CV: Ana Sarkovas — Gama Revista
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CV: Ana Sarkovas

À frente da gestora de investimentos ESG Ecoa Capital, empreendedora construiu uma carreira atuando com sustentabilidade e impacto social no ambiente corporativo

Leonardo Neiva 25 de Outubro de 2022

Se precisasse apontar um momento ou lugar onde seu interesse por questões sociais e ambientais despertou, a empreendedora e investidora Ana Sarkovas, 38, diria que foi já na barriga da mãe. Exageros à parte, a especialista na prática do ESG (governança ambiental, social e corporativa) no ambiente empresarial diz ter aprendido já na infância a importância de pensar em como a desigualdade afeta a sociedade. “Meu pai me falava sobre os desafios do país, como a desigualdade. Isso me fez ter a percepção sobre o outro, um senso de empatia”, relembra.

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Hoje à frente da Ecoa Capital, gestora de investimentos focada em negócios “alinhados ao espírito do nosso tempo”, que ela fundou ao lado do marido Dario Guarita Neto e do empreendedor Tomaz de Moura, Sarkovas tem formação em marketing e ciências sociais. Ao longo da carreira, teve passagens por empresas que fomentam o desenvolvimento e práticas de gestão sustentáveis, o que foi dando estofo à profissional dentro dessa área.

Logo em uma das primeiras experiências, trabalhou como estagiária na organização internacional Ashoka, voltada para o empreendedorismo social. Depois disso, atuou com desenvolvimento sustentável nos bancos Real e Santander, na Amata — empresa que trabalhava com o uso de madeira na construção civil de forma renovável — e por fim como diretora-executiva do Sistema B, que atua no mundo todo com empresas que buscam fazer negócios de forma mais inclusiva e sustentável. Foi na Amata, aliás, que Sarkovas conheceu Neto, um dos fundadores do empreendimento, com quem hoje é casada e tem duas filhas. O nascimento da primeira delas motivou a saída da profissional da liderança do Sistema B, onde segue até hoje como conselheira.

A maternidade, ela diz, foi um momento difícil do ponto de vista profissional. “Quando virei mãe, foi como se tivesse caído num buraco de perda de identidade profissional”, revela. A redescoberta desse papel, segundo Sarkovas, veio com a fundação da Ecoa, em 2019. “Na Ecoa, minha missão vem com um elemento de repensar meu papel como mulher, mãe, profissional e investidora, considerando a desigualdade de oportunidades.”

A empreendedora reforça que a gestora de investimentos busca sempre dois pilares principais: as empresas que já nascem com um propósito ESG claro e as que buscam investir capital humano e financeiro para transformar seu modelo de negócio. E isso dentro de várias áreas de atuação, como saúde, educação e energias renováveis. “Colocando capital financeiro, intelectual e pessoal, conseguimos gerar impacto, repensar portfolio, toda a cadeia de produção e governança com maior equidade, inclusão e transparência nas relações”, afirma.

Às novas gerações de interessados em trabalhar com ESG no mercado corporativo, Sarkovas também faz um alerta: hoje há muito mais oportunidades do que no passado, mas os novatos ainda terão que lidar de forma inevitável com incoerências e frustrações. Afinal, o mercado segue muito distante das idealizações. “Essa geração tem uma coisa um tanto idealizada, acaba entrando numa empresa com um propósito claro e no dia a dia encontra incoerências.”

A Gama, Ana Sarkovas fala ainda sobre o machismo no mercado de investimento, como avaliar o valor de uma empresa e a importância de conhecer bem os limites do consumidor.

  • G |O que te moveu a trilhar esse caminho?

    Ana Sarkovas |

    As pessoas que trilharam esse caminho geralmente tiveram um momento de uma grande descoberta ou dor que mudou suas trajetórias. Meu storytelling fica chato porque não tenho esse momento. Foi dentro da barriga da minha mãe. Minha trajetória foi muito mais pelo amor do que pela dor, com encontros com pessoas de extrema relevância, como a Celia Cruz da Ashoka, o Fábio Barbosa do Banco Real, as lideranças da Amata e líderes empresariais inspiradores no Sistema B. Desde criança, também fui exposta a questões sociais relevantes do Brasil. Meu pai me falava sobre os desafios do país, como a desigualdade. Isso me fez ter a percepção sobre o outro, um senso de empatia. Hoje as crianças vêm sendo cada vez menos expostas a essa realidade.

  • G |Quais os desafios de trabalhar na área de investimento em ESG no Brasil? Como lidar com eles?

    AS |

    Trabalho há apenas três anos como investidora no Ecoa. Isso é bom porque tenho uma energia nova no assunto e sou bastante crítica sobre a forma ainda bastante tradicional como o setor funciona. Também tenho questionado o que significa valor no setor financeiro. No mundo ESG, as empresas que geram maior valor social, ambiental e financeiro são as alinhadas às melhores práticas de governança. Então nosso papel como investidor não é pela filantropia. Essas são as empresas resilientes em momentos de crise, que geram mais valor para o consumidor e os acionistas. Não acho que a lógica seja diferente da tradicional. É mais uma camada que você usa para analisar as empresas, que vai além do retorno financeiro.

  • G |Você enfrenta machismo dentro desse mercado?

    AS |

    Ainda é um ambiente extremamente machista. Existe uma conexão e uma relação completamente diferentes entre empreendedoras e investidoras mulheres. Não pelo gênero, mas porque geralmente elas têm um cuidado maior entre si, percepções muito complementares e um entendimento do negócio. Nosso desafio é tornar esse um ambiente menos hostil e mais acolhedor para elas.

  • G |Qual o perfil das empresas de que vocês geralmente vão atrás na hora de investir?

    AS |

    As análises das empresas são cada vez menos cartesianas. Tem muitas outras camadas envolvidas na hora de analisar valor. Os investidores têm pago preços altos por empresas que impactam muito pouco. Nas que chegam com propostas de substituir proteína animal, se você pergunta de onde vêm os insumos ou como os produtos são feitos, ninguém sabe dizer. De que adianta um leite que substitui o de vaca, mas tem excesso de açúcar? No mundo dos investimentos, estamos esquecendo parâmetros básicos de integridade. Como seu leite ou sua carne vão causar menos impacto se você não sabe a origem das matérias-primas ou em que condições os trabalhadores operam? No ESG, vivemos um momento de muita incoerência e somos a geração que vai lidar com essa transição. É preciso ter um olhar bastante crítico. Fico feliz por termos um espaço muito maior para enfrentar isso dentro do próprio sistema. Hoje estou na Faria Lima gerando impacto, operando uma holding de investimento com a mesma lógica das outras, mas com valores e visão de mundo diferentes.

  • G |Você enxerga a Ecoa Capital como um recomeço na sua carreira?

    AS |

    Sempre vi como uma evolução natural. Tive a fase no terceiro setor, depois executiva e por fim fui lidar 100% com empresas, como fomentadora de negócios. A Ecoa me traz uma visão de cima, a partir da copa das árvores. Me vejo num momento de ampliar o escopo de uma única empresa para um grupo. O que queremos é criar um guarda-chuva de empresas com uma visão de mundo compartilhada, um jeito de fazer negócio que olhe para aspectos como transparência, relação justa e geração de retorno para todos os envolvidos. É a criação de um novo patamar ético de gestão. Mas questiono se minha tarefa é mais nessa visão de cima ou de colocar a mão na massa, ajudando as empresas a mudar. Essas duas coisas podem coexistir.

  • G |Você e o Dario vêm atuando como sócios há três anos. Qual é o segredo para trabalhar bem em família?

    AS |

    Nossa experiência de trabalhar juntos deixou uma sensação boa, existe uma complementaridade muito grande. Nossa escolha foi fazer tudo junto e misturado, nossa vida pessoal e profissional. Temos amigos pessoais muito fortes que se tornaram parceiros profissionais e parceiros profissionais que se tornaram grandes amigos pessoais. Essa fronteira hoje não faz mais o menor sentido. Nosso escritório é uma extensão da nossa sala, um grande lugar de encontros. As pessoas que estão ali também podem surgir num jantar aqui em casa. Claro que tem o desafio de separar questões íntimas das profissionais, mas fazemos isso com os dois pés nas costas porque nos conhecemos no ambiente de trabalho. É tudo muito natural, não vejo como um grande desafio no dia a dia.

  • G |O que você diria para alguém que pensa em trilhar um caminho parecido com o seu?

    AS |

    O ESG veio como um tsunami. Eu, que sempre me senti uma pessoa fora do tempo, falei: agora estou no tempo certo. Quem está começando essa trajetória já tem um solo muito mais fértil. Quando comecei, só tinha duas opções. Hoje no Brasil são mais de 300 Empresas B. Não significa que sejam lugares prontos. Essa geração tem uma coisa um tanto idealizada, acaba entrando numa empresa com um propósito claro e no dia a dia encontra incoerências. Um aprendizado para essa turma é saber que vai ter que lidar com isso. Não adianta dar chilique. Uma empresa pode estar buscando diversidade em cargos de liderança, mas hoje só ter uma mulher em posição de destaque. Querer mudar já é um passo superimportante. Mas essa geração tem dificuldade de lidar com frustrações porque foi criada de forma superprotegida. O intraempreendedorismo, trazer essas questões de dentro para fora, é um caminho super bacana. O Banco Real para mim foi uma escola porque não existia nada, a gente aprendeu fazendo.

  • G |Na sua trajetória você cometeu alguma falha que não cometeria hoje?

    AS |

    Na Amata, a gente tinha uma concessão florestal. Fazíamos o manejo sustentável dessa área, que é quando você só tira o que a natureza é capaz de repor. E tínhamos como estratégia operacional educar arquitetos brasileiros a usar outras espécies que não só o ipê e o cumaru. Porque, para fazer o manejo sustentável, precisa tirar de 28 a 30 espécies diferentes, não pode pressionar só as de alto valor. Então fizemos um trabalho de educação para explicar o valor de usar outras espécies. Foi um grande aprendizado porque a gente estava tentando convencer o consumidor quando ele ainda não tinha elementos para perceber o valor daquilo. Um grande investimento de energia e dinheiro para criar um novo mercado no Brasil quando não existia maturidade suficiente. Batemos nessa tecla até desistirmos. Hoje, quando alguém me fala que vai educar o consumidor, digo que não vamos convencer ninguém a nada. A pergunta é se já existe essa oportunidade. Mudar mindset não é rápido. É um dever da educação e formação das pessoas, e não das empresas.

  • G |Qual a sua missão na sua profissão? Ela mudou com o tempo?

    AS |

    O princípio que me move não mudou: minha inquietação sobre nossa situação como país e sociedade. Mas tenho refletido mais sobre o impacto da maternidade na vida de uma profissional. Para mim, foi um momento desafiador. Enquanto mulheres profissionais, temos uma identidade muito colada nisso. Quando virei mãe, foi como se tivesse caído num buraco de perda de identidade profissional. A Ecoa trouxe uma redescoberta do meu papel, com uma grande força da maternidade. Também tenho pensado em como dar mais oportunidade para mulheres e crianças desde a primeira infância. Por que hoje minhas filhas têm o privilégio de uma boa educação, saúde e um ambiente familiar positivo, mas outras pessoas não? Isso tem me incomodado muito. Na Ecoa, minha missão vem com um elemento de repensar meu papel como mulher, mãe, profissional e investidora, considerando a desigualdade de oportunidades. Aquele modelo da executiva que passava por cima de tudo ficou para trás. Na minha agenda, não sinto vergonha de falar que tenho lugares para as crianças. Às 12h15, vou buscar na escola e almoçar com elas. Essa discussão é o novo papel que procuro e ainda não está 100% resolvido. Hoje tento encontrar essa equação.

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