Winnie Bueno
Ofertar palavras como quem oferta flores
Escrever um livro me deu a oportunidade de denunciar situações execráveis que ocorreram quando eu não tinha repertório ou idade suficiente para responder
Eu sempre escrevi e, desde muito nova, sonhava em ter um livro de minha autoria exibido nas vitrines e estantes das livrarias de que eu gostava. Ainda tenho livrarias favoritas e quando meu primeiro livro foi publicado, procurei-o em cada uma delas. Sempre senti uma alegria em encontrar ao menos um exemplar, ver concretizado meu trabalho em forma de livro.
Ainda assim, mesmo com um livro publicado e outros escritos compondo obras coletivas, foi com certa surpresa e muito medo que aceitei o convite de Raquel Cozer, à época editora-chefe da Harper Collins, para escrever um livro — um livro meu em uma grande editora. Foi um convite em aberto que me permitia escrever o que eu quisesse da forma que eu achasse melhor. Aceitei, cheia de receios, ainda sem saber sobre o que exatamente gostaria de escrever, mas orgulhosa de ter sido convidada a fazer meus pensamentos circularem sem grandes preocupações com as normas ABNT. Seria um livro para exercer a prosa criativa que pulsava no meu coração e não mais uma etapa para a busca de um reconhecimento acadêmico; seria um exercício de inscrição de vivências.
Foram muitas ideias, muitas conversas, muitos insights e sonhos até que “Por Que Você Não Acredita em Mim?” começasse a ser escrito. Um livro que pensei que seria fácil de escrever mas que exigiu de mim entrega e desconfortos para os quais talvez eu mesma não estivesse preparada. Revisitei memórias, lidei com as serpentes de angústias estomacais. Muitas páginas nasceram em meio a lágrimas e tantas outras são retratos recentes de terrores que vi e precisei enfrentar.
A desvalorização do nosso intelecto tem intenções específicas. As violências raciais estão em nossas vidas de múltiplas formas
Mas, conforme eu ia percorrendo as memórias e relatos que deram forma a esse escrito, que com muita alegria chega às livrarias no mês do meu aniversário de 35 anos, percebi que não era suficiente escrever apenas pela dor: fiz as pazes comigo mesma, com a criança que fui, com a adolescente que não conseguia se perceber enquanto pessoa, com a mulher que muitas vezes reduziu a si mesma para caber nos desejos medíocres dos outros.
Escrever esse livro me permitiu afirmar para mim mesma onde reside a minha própria beleza; me deu a oportunidade de denunciar situações execráveis que ocorreram quando eu não tinha repertório ou idade suficiente para responder; me deu de presente um espaço muito especial para que eu pudesse expressar meus sentimentos mais profundos sobre temas diversos. Pude dar voz a mim mesma e a partir disso espero conseguir de alguma forma dialogar e me conectar com outras pessoas como eu, acolher outras pessoas como eu.
“Por Que Você Não Acredita em Mim?” também é uma forma de evidenciar que a desvalorização do nosso intelecto tem intenções específicas. Pretendi expor que nós sabemos o que é feito e que reconhecemos as múltiplas formas em que as violências raciais se fazem presentes em nossas vidas, mas que ainda assim, nossas vidas não são resumidas a resistir à violência racial. Temos muitos lugares para florescer. Oferecer palavras é um desses lugares. Eu espero que as minhas palavras-flores contribuam para que o racismo não tenha mais onde brotar.
- Por Que Você Não Acredita em Mim?
- Winnie Bueno
- Harper Collins
- 244 páginas
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Winnie Bueno Winnie Bueno é iyalorixá, pesquisadora e escritora daquelas que gostam muito de colocar em primeira pessoa sua visão do mundo e da sociedade. É criadora da Winnieteca, um projeto de distribuição de livros para pessoas negras
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