Trecho de Livro: Sexo na Vitrine, de Regina Navarro Lins — Gama Revista

Trecho de livro

Sexo na Vitrine

De Adão e Eva a discussões sobre gênero e orientação sexual, o novo livro da psicanalista Regina Navarro Lins explora histórias e tabus sobre sexo, finalmente nos holofotes

Leonardo Neiva 21 de Outubro de 2022

Sabia que, no começo, se achava que as mulheres eram as únicas responsáveis pelo nascimento de uma criança? E, depois, que os homens é que faziam todo o trabalho, enquanto elas seriam apenas um receptáculo? Sim, trilhamos um longo caminho desde então, mas questões como a posse da parceira dentro de um relacionamento e a importância que se dá à paternidade, entre muitas outras, surgiram nesses primórdios e seguem relevantes até hoje, independentes dos avanços e dos retrocessos pelos quais a sociedade passou.

MAIS SOBRE O ASSUNTO
Regina Navarro Lins: ‘O sexo no casamento é uma tragédia’
Luxúria
Hora de redescobrir o sexo

Em “Sexo na Vitrine” (BestSeller, 2022), a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins parte desses tempos longínquos para explorar como o sistema patriarcal e nossos desdobramentos socioculturais nos trouxeram aonde estamos. Ao longo da jornada, se aprofunda também nos tabus e na repressão sexual de homens e mulheres, em verdades e mitos sobre o sexo e como nossa visão sobre o corpo se expandiu com as novas noções de gênero e de orientação sexual.

A obra é uma espécie de continuação de “Amor na Vitrine” (BestSeller, 2020), com o foco indo da relação sentimental direto para a cama. Assim como na prática da psicanálise, onde Lins é especialista nas duas coisas, esses assuntos se interconectam e se confundem ao longo das curtas e instigantes pílulas de informação que compõem a obra. Embora o sexo de fato esteja na vitrine, algumas poucas décadas atrás ele permanecia aprisionado num quartinho dos fundos sem janelas, assim como num passado não tão distante este livro talvez nunca tivesse chegado a ver a luz do dia.


Mulheres e homens no sexo

Várias mães e vários pais

Durante milênios foi ignorado o vínculo entre sexo e procriação, e os homens não imaginavam que tivessem alguma participação no nascimento de uma criança. A ideia de casal era desconhecida. Cada mulher pertencia igualmente a todos os homens, e cada homem a todas as mulheres. O matrimônio era praticado por grupos. Cada criança tinha vários pais e várias mães, e só havia a linhagem materna.

E as ovelhas mudaram a história

No momento em que o homem observou pela primeira vez um grupo de animais, descobriu que tinha, entre os humanos, a mesma função que o carneiro desempenhava entre as ovelhas. Acreditou, então, ser o único responsável pelo nascimento de uma criança. A mulher seria apenas um receptáculo que a carregaria em seu corpo. A ideia também cristalizou o senso de posse do homem, posto que o conceito de “meu filho” requeria que a mãe da criança estivesse ligada a um homem apenas. Afinal, um homem não se arriscaria a deixar a herança para o filho de outro.

Publicidade indesejável

Uma mulher fazendo a faxina da casa enquanto um homem descansa com os pés para cima, ou uma mulher com dificuldade para estacionar o carro. Esses são exemplos de comerciais que a agência reguladora Autoridade de Padrões Publicitários do Reino Unido (Advertising Standards Authority, ou ASA, na sigla em inglês) tomou a decisão de restringir. Guy Parker, diretor da agência britânica, argumenta que “Estereótipos de gênero preconceituosos em comerciais podem contribuir para a desigualdade na sociedade, com consequências para todos nós.” Outro comercial mencionado pela agência era da fórmula de leite Aptamil, que mostrava uma bebê do sexo feminino crescendo para se tornar bailarina e bebês do sexo masculino se tornando engenheiros ou alpinistas.

Mudança de regras

Até algumas décadas atrás, o papel desempenhado no sexo tinha regras bem definidas. Fazia parte do jogo de sedução o homem insistir na proposta sexual e a mulher recusar. Ainda há homens que insistem no jogo de sedução antigo. Não percebem que hoje a recusa pode acontecer só porque a mulher não está a fim.

Durante milênios foi ignorado o vínculo entre sexo e procriação, e os homens não imaginavam que tivessem alguma participação no nascimento de uma criança

O macho está em extinção I

Na nossa cultura, o homem aprende desde cedo que, para corresponder ao papel de macho, não pode recusar mulher alguma. Deve estar sempre pronto para o sexo, independentemente de estar cansado ou sem vontade. Trocar afeto e prazer com a parceira é secundário. Importante mesmo é o pênis ficar ereto, bem rígido, e ejacular bastante. E, logicamente, as consequências podem ser desastrosas: um comportamento sexual mecânico e estereotipado. Talvez o mesmo não acontecesse se o homem só se relacionasse sexualmente com pessoas por quem se sentisse realmente atraído, e se buscasse uma troca verdadeira de prazer.

O macho está em extinção II

Muitos homens, subjugados pela masculinidade tóxica, acreditam que cabe exclusivamente a eles tomar a iniciativa do encontro sexual. Durante muito tempo a maioria das mulheres também aceitou isso, por achar que a natureza é assim mesmo. Elas se sentiam inibidas, temendo desapontar o parceiro caso se mostrassem ativas. Esse cenário tem apresentado sinais de exaustão. É verdade que muitos homens ainda se assustam com mulheres mais livres. Paradoxalmente, a principal reclamação desses homens em relação à parceira é justamente a passividade! A consequência desse desencontro é um sexo insatisfatório para ambos, com cada um se esforçando para corresponder à expectativa do outro, tudo com pouquíssima espontaneidade.

Mulher comportada

Para a psicoterapeuta belga radicada nos Estados Unidos, Esther Perel, a feminilidade, associada à pureza, ao sacrifício e à fragilidade, era uma característica da mulher moralmente bem-sucedida. A outra, vista como prostituta, vagabunda, concubina ou bruxa, era a mulher livre, que trocava a respeitabilidade pela exuberância sexual.

O script é sempre o mesmo

Muitas mulheres se recusam a fazer sexo no primeiro encontro, mas não por falta de desejo. Fazem isso por submissão ao homem, ou seja, pela crença de que têm que corresponder à expectativa dele. A partir daí se inicia uma encenação, e o roteiro é sempre o mesmo: o homem insiste, a mulher recusa. O desejo que os dois sentem é igual, mas ele continua insistindo e ela continua dizendo não. Ela acredita que, se ceder, vai ser desvalorizada por ele e o relacionamento não vai prosseguir. Ele vai sumir rapidinho. E o pior é que muitos homens somem mesmo. A luta interna entre os antigos e os novos valores não está encerrada. Alguns se sentem obrigados a depreciar a mulher que sentiu tanto desejo quanto eles, e não fingiu.

Muitas mulheres se recusam a fazer sexo no primeiro encontro, mas não por falta de desejo. Fazem isso por submissão ao homem

Aplicativos para mulheres casadas estão “bombando”

No nicho de apps de relacionamentos voltados para mulheres casadas, o Gleeden foi um dos que mais cresceram. No primeiro trimestre de 2022 eram 250 mil usuários no país, sendo um quarto no estado do Rio de Janeiro. A estimativa é que chegue a 500 mil no fim do ano. O app foi pensado por mulheres e para mulheres desde a sua criação, em 2009, na França. É por esse motivo que elas têm acesso gratuito, enquanto os homens pagam. Um levantamento feito pela empresa que administra o aplicativo indica que as usuárias se sentem mais “felizes e vivas” com as relações extraconjugais. Ainda segundo a pesquisa, o desgaste no relacionamento foi determinante para que tivessem vontade de fazer sexo com outras pessoas.

O encontro marcado

No início do século XX, a estrutura do namoro se modificou radicalmente. A mulher deixou de ser a mocinha tímida, que ruborizava e olhava para o chão, à espera de ser notada na igreja por algum jovem, que depois fosse pedir ao pai permissão para visitá-la em sua casa. Lá pela década de 1920, uma revolução técnica do namoro se tornou possível: a invenção do encontro marcado. O telefone e o automóvel foram fundamentais para essas mudanças. Entretanto, o telefone foi considerado indecente. “Uma jovem que está na cama pode ouvir a voz de seu bem-amado, junto ao travesseiro, com um tremor voluptuoso…”, diziam. Em lugar do encontro na igreja e das tardes muito bem vigiadas na sala de visitas da família, os jovens marcam encontros pelo telefone, e saem a passeio a sós, para namorar nos automóveis estacionados nos drive-in.

Sofrimento desde a infância

A doutrina segundo a qual há no sexo algo de pecaminoso é totalmente inadequada, causando sofrimentos que têm origem na infância e continuam pela vida afora. O antagonismo entre os sexos impede uma amizade e um companheirismo verdadeiros, fazendo com que a relação entre homem e mulher se deteriore. O filósofo inglês Bertrand Russel acredita que, mantendo em uma prisão o amor sexual, a moral convencional concorreu para aprisionar todas as outras formas de sentimento amistoso, e para tornar os homens menos generosos, menos bondosos, mais arrogantes e mais cruéis.

Lilith e Adão: um conflito e tanto!

Eva não foi a primeira mulher de Adão. Antes dela houve Lilith, mas o amor deles foi conturbado. Quando iam fazer sexo, Lilith perguntava a Adão: “Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob seu corpo?” Adão ficava em silêncio, perplexo. Mas Lilith insistia: “Por que ser dominada por você? Eu também fui feita de pó e sou tua igual.” Lilith foi embora. Adão queixou-se a Javé, e ele ordenou a Lilith: “O desejo da mulher é para seu marido. Volta a desejar teu marido.” Mas Lilith se recusou e foi amaldiçoada, enviada para os demônios, com quem passou a ter relações, parindo pequenos diabos que Javé matava logo que nasciam. Adão recebeu Eva, extraída de uma de suas costelas e totalmente submetida à sua vontade. O mito de Lilith foi encontrado nos escritos sumérios e acadianos e nos testemunhos orais dos rabinos sobre o Gênese.

A mulher deixou de ser a mocinha tímida, que ruborizava e olhava para o chão, à espera de ser notada na igreja por algum jovem

O que se cobra do homem

Do homem é cobrado a vida inteira ter atitudes, comportamentos e desejos considerados masculinos. Diante de qualquer variação no jeito de falar, andar ou sentir, sua virilidade é posta em xeque. A hegemonia da palavra falada passou a ser uma tendência feminina. Como os homens são socializados para agir, competir e serem destemidos, a capacidade de expressar os sentimentos não é um atributo valorizado na formação da masculinidade.

Produto

  • Sexo na Vitrine
  • Regina Navarro Lins
  • Record
  • 420 páginas

Caso você compre algum livro usando links dentro de conteúdos da Gama, é provável que recebamos uma comissão. Isso ajuda a financiar nosso jornalismo.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação