Coluna da Maria Ribeiro: O que une as mulheres — Gama Revista
COLUNA

Maria Ribeiro

O que une as mulheres

Ainda somos criadas para agradar, julgadas por nossas escolhas, cobradas pela maternidade – ou por sua ausência

19 de Agosto de 2022

Quando a Claudia Abreu me contou que ia fazer um espetáculo sobre a Virginia Woolf (1882-1941), eu pensei na minha mãe. Primeiro, porque, de longe, minha genitora é a maior leitora que eu conheço. Foi ela quem me deu de presente “Mrs. Dalloway”, e foi ela quem me apresentou sua contemporânea – e rival literária – Katherine Mansfield.

Depois, porque de alguma forma há algo que nos une, nós mulheres, independentemente de nossas épocas. Sim, ainda somos criadas para agradar, ainda precisamos de coragem pra dizer não, ainda somos julgadas por nossas escolhas, ainda somos cobradas pela maternidade – ou pela ausência dela.

Já faz uns bons anos que me digo feminista, mas não há tantos quanto gostaria. Foi Laís Bodanzky, à época das filmagens de “Como Nossos Pais” (2017), longa metragem que fizemos juntas, quem me disse: “Você não percebe, mesmo em quem nos ama, o incômodo que causa o nosso protagonismo?”

Havia decidido, desde muito pequena, que marido nenhum me impediria de trabalhar, de me vestir ou de me maquiar do jeito que eu bem entendesse

Eu não percebia. Havia decidido, desde muito pequena, que não repetiria o padrão dos meus pais. Que marido nenhum me impediria de trabalhar, de me vestir ou de me maquiar do jeito que eu bem entendesse. Que jamais entraria em relações com desequilíbrio de poder. Que não dependeria financeiramente de absolutamente ninguém.

E, de fato, não me recordo de ter deixado de colocar nenhum batom vermelho ou minissaia por causa de namorado. Mas tenho bem vivas no HD as lembranças de não ter conseguido dividir determinadas vitórias com alguns parceiros. De ter escondido êxitos, celebrado sozinha, sentido culpa por minhas conquistas.

*

Todo mundo que gosta minimamente de literatura sabe que Virginia Woolf foi uma das mais importantes escritoras do século passado. Foi responsável, junto com James Joyce, pela escrita do tipo “fluxo de consciência”, que editou Freud pela primeira vez na Inglaterra, e que se matou colocando pedras em seus bolsos para em seguida entrar em um rio.

Antes, escreveu duas cartas de despedida: uma para seu marido, Leonard, parceiro da vida toda, e outra para sua irmã. Virginia era bipolar, termo que na época obviamente não existia, e foi internada algumas vezes em instituições psiquiátricas.

Mulher, escritora, bissexual, instável emocionalmente, nada disso impediu Virginia Woolf de carimbar o sexo feminino na história da literatura do século 20. E não só pela bravura de escrever em uma época em que as meninas deveriam estudar em casa e tocar piano, mas por escrever justamente sobre isso: faltas, peças quebradas, depressão. Em “Um Teto Todo Seu”, a inglesa afirma que, para escrever ficção, as mulheres precisam de estrutura econômica e de um espaço só para si. Isso em meados de 1900…

Penso que gosto de ser mulher, e que se acreditasse em outras vidas e pudesse escolher, escolheria tudo de novo

Quando vi a peça, que é de autoria da própria Claudia, pensei que, apesar de tudo, estamos em um momento bonito para o teatro. Claudia é uma das atrizes mais impressionantes com quem já contracenei. Sua força e sua doçura, adjetivos que raramente casam de forma tão sutil, parecem indissociáveis, e fazem de sua Virginia uma figura próxima, acessível, alguém que poderia estar entre nós.

Então eu penso na minha tia, que, como ela, também tirou a própria vida, tendo sofrido a vida toda com o machismo de sua época e de meus avós. Penso na minha mãe, que dedicou sua existência aos casamentos, apesar de tantos talentos, penso na Claudia, agora escritora, em suas filhas Maria, Felipa, penso em mim.

Por último, penso que gosto de ser mulher, e que se acreditasse em outras vidas e pudesse escolher, escolheria tudo de novo.

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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