma menina supernovinha lá de Ilhabela e já conseguiu abrir um restaurante em São Paulo. Mas também… Ela é filha de um milionário”. Nossa, eu quis voar no pescoço dele! Nessa época eu morava em um apê de 35 metros quadrados, do prédio mais horroroso ali da região, junto com a minha mãe, a minha irmã e o namorado dela. Estávamos todos ali batalhando, apostando no sucesso do restaurante, uma luta. Um banheiro na casa para todo mundo e eu ouvindo que minha família era de milionários. Vejo isso sim como uma forma de machismo. Sempre dão um jeito de invalidar as conquistas de uma mulher.
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G |Como você começou seu negócio?
RV |Tudo começou com a minha mãe, lá na Ilhabela, onde nasci e fui criada. Quando eu tinha uns 12 anos, minha prima era chef de cozinha na Tailândia e viria passar uma temporada com a gente lá na Ilhabela, onde eu cresci. Minha mãe ficou animadíssima, quis abrir um pequeno restaurante tailandês lá em casa mesmo, pediu uns móveis e uns equipamentos emprestados. Minha prima era chef, eu ajudava fazendo algumas entradinhas. Ela abriu esse restaurante lá em casa, com R$ 10 mil. Anos depois, em 2007, quando eu decidi abrir o Marakuthai, foi desse mesmo jeitão dela. Fiz um empréstimo no banco, uns R$ 50 mil na época, usava o fogão da minha avó, os móveis lá de casa mesmo… Totalmente orgânico. Nenhum restaurante meu foi um grande investimento, sempre comecei cada um com o mínimo possível e fui melhorando aos poucos. Vejo que alguns chefs amam falar que montaram uma cozinha de R$ 3 milhões… Eu tenho pânico, pânico…
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G |Você teve uma experiência de 20 dias na cozinha do dinarquês Noma, considerado por muitos anos o melhor restaurante do mundo. O que levou de lá para seus restaurantes?
RV |Meu estilo de cozinha não tem absolutamente nada a ver com o do chef René Redzepi, então digo que não levei nada. Mas o Noma foi muito importante na minha vida para eu entender que eu não queria mais o Marakuthai. Eu queria ter um restaurante mais autoral, que eu não gostava mais daquele estilo de apresentação, de comida. E aí veio a ideia do Ema, meu primeiro restaurante 100% autoral. Porque o Marakuthai veio de uma ideia que era da minha mãe, era uma continuidade daquele restaurante que ela havia aberto com a minha prima. Era uma ideia delas, não minha.
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G |Você sonha com uma estrela no Michelin?
RV |Nunca foi meu objetivo e eu gostaria que isso não soasse pretensioso. Se esse fosse meu sonho, eu sei que iria me dedicar, iria dedicar minha vida, iria morar no restaurante até que ele ganhasse o prêmio. Mas essa não é minha praia, senão eu teria apenas um restaurante e não sete. Hoje tenho muito claro na cabeça que o que eu gosto mesmo é criar projetos e fazer acontecer. Ter várias coisas ao mesmo tempo. Meus restaurantes estão longe de serem os melhores do mundo. São restaurantes legais, que têm uma comida boa, para que as pessoas tenham momentos especiais ali. Não é para terem uma experiência gastronômica surreal. E ponto.
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