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Letrux

Despedida

Já tive a fase adolescente com poesias horríveis com reticências (quem nunca?), mas hoje em dia sou puro ponto final. Aprendi a dizer adeus, sem facilidade alguma mas com firmeza e gratidão

29 de Junho de 2022

Queridas pessoas que me leram durante esses dois anos e meio aqui na Gama: essa é minha última coluna. Acho importante o ponto final. Já tive a fase adolescente com poesias horríveis com reticências (quem nunca?), mas hoje em dia sou puro ponto final. Aprendi a dizer adeus, sem facilidade alguma mas com firmeza e gratidão. Escrever é um troço muito maluco, lembro bem da professora da alfabetização mostrando a letra A dentro de um corpo de uma abelha, e aí EUREKA, e aí já era, e aí era uma vez. E aí, um abraço.

Sou devota das palavras escritas. Me ajoelho por um bilhete, me lanço por uma mensagem com mais de mil caracteres no WhatsApp

Sempre compreendi a escrita como um mundo real. Apesar de através dela eu ter passeado por países que nunca fui e lugares que nem existem fisicamente, a literatura sempre foi algo exato para mim. Quando uma pessoa me escreve, capaz d’eu acreditar mais naquilo do que na sua oralidade. Devo ter cuidado com isso, mas agora é tarde demais também. Já me lasquei, já me maravilhei. Sou devota das palavras escritas. Me ajoelho por um bilhete, me lanço por uma mensagem com mais de mil caracteres no WhatsApp. Sei que eu e vocês que me leem somos um grupo seleto, não chegamos a estar em extinção, mas somos pessoas raras. Estou ciente. Mas a literatura é paixão avassaladora. Por vezes caótica, mas daquelas que se alastram.

Escrever mensalmente é um exercício árduo, curioso, divertido, cansativo. Ser colunista me trouxe alegrias, me fez pensar, repensar, verifiquei sinônimos, revirei memórias, tirei dúvidas com amigues sobre questões. Umas eu amei mais, outras nem tanto. Sou assim: me amo e me odeio. Me louvo e me critico. Quem não é? Quem só se ama? Que medo! Quem só se critica? Que fardo!

Quando eu tinha uns sete anos fui numa festa e tinha um quadro negro. Isso era tão excitante quanto hoje em dia ter um ipad, talvez? Sinto que. Porque o quadro negro era algo tão proibido na escola. Era a área da professora, você não podia ir ali do nada, desenhar com giz, nada disso. Só se te chamassem, e geralmente era pra resolver uma conta com outras 30 crianças te olhando. Terror. Quando alguém tinha um quadro negro (em miniatura) em casa, era um convite à rebeldia. Escrevíamos besteiras, fazíamos desenhos de besteiras, loucurinhas, enfim. E aí nisso chegou uma senhora e me disse assim: “Aposto que você não sabe escrever HELICÓPTERO”. Tremi. Achei que estava longe dos abutres, ops, adultos. Mas não, lá veio uma com sua fala sabichona. Encabulada, percebi que não, ainda não sabia escrever helicóptero. Foi meio horrível mas acho que ali nasceu minha escritora. Por raiva e rebeldia.

Foram dois anos de paralisia tão forte, que agora que estamos vacinadas, a porta dos desesperados se abriu de um jeito meio trem descarrilhado

Outro dia uma amiga comentou assim: “Ah, vocês também já estão com saudades da pandemia?” A gente riu de nervoso mas entendeu o que ela quis dizer. Foram dois anos de paralisia tão forte, que agora que estamos vacinadas, a porta dos desesperados se abriu de um jeito meio trem descarrilhado. Passei dois anos com muito tempo livre, muito. E agora é um trabalho atrás do outro. Não estou reclamando, apesar da economia do país não permitir que estar trabalhando muito signifique estar ganhando bem. RISOS. Mais choros. É uma frase chula, mas às vezes é real: tô sem tempo pra peidar. Sabe assim? Trabalho, trabalho, pedidos, pedidos, organização de projetos, pra agora, pra daqui a dez meses. E ainda tem o amor, tem a família, tem as amizades. Não estou dando conta. Não há saudade da pandemia, mas sim de um momento em que tínhamos mais tempo. Agora parece haver um desespero para recuperar o tempo perdido e tudo está mais rápido e crianças ouvem músicas de 15 segundos em festas e dizem para a mãe “Troca!”, porque não suportam mais 30 segundos da mesma música. Critico as novinhas mas com atenção e cuidado comigo mesma. Tento dar chances para livros, músicas, séries, filmes. Não desistir de cara é um ato de cuidado.

Sempre dou um jeito de não sucumbir, porque se eu me perder, sinto que é pra sempre. Por isso que sou adepta da lisergia, mas sempre com cautela, preciso de pouco. Porque tal qual Obelix já estou nesse caldeirão. E sinto que se pirar muito, não tem volta. Existe um lado capricorniano meu ultradisciplinado. Peço desculpas por estar atrasada quando o relógio diz 20h03 e o combinado era 20h. É inerente. Mas quando eu percebo que estou automática demais, eu dou meu jeito. Se não o capitalismo me sequestra por completo, e meu coração anárquico mofa. Não posso permitir. Me sinto um pouco num momento atolada de trabalhos, e agradeço, afinal o rombo pandêmico é real. Mas preciso me concentrar para colocar minha literatura num projeto dos sonhos, algo que venho paquerando há um tempo já. Amo escrever aqui mas escrever não é rápido, não é pá-pum, exige. E esse outro projeto exigirá mais ainda. Portanto, me despeço daqui pra poder ter mais tempo de dedicação literária. Me aguardem, viu?

Agradeço tanto a todes que me leram neste espaço mensalmente. Recebi tantos comentários, gente que embarcou nas minhas viagens, gente que telepaticamente papeou comigo numa mesa de bar pandêmica e discutimos algumas elaborações aqui levantadas. Espero que eu tenha conseguido escrever HELICÓPTERO para vocês. Até a próxima.

Letrux é atriz, escritora, cantora, compositora e uma força da natureza cujo trabalho é marcado por drama, humor e ousadia. Entre seus trabalhos estão o álbum “Letrux em Noite de Climão” e o livro “Zaralha”

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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