CV: Bárbara Brito
Estrategista de negócios, a carioca de 29 anos chefia a área de operações de conteúdo da Obvious. Para chegar até aqui foi babá e faxineira na Irlanda e, em Portugal, trocou trabalho por cama e comida
Aos 18 anos de idade, a carioca Bárbara Brito tinha uma passagem na mão e uma ideia na cabeça: viajar para a Irlanda para estudar e só voltar ao Brasil quando conquistasse a independência — de vida, da família, nas finanças. Dez anos mais tarde e uma carreira cheia de bagagem, ela conseguiu.
Mas não foi fácil. Enquanto estudava ciências da comunicação na University College Dublin, trabalhava para se manter. Foi babá, faxineira e fazia sanduíches em uma rede de fast-food. Após a formatura, tirou férias e rumou para Portugal, mas gostou tanto do país que decidiu ficar por lá mesmo. Trabalhou em hostel em troca de cama e comida, foi contratada como recepcionista folguista e, em seguida, efetivada no cargo, até chegar à gerência.
MAIS SOBRE O ASSUNTO
O que minha carreira me ensinou
CV: Samantha Almeida, diretora de criação na Globo
CV: Caito Maia, fundador da Chilli Beans
Algum tempo depois, foi chamada para a startup Selina, rede hoteleira focada no público jovem. Na empresa, Bárbara começou como assistente da diretoria, passou pela área de produto até chegar à chefia o departamento de brand e criação. Hoje, aos 29, atua como chefe da área de operações de conteúdo da Obvious, plataforma que reúne podcasts, newsletters e promove eventos com o tema central da felicidade feminina.
De comunicóloga, tornou-se estrategista de negócios, aprendendo o ofício no dia a dia, segundo conta. Além dessa ocupação, ela investe e cria estratégias para dois negócios independentes que desenvolveu, cada um, com uma sócia.
De volta ao Brasil há pouco mais de um ano, com uma casa própria em Portugal e após passar a pandemia em Cabo Verde, a profissional relembra o caminho que percorreu para prosperar e se firmar no mundo dos negócios.
Resumindo, parece tudo muito vago, fácil, mas não foi. O meu maior desafio nesse sentido foi a renúncia de voltar ao Brasil, onde estava o aconchego da minha família, do meu lar
“Não era uma família rica, milionária, mas sempre tivemos condições muito dignas. No entanto, eu tinha um propósito maior, que era a minha independência”, conta.
No papo abaixo, Bárbara Brito conta a Gama o passo a passo da sua trajetória profissional.
-
G |Como você chegou até aqui?
Bárbara Brito |Eu saí do Brasil muito nova, com 18 anos, para estudar ciências da comunicação na Irlanda e, lá, tive alguns trabalhos informais para me manter. Fui babá, trabalhei no Subway e fazia muita faxina. Depois de um tempo, a faxina virou a minha principal fonte de renda pela dinâmica e porque eu conseguia escolher os horários, então, era mais fácil de conciliar com os estudos. Quando terminei a faculdade, fui para Portugal de férias, me apaixonei por lá e resolvi ficar. No hostel onde me hospedei, consegui, por meio da Worldpackers [plataforma que conecta viajantes a trabalhos em troca de hospedagem], um trabalho voluntário em troca de cama e café da manhã. Após um tempo, eles me ofereceram uma vaga de recepcionista folguista, até que fui efetivada. O hostel faz parte de uma cadeia de quatro hostels, dois em Lisboa, um no Algarve e outro em Ericeira.
Assim que fui contratada, me inscrevi num mestrado por conta do visto que expirou assim que saí da Irlanda. Fiz o pedido do visto de estudante com permissão para trabalhar, mas nunca finalizei o curso porque o trabalho não me deixava e não era uma prioridade na minha vida na época. O meu objetivo era conseguir crescer e me manter no país. Fui subindo ali; de recepcionista, virei chefe de recepção e cheguei à gerência. Deixei o hostel para gerenciar as quatro unidades da rede. Eu entrei no lugar da gerente que tinha ido para a Selina. E ela me chamou pouco tempo depois pra gente iniciar as operações em Portugal. E foi assim que se iniciou a minha trajetória na Selina. Depois de quase sete anos de empresa, a minha vida mudou, resolvi voltar para o Brasil e as coisas começaram a não se encaixar tanto e eu não tinha mais para onde crescer na Selina, o que começou a virar um empecilho. Sou muito grata à Selina, mas em outubro de 2023 chegou a hora de alçar novos ares, caminhar por outros caminhos. E me veio a proposta da Obvious, que foi algo muito surpreendente, que eu não estava esperando.
-
G |Pode contar como foi a sua trajetória na Selina?
BB |Comecei como assistente de direção quando eu tinha entre 22 e 23 anos. Na Selina, por se tratar de uma startup, tudo muda muito rápido, pessoas saem, entram, a rotatividade é grande porque é tudo intenso. Bastante gente não consegue ficar por não acompanhar o ritmo. Os orçamentos são apertados e os processos precisam ser muito acelerados. Assim, eu consegui crescer facilmente e mais rapidamente na empresa. Então, passei para o departamento de produto, fiquei ali durante um bom tempo, e depois fui para brand, chegando à chefe do departamento de brand e criação.
-
G |Como está sendo a experiência na Obvious, onde você está há quatro meses?
BB |Eu nunca tinha trabalhado com uma equipe 100% feminina. Na verdade, 99% porque a gente tem um homem lá. E isso me tirou diversas complexidades que a sociedade trazia para mim. Eu sempre trabalhei com muitos homens, com chefias compostas por homens. Então, estar num lugar que fala sobre o feminino, que trabalha a felicidade feminina — a Obvious é uma plataforma digital que trabalha a felicidade feminina nos seus conteúdos — e, ao mesmo tempo, lidar com tantas mulheres e ser ouvida por essas mulheres e saber que elas são ouvidas também, foi algo muito especial. Tem sido algo muito especial, diferente de tudo o que eu vivi nos últimos anos. E isso não é uma comparação, mas acho que é algo que eu precisava viver: saber que existe um trabalho bem feito, liderado e feito por mulheres.
-
G |Além do trabalho na Obvious, você investe em algumas marcas, certo?
BB |Isso. Comecei a entender que eu queria investir em projetos que fossem independentes, mas que eu tivesse poder para trabalhar neles e fazê-los crescer. Conversei com uma amiga, a Thamires Hauch, que queria abrir uma marca de roupas, e entrei nessa com ela em 2022. Hoje, somos sócias da Diosa, uma loja online. O meu outro negócio é o MequeLab, um laboratório de comunicação que cria narrativas coerentes com o que as empresas realmente querem vender. Eu e minha sócia, a jornalista Luiza Brasil, temos clientes como Arezzo e Animale, e já fizemos campanhas com Anitta e Bruna Marquezine.
-
G |E a volta ao Brasil, como foi?
BB |Passei quase dois anos da pandemia de Covid-19 em Cabo Verde porque, em Portugal, fiz amizade com muitos cabo-verdianos que trabalhavam no país. Tinha mais conexão com eles do que com os portugueses, que são um pouco retrógrados, além da questão racial, que pega muito em Portugal. Fiquei trabalhando de lá, foi um sonho, conheci bastante da cultura, aprendi o crioulo específico falado na Ilha do Sal, ia à praia todos os dias. Mas quando a pandemia melhorou, o país abriu e o mundo voltou a funcionar, decidi retornar a Portugal. Cheguei, estava frio, chovendo, minha casa estava alugada.
Enfim, fiquei dois dias lá e comprei uma passagem só de ida para o Brasil, onde estou até hoje. Minha meta sempre foi conseguir a nacionalidade portuguesa por tempo de trabalho e voltar ao Brasil com minha total independência financeira, e deu certo. Foi bem no momento em que senti vontade de me reconectar com os amigos, com a minha família, com a cultura e entender um pouco mais desse Brasil que eu tinha deixado há dez anos.
-
G |Como foi a migração da comunicação para os negócios e as estratégias? Você chegou a fazer alguma formação nessa área ou foi aprendendo no dia a dia?
BB |Fui aprendendo com o tempo, nos negócios mesmo. A comunicação é muito importante para mim, até para eu conseguir lidar com as pessoas. Costumo dizer que sem o campo relacional da comunicação você não consegue chegar muito longe. Tudo depende da sua comunicação, de como você se comunica perante os negócios ou diante de qualquer outra coisa. Mas o que também me ajudou, o que me fez abrir o caminho para os negócios, foi ser assistente de direção, observando como a minha chefe da época conseguia lidar com todos os direcionamentos necessários. E acho que o meu fator diferencial foi me comunicar bem, já que muita gente desse meio não fazia isso tão bem, era tudo muito duro. Eu vi na boa comunicação uma forma de deixar mais leves os negócios porque o mercado corporativo é muito agressivo.
-
G |E você teve mentores nessa trajetória?
BB |Eu posso dizer que sim. Me inspirei muito numa pessoa que foi uma das minhas primeiras chefes na Selina, a Teresa Moreira. Ela é portuguesa, uma profissional incrível, excelente, que me deixou a visão de que viver para o trabalho não é o suficiente para você ter sucesso. É com a trajetória dela que eu venho me inspirando muito.
-
G |Você teve que abrir mão de algo para chegar onde chegou?
BB |Com certeza, inclusive de voltar ao Brasil. Todos os meses em que eu estava fora, pensava em voltar. Porque não é fácil. Principalmente durante a faculdade e quando eu cheguei a Portugal, várias vezes eu não tinha o que comer. Eu pegava free food no hostel — normalmente, nos hostels da Europa o povo deixa o que compra e não cozinha em uns carrinhos, e era do que eu me alimentava. Então, nunca foi fácil. Resumindo a trajetória, parece tudo muito vago, fácil, mas não foi. O meu maior desafio nesse sentido foi a renúncia de voltar ao Brasil, onde estava o aconchego da minha família, do meu lar. Não era uma família rica, milionária, mas sempre tivemos condições muito dignas. No entanto, eu tinha um propósito maior, que era a minha independência. Então, estar fora do país significava conquistar isso da forma como eu consegui fazer.
-
G |Qual é a sua missão com o seu trabalho hoje?
BB |A minha missão vem mudando. Eu comecei a fazer alguns conteúdos nas redes sociais que têm crescido bastante. São vídeos sobre trabalho, desafios profissionais, sobre o que o mercado corporativo e o mercado de trabalho não contam. Hoje em dia, a minha missão tem sido levar um pouco da ideia do mundo corporativo e do mercado de trabalho para as pessoas que não têm acesso a informações práticas, principalmente para o povo preto, que é a maioria do meu público. Passo dicas de como alavancar a carreira, falo sobre o que se pode ou não fazer, o que facilita a vida no trabalho, quais as brigas que podemos comprar e as que não.
-
G |Quais têm sido os maiores desafios para o seu trabalho?
BB |Acho que é a persistência, porque no mundo corporativo você precisa ser persistente e consistente naquilo que faz, e acreditar muito no seu potencial e perseverar. No Brasil, onde o mercado é imenso e há muitas pessoas competentes fazendo um pouco da mesma coisa, principalmente na área de comunicação, é ainda mais desafiador.
-
G |Você enfrenta racismo e machismo no mercado de trabalho?
BB |Hoje, não mais, mas por uma questão de postura. O racismo existe, é visível aos meus olhos quando entro em determinados lugares, em determinadas reuniões, em certos restaurantes, mas consigo ter uma postura de olhar para essas pessoas sabendo quem eu sou, pensando que aquilo não vai me atingir. Eu vi o trecho de um vídeo da Taís Araujo em que ela fala que teve de empinar o nariz ou teria sido atropelada. E me vi muito nessa fala porque há momentos em que a gente tem que fingir que não está se importando, olhar com certa superioridade, ou passar uma imagem de superioridade, para não ser atropelada quando, na verdade, não é nada daquilo que você está sentindo. Mas se não for desse jeito parece que as pessoas não se respeitam.
-
G |Quais foram seus maiores aprendizados nesses anos?
BB |Tive alguns aprendizados até aqui, mas acho que o maior aprendizado que eu tiro de toda a minha trajetória é o poder do autoconhecimento. É saber quem você é, como você faz as coisas e que o que você faz é realmente digno de orgulho. Então, o meu autoconhecimento me motiva muito, a minha autoconfiança também. Ter consciência de que eu me conheço o suficiente e saber que sou boa naquilo, consequentemente, faz com que eu persista.
-
G |Na sua trajetória, você cometeu alguma falha que não cometeria hoje?
BB |Sim! Uma delas é não falar tudo para todo mundo. Eu era muito boca aberta. Tudo o que acontecia eu falava para os outros, de uma possível promoção a uma ideia. E era para todo mundo. A pessoa me perguntava como eu estava e eu já começava a abrir a boca para tudo e todos. Hoje em dia eu me preservo muito mais, só costumo falar o que é necessário sobre o meu trabalho, por exemplo. Aprendi uma frase pontual que tenho usado para tudo na minha vida: negocia melhor quem fala menos.