Maria Ribeiro
Um protesto nada tímido
O “Foro de Teresina” sempre vai existir em todos os tocadores e a parte do amor é muito maior do que a da fofoca
Fernando,
Há cinco anos, o Brasil e eu estávamos péssimos. “Ele não” eram as únicas palavras que eu tinha como certas. No que dizia respeito à minha vida e, principalmente, ao meu país, o movimento feminista de 29 de setembro era praticamente o único ao qual minhas pernas respondiam. De resto, a dúvida era um letreiro no horizonte. Como ir em frente? Com que identidade?
Havíamos nos separado de projetos que até então nos pareciam “naturais”, como o amor e a democracia. Aquelas coisas que, disfarçadas de triviais, tornam todas as outras possíveis. Como fazer mercado, ler um livro, se entusiasmar por um filme, descobrir um podcast.
Acabo de ouvir suas palavras de despedida do “Foro de Teresina”. Palavras que você pegou do Carlos Drummond de Andrade, e que ele, tenho certeza, te empresta com satisfação.
“Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.”
Aqui de Itabira, de onde escrevo por causa de um festival de literatura, penso onde uma única pessoa pode chegar com o que deixa no mundo. A cidade vive de ter sido o berço do poeta, a quem você pede abrigo em dias difíceis.
Terminar é um verbo duríssimo. Ainda mais assim, em público.
Por outro lado — e é claro que é triste te ouvir sozinho encerrar uma banda que era de três —, sua voz nunca esteve tão perto. Tão forte. Tão bonita. Pra mim, uma das maiores forças do jornalismo é a impossibilidade da pausa.
Um jornalismo único, que talvez nos comova por trair o que se convencionou chamar de bom jornalismo, o da isenção
Lembro quando eu era parte do “Saia Justa” e meu pai adoeceu. No dia em que o enterrei, no Rio de Janeiro, gravei poucas horas depois um episódio do programa, em São Paulo. Preferi, por algum motivo, seguir trabalhando. Qual teria sido a diferença se eu não tivesse ido? Talvez nenhuma. Mas me confortou cumprir minha parte. Faria tudo de novo, mesmo sabendo da violência do fim.
O “Foro” acabou. Como você disse, foram 276 programas, cinco anos e meio, duas formações. Pra mim, foram quatro vozes, quatro visões de mundo, oito mãos que me carregaram em meio a um pesadelo que misturou Bolsonaro, pandemia e perdas imensas. Um jornalismo único, que talvez nos comova exatamente por trair o que se convencionou chamar de bom jornalismo, o da isenção.
Peço desculpas aos leitores pela coluna/carta. Sei que nem todos estão desolados pelo fim do podcast, que há duas guerras brutais acontecendo no momento, que o Brasil não dá trégua, que o luto aqui é pessoal.
Mas esse é um texto de agradecimento — e talvez por isso valha seu tempo. E, como estou em Itabira, e como Fernando também é Barros e também é Silva, e como o “Foro” sempre vai existir em todos os tocadores, sugiro, pra quem não conhece, dar um Google nessa história de amor. Essa parte, a do amor, é muito maior do que a outra, a da fofoca.
Que as coisas lindas também ficam, meu amigo. Com saudades e protestos nada tímidos,
Maria
Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)
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