Negócios além da fama
Celebridades que são também empresárias de sucesso já são um fenômeno nos EUA. Com as novas empreitadas de atrizes como Marina Ruy Barbosa, Taís Araujo e Flávia Alessandra, será a vez das brasileiras?
No início de agosto, a internet foi bombardeada com a notícia de que Rihanna se tornou, oficialmente, a mais nova bilionária do planeta. Mas, ao contrário do que muitos podem imaginar, sua fortuna, estimada em U$ 1,7 bilhão, não é fruto apenas de sua carreira musical. Por mais que acumule 15 anos de shows e álbuns de sucesso, grande parte da quantia que a transformou em uma verdadeira bilionária vem de sua empresa própria, a marca de cosméticos Fenty Beauty.
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Nos Estados Unidos, Rihanna não é um ponto fora da curva. Diversas artistas norte-americanas, que vão de Oprah Winfrey a Ellen DeGeneres, passando por Madonna e Beyoncé, estampam, além das telas e jornais de fofoca, a lista de empresárias mais ricas do mundo. Agora, o fenômeno parece ganhar espaço no Brasil. “Em larga medida, algo que já faz sucesso nos Estados Unidos, e que se conhece sobretudo por meio de mídias digitais, passa a acontecer aqui também”, afirma Bruno Pompeu, professor de publicidade de faculdades como USP e ESPM, além de sócio da Casa Semio, uma organização voltada ao estudo da semiótica. “Dá para dizer que chegou a vez das brasileiras.”
Pompeu ressalta que o fenômeno não é exclusivamente feminino, mas que, quando acontece com mulheres, alcança mais visibilidade. “A criação de negócios ainda está muito associada ao universo masculino, à figura emblemática do ‘homem de negócios’. Quando vemos uma proximidade com o feminino, aquilo ganha notoriedade.”
Não é sobre querer ser ‘mais do que artista’, é sobre poder ser o que eu quiser
A atriz Gwyneth Paltrow é outro exemplo de artista que se aventurou nos negócios — e se encontrou nesse universo. Em 2008, lançou a tímida newsletter Goop, que se expandiu até virar um portal de conteúdo e mais tarde um gigante e-commerce de bem-estar, avaliado em mais de US$ 250 milhões. A brasileira Marina Ruy Barbosa é uma de suas fãs, e a considera sua mulher de negócios modelo. “É uma grande atriz, muito respeitada, e resolveu sair da sua zona de conforto para montar uma das mais prestigiadas empresas de conteúdo e consumo dos EUA”, diz a Gama. “Admiro muito sua vontade de abrir novas portas e criar algo relevante mesmo após uma carreira de sucesso. É uma mulher que soube se reinventar.”
Influenciada pela ídola, Marina Ruy Barbosa é uma entre as várias brasileiras que ilustram a união da fama e dos negócios no país. As também atrizes Taís Araujo e Flávia Alessandra são parte do time, assim como a publicitária Julia Petit. Recentemente, elas anunciaram e lançaram suas empreitadas, como a marca de roupas Ginger, de Marina, e o marketplace de moda circular Fa.forpeople, idealizado por Flávia Alessandra, em parceria com a evva comunicação e a empresária Cidinha Santos. Taís Araujo anunciou que deve em breve lançar sua marca de roupas de praia, a HotMamma. Uma de suas sócias é a consultora Cristina Naumovs, e a empresa contará com uma plataforma de auxílio a mulheres que buscam independência econômica.
Já Julia Petit veio da comunicação: era influenciadora de beleza mesmo antes do termo existir de fato, e esteve a frente do Petiscos, o portal de beleza e comportamento que ditou tendências no país desde seu início, em 2007, até ser encerrado pela fundadora em 2019. Não conseguiu ficar muito tempo parada, e no mesmo ano lançou a marca de skincare Sallve. “Quando uma pessoa se olha no espelho e fala da aparência, são muitas camadas emocionais e íntimas de cada um”, conta a Gama. “A conversa sobre os cuidados com a pele e com a aparência das pessoas em geral é muito rica. Partindo disso, não tinha outro caminho.” Além da imbatível Rihanna, uma de suas maiores ídolas nesse universo é a britânica Pat McGrath, que fez sua própria linha de maquiagem.
A minha jornada em conteúdo me provou que comunidade constrói marca, isso se você escuta as pessoas e consegue ver suas necessidades
Mas por que essas artistas, já influentes e com dinheiro de sobra no bolso, resolveram abrir suas próprias empresas? Julia Petit sempre teve um pé nos negócios, e depois do sucesso nas redes sociais, viu potencial em seu número de seguidores. “A minha jornada em conteúdo me provou que comunidade constrói marca, isso se você escuta as pessoas e consegue pensar nas necessidades.”
Marina Ruy Barbosa acredita que vivenciamos um momento importante, de ascensão do protagonismo feminino, e completa: “Existe mais de uma forma de nos sentirmos pessoas completas e realizadas, não temos apenas um único caminho. Não é sobre querer ser ‘mais do que artista’, é sobre poder ser o que eu quiser”. Já Flávia Alessandra diz que o empreendedorismo faz parte de si. “Está meio que no meu DNA”, diz ela depois de citar que, além do marketplace que acaba de anunciar, é também sócia de outras duas empresas e tem uma iniciativa com o marido, Otaviano Costa. “Empreender está no meu instinto, é algo que gosto muito.”
Gestores viram celebridades, e celebridades, gestores
O professor Bruno Pompeu atenta tanto para a aproximação de celebridades ao universo dos negócios, como para uma tentativa de gestores e líderes de empresas de se tornarem célebres e conhecidos, talvez como uma estratégia de marketing. “Da mesma forma que vemos um processo de celebrização de gestores e donos de empresas, como a Luiza Trajano [comanda a rede de lojas de varejo Magazine Luiza] e a Cristina Junqueira [CEO do Nubank], é natural que o caminho inverso aconteça, uma espécie de mercadologização das celebridades.” Basicamente, celebridades tornam-se gestores, e gestores também tornam-se celebridades.
Vemos um amadurecimento da classe criativa, que passa a acompanhar a evolução do ecossistema de influência
O outro lado da moeda não parece tão cor de rosa. “Temos que ter cuidado com o discurso perverso da livre iniciativa do empreendedorismo”, alerta Bruno Pompeu. “Claro que há uma abertura para empreender, mas não podemos esquecer da narrativa falaciosa que procura potencializar a lógica do capital. Casos como os de negócios de celebridades merecem cautela: podem gerar uma ideia falsa de que é fácil ficar rico com o seu próprio negócio.”
Mas a questão já anuncia sua ambiguidade. Por um lado, vê-se o movimento como resultado do avanço do feminismo do Brasil, segundo Lydia Caldana, consultora da WGSN Mindset, empresa de tendências de comportamento e consumo. De acordo com ela, esse avanço ocasionou um reconhecimento da importância de termos mulheres como líderes. “Também vemos um amadurecimento da classe criativa no país, que passa a acompanhar a evolução do ecossistema de influência e da capitalização sobre ele. Fora o momento pandêmico no Brasil, que não só impactou diretamente as finanças dos artistas, como exigiu muito mais criatividade para se reinventar do dia para a noite. Dentro desse contexto todo, empreitadas não-óbvias nascem.”
Fama e negócio andam juntos?
Se antes o marketing de uma empresa era feito por anúncios com grandes celebridades, hoje os famosos ganham cargos em escritórios. De embaixadores a conselheiros, gigantes como Anitta e Gisele Bündchen têm conquistado cada vez mais espaço no mundo dos negócios, muito pelo fato de carregarem o peso de nomes que dispensam apresentação. A modelo brasileira, uma das maiores do mundo, tornou-se acionista da Ambipar, líder em gestão ambiental, muito por sua inclinação e apreço por pautas ambientais. Desde julho, ela integra o Comitê de Sustentabilidade da companhia. Já a cantora de funk, além de head de inovação e criação da Skol Beats, passou a fazer parte do conselho de administração do Nubank.
Nas contratação de celebridades, mesmo que seja algo ‘ficcional’, as empresas mostram a necessidade de estar mais próximas do público
Seja pela identificação da marca com as bandeiras que os artistas carregam ou pela visibilidade dos milhões de seguidores que acumulam nas redes sociais, a finalidade das empresas parece ser chegar a novos lugares. “Nessa contratação de celebridades, mesmo que seja algo ‘ficcional’ ou um cargo mais efetivo, as empresas demonstram uma necessidade de estar mais próximas do seu público, das pessoas”, explica o professor Bruno Pompeu. De acordo com ele, no caso da Anitta a questão fica muito clara: justamente pelo fato da cantora representar uma parte da população distante do cenário elitista dos escritórios — e pela habilidade de transformar tudo que toca em ouro — passou a integrar o time do Nubank.
Em um mundo dominado pelas redes sociais, a relação entre fama e negócios parece bem mais estreita. Cada vez mais, uma empresa depende da visibilidade e engajamento na internet para obter sucesso fora dela. “Pensando nos meios de monetização das plataformas e redes sociais, você precisa de certa popularidade no plano da comunicação digital para que o seu negócio dê certo”, finaliza Pompeu.